NOVA YORK - A pequena vila de Jackson Hole, no interior de Wyoming, nos Estados Unidos, volta a concentrar a atenção de Wall Street e do mundo nesta semana. Do tradicional simpósio que reúne a elite de banqueiros centrais e da economia mundial, o que se espera são sinais sobre o rumo do processo de flexibilização monetária ao redor do globo, em especial, por parte do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), que pode abrir a porta para o início da queda dos juros nos Estados Unidos em setembro.
Com o tema “Reavaliando a eficácia e a transmissão da política monetária”, o tradicional simpósio de Jackson Hole chega a sua 47ª edição, promovido pelo Fed de Kansas City, entre a quinta-feira, 22, e sábado, 24. A pacata vila de Jackson Hole deve reunir nomes como o presidente do Fed, Jerome Powell, representantes do Banco Central Europeu (BCE), o presidente do Banco Central brasileiro (BC), Roberto Campos Neto, além de economistas e acadêmicos de renome, para discutir o rumo dos juros na economia global.
Diferentemente das edições anteriores, quando havia a expectativa por uma política monetária mais restritiva, o mundo, agora, caminha em direção a um ciclo de flexibilização monetária. Puxado pelos bancos centrais da América Latina, dentre eles Brasil e Chile, o movimento já chegou à Europa e a grande expectativa de investidores é de quanto ao início da queda das taxas nos EUA.
“Já estamos em um ciclo de flexibilização global, e Jackson Hole no fim desta semana fornecerá mais uma prova de que o Fed finalmente entrará nele”, prevê o estrategista global do Rabobank, Michael Every.
Como de costume, o momento mais esperado de Jackson Hole é o discurso de abertura, tradicionalmente feito pelo presidente do Fed. Powell falará à nata de banqueiros centrais na manhã de sexta-feira, dia 23, a partir das 11h, de Brasília.
O grande foco dos investidores é capturar sinais sobre a reunião de setembro, bem como o que vem depois. Economistas esperam que ele mantenha um primeiro corte de juros na mesa, mas descartam a antecipação dos movimentos à frente, que devem continuar dependentes dos dados econômicos nos EUA.
“Esperamos que Powell expresse um pouco mais de confiança nas perspectivas de inflação e dê um pouco mais de ênfase aos riscos de queda no mercado de trabalho do que na coletiva de imprensa após a reunião de julho, à luz dos dados divulgados desde então”, prevê economista do Goldman Sachs Jan Hatzius.
O susto com o relatório payroll (”folha de pagamento”) de julho, aquém do esperado, reacendeu temores de uma possível recessão nos EUA e fez com que as expectativas do mercado se curvassem para uma queda maior das taxas em setembro, de 50 pontos-base (0,5 ponto porcentual). Dados posteriores, incluindo a inflação, e do varejo e da indústria no país, reforçaram, porém, a resiliência da maior economia do mundo e acalmaram as expectativas.
A expectativa do mercado
As chances de um primeiro corte de 25 pontos-base (0,25 ponto porcentual) na próxima reunião do Comitê Federal do Mercado Aberto (FOMC, na sigla em inglês), no mês que vem, estavam em 61,5%, após a revisão anual para baixo dos dados do payroll e a ata da última reunião do Fed, mostra levantamento da CME Group.
“O título do simpósio sugere uma discussão sobre as ferramentas apropriadas para conduzir a política monetária, mas não esperamos muito do que é mais interessante para os mercados: o caminho das taxas de juros nos próximos meses”, admite o economista do Julius Baer, David A. Méier.
Na opinião do economista do Bradesco, Vítor de Holanda Jó, Powell tem pouco a ganhar dando mais sinais ao mercado sobre o rumo dos juros nos EUA. No lugar, ele deve priorizar o alinhamento da comunicação institucional, até mesmo porque ainda há mais dados a serem publicados, incluindo um novo relatório payroll, antes da próxima reunião do Fed, em setembro.
“O discurso vai ser menos importante para a política monetária e mais como uma forma institucional. Powell vai tentar comunicar ao público o porquê ele está iniciando o ciclo (de queda de juros), apesar de a inflação estar alta no comparativo anual”, diz Jó, do Bradesco.
O Bank of America vê o discurso de Powell em Jackson Hole como um repeteco da reunião de julho, quando demonstrou, pela primeira vez, um compromisso mais firme com um corte de juros nos EUA em breve. “Um sinal mais ‘dovish’ (propenso ao corte de juros) poderia ser uma declaração de que o comitê quer evitar ‘fraqueza inesperada’ no mercado de trabalho, em vez de simplesmente responder a ela depois que ocorrer”, explica o economista do Bank of America para os EUA, Michael Gapen.
O Brown Brothers Harriman (BBH) espera que o Fed reforce as expectativas de uma primeira queda das taxas em setembro, mas enfatize que não se trata de um início de um ciclo de flexibilização agressivo. Isso porque, na visão do banco americano, se o BC dos EUA cortasse de cara 50 pontos-base (0,5 ponto porcentual), prejudicaria os seus esforços para manter a confiança, e ainda elevaria os temores de uma recessão à vista na maior economia do mundo.
“Parte do trabalho do Fed é manter a confiança”, diz o BBH. “Não apenas manter a confiança do mercado de que o Fed está fazendo seu trabalho no combate à inflação, mas também a confiança dos consumidores e empresas de que a economia continuará crescendo”, acrescenta.
Já o economista-chefe do JPMorgan, Bruce Kasman, vê chances de um corte maior nos juros na próxima reunião do Fed, considerando que a política atual está restritiva, conforme reforçaram dirigentes da autoridade nas últimas semanas. “Uma redução de 50 pontos-base (0,5 ponto porcentual) na reunião de setembro é justificada”, conclui.
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