Preço de arroz e feijão sobe mais que cerveja e cigarro, produtos na mira do ‘imposto do pecado’

Inflação de alimentos básicos para a população sofreu reajustes maiores do que bebida alcoólica e tabaco depois de 2016, mostra estudo

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Foto do author Daniel  Weterman
Atualização:

BRASÍLIA – O preço do arroz e do feijão subiu mais que o da cerveja e o do cigarro nos últimos anos, mostra estudo do economista e professor da Strong Business School, Valter Palmieri Júnior. A tributação desses produtos, por sua vez, irá mudar com a reforma tributária proposta pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e em discussão no Congresso Nacional.

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O levantamento foi desenvolvido para a ACT Promoção da Saúde, organização que atua em defesa da saúde e da alimentação saudável, e considerou diferentes comparações entre os custos desses produtos para o consumidor final.

Os números mostram que o cigarro teve um aumento de preço maior que os alimentos até 2016. Depois desse ano, porém, o fumo deixou de ter reajustes maiores e a situação se inverteu. A partir de 2017, o preço mínimo do cigarro estabelecido pela legislação, que é de R$ 5,00 o maço, não foi mais corrigido. Em compensação, os alimentos passaram a ter elevações maiores nos custos para o consumidor brasileiro.

Entre janeiro de 2017 e abril de 2024, o arroz sofreu um aumento de 99,5% nos preços, enquanto a cerveja sofreu aumento menor, de 36,3%, e o cigarro enfrentou uma inflação ainda mais baixa, de 28,8%. Foto: Evelson de Freitas/Estadão

Entre janeiro de 2017 e maio de 2024, o arroz quase dobrou de preço (aumento de 99,5%), enquanto o índice geral do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) avançou 45% no período. A cerveja sofreu aumento menor, de 36,3%. O cigarro, por sua vez, subiu menos: 28,8% no período.

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“Quando o arroz e o feijão sobem, não é fácil ter um substituto mais barato no prato e uma família mais pobre consome mais esses alimentos proporcionalmente à renda. O aumento de preço prejudica muito o poder de compra dessas famílias”, diz o economista. “O cigarro e a cerveja, por outro lado, são produtos cuja tributação não paga os custos sociais que eles geram para a saúde pública.”

Para se ter uma ideia do peso sobre o consumidor final, em 2016, com o valor de 30 maços de cigarros, equivalente a R$150, se comprava 57,4 quilos de arroz. Hoje, só dá para 32,5 quilos. Ou seja, o preço do arroz em comparação ao tabaco pesa mais no bolso do consumidor do que no passado.

A proposta de reforma do governo incluiu arroz e feijão na cesta básica, sem cobrança de impostos para o consumidor. Bebidas alcoólicas e o cigarro, por sua vez, entraram no Imposto Seletivo, apelidado de “imposto do pecado”, com tributação maior. A intenção é desonerar alimentos consumidos pelos mais pobres e tributar mais itens que fazem mal à saúde e ao meio ambiente, para reduzir o consumo.

A Câmara pretende votar o primeiro projeto da regulamentação da reforma tributária, que define os produtos taxados pelo Seletivo, em julho, antes do recesso parlamentar. Já as alíquotas desse tributo serão definidas posteriormente, em outro projeto de lei.

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Em relação à cerveja consumida no domicílio, houve um aumento de 32,8% nos preços entre 2017 e 2023. No mesmo período, o aumento do preço da alimentação no domicílio foi de 54,4%. Essa discrepância sugere um aumento maior no custo-benefício da cerveja, um produto nocivo à saúde, em relação aos alimentos, que podem ser essenciais à saúde e à vida humana, diz a pesquisa.

Em abril de 2024, um arroz de 5 quilos custava R$ 35, enquanto uma caixa de 12 latas de cerveja era vendida a R$ 41,88. Se os preços tivessem a variação trocada, o arroz custaria R$ 16,57 e a cerveja teria um preço de R$ 88,41. O feijão de 1 quilo, por sua vez, diminuiria de R$ 10,29 para R$ 7,73.

“As pessoas precisam ter a liberdade de consumir o que desejam, mas o preço dos produtos tem que ser justo no sentido de cobrir os custos sociais e ambientais que geram em termos de saúde pública”, afirma Valter Palmieri Júnior.

O presidente-executivo do Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja (Sindicerv), Márcio Maciel, diz que o produto brasileiro já paga a carga tributária mais alta da América Latina e o setor não consegue absorver novos aumentos sem impactar a produção.

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“É fundamental, nesse momento de cenário de aumento da inflação (para o setor), que seja mantida a carga tributária atual, por meio da tributação progressiva por teor alcoólico, pois ela permite ao setor produtivo ter mais previsibilidade e, assim, projetar novos investimentos que ampliarão a oferta de produtos, reduzindo a inflação, além de gerar emprego e renda ao País”, diz Maciel.

O projeto enviado pela equipe econômica prevê a taxação pelo Seletivo proporcional à quantidade de álcool da bebida – o que desagrada o setor de destilados.

Procurada, a Associação Brasileira da Indústria do Fumo (Abifumo) não quis se manifestar.

Por que o arroz e o feijão subiram mais do que a cerveja e o cigarro?

A evolução dos preços está diretamente relacionada às condições de produção desses itens no País, de acordo com o economista. Os produtos rurais passaram a ter mais incentivos e lucratividade para produzir grãos como soja e milho do que para plantar feijão e arroz ao longo do tempo. Além disso, os custos para se produzir tabaco e cerveja foram mais leves, mesmo com a tributação mais alta em relação a outros países.

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O custo de fabricação de alimentos aumentou 80,3% entre 2016 e 2024, enquanto o custo para a produção de cigarros subiu menos, 24,1%. “A produção de tabaco no Brasil é a mais barata do mundo. E, sem a tributação, o cigarro do Brasil seria o mais barato do mundo. Na cerveja, o custo de produção também é baixa e a indústria consegue alterar a composição a depender dos custos”, diz o autor do estudo.

Para o pesquisador, a reforma tributária proposta no Congresso minimiza esses problemas, mas não é suficiente, pois é preciso mexer nas condições da produção para que os alimentos saudáveis sejam realmente mais vantajosos para os agricultores e para os consumidores finais. “A tributação é um dos componentes do preço, mas é preciso incentivar a produção e alterar esses incentivos para o produtor rural. É preciso tornar esses produtos mais baratos, mas a lucratividade de quem está produzindo não pode diminuir.”