Quando precisou escolher entre morar em um apartamento da família nos Jardins ou comprar um novo na Vila Mariana para estar perto do local de trabalho, a embriologista Mariana Moraes Piccolomini não teve dúvidas e optou por comprar um imóvel na Vila Mariana. O motivo? O preço alto do condomínio e a falta de áreas de lazer. Com o envelhecimento dos imóveis da região, o preço do condomínio chega a custar duas vezes mais em relação às taxas cobradas nos mais novos.
“Até visitamos outros apartamentos enormes com preço bom nos Jardins. Mas o valor do condomínio era um absurdo e não tinha nada, nem uma academia. As vagas de garagem também eram muito ruins. Há muitos apartamentos para alugar nos Jardins e nada se encaixava no que procurávamos”, diz ela. O preço do condomínio em um prédio da família em que a embriologista considerou morar, por exemplo, é de R$ 5.700.
O apartamento onde Mariana mora hoje foi lançado há poucos anos e tem áreas comuns com opções de lazer, como academia e piscina, além de carregador para carros elétricos. Tanto ela quanto o marido usam carros elétricos. Já o imóvel dos Jardins pertencente à família de Mariana está sem moradores desde 2013 devido à dificuldade de alugar ou vender o apartamento, que tem 240 m².
Para imóveis como esse, o plano diretor da capital paulista não tem estratégias de revitalização de prédios residenciais antigos, deixando custos de melhorias integralmente com os condôminos. Os esforços de retrofit estão associados ao centro da cidade, que deve receber um total de R$ 1,1 bilhão em benefícios para converter prédios comerciais em residenciais.
Na plataforma Zap, o preço médio em 70 condomínios anunciados com tamanhos entre 100 m² e 300 m² na região dos Jardins é de R$ 4.218. O problema do custo do condomínio também afeta empreendimentos no bairro de Pinheiros, onde o preço médio da taxa nos imóveis com o mesmo tamanho é de R$ 3.914.
Nos dois bairros, grande parte dos condomínios não têm ou têm opções limitadas de lazer nas áreas comuns, o que gera preocupação diante dos novos empreendimentos erguidos na cidade que já trazem o conceito de “condomínio clube”. Só para 2024, um mapeamento da Lello aponta que serão entregues 818 empreendimentos, com total de 150 mil apartamentos, em São Paulo, quase o dobro de 2023.
De acordo com estudo da Brain, a intenção de compra de imóveis no Brasil no primeiro trimestre deste ano está no patamar mais alto desde maio de 2021, com 41% dos 1.400 entrevistados afirmando pretender comprar uma moradia em até dois anos. Dessa fatia, nas capitais, 56% desejam apartamentos.
Segundo Felipe Miguez, líder de desenvolvimento residencial da Tellus, os condomínios antigos são os mais baratos das regiões porque os itens de lazer estão aquém do mercado, com custo de condomínio elevado. O metro quadrado de um prédio novo, diz, acaba ficando o dobro do preço de outro feito há 30 ou 40 anos.
“Os prédios no bairro foram envelhecendo e precisam se renovar, as plantas vão ficando desatualizadas. A tese do retrofit ainda não chegou nos Jardins, mas tende a se consolidar”, diz Miguez. Segundo ele, a região dos Jardins é a que tem a maior disparidade entre um novo e um antigo. “A diferença chega a ser 50% a menos por metro quadrado por causa disso.” Por outro lado, um condomínio novo tem custo mais barato comparado a um antigo e as pessoas olham muito para isso.
A diretora de marketing da Lello Condomínios, Angelica Arbex, conta que os custos do condomínio são compostos por mão de obra (50%), contratos de serviços (20%), despesas de água e energia (10%) e fundo de reserva (5%). Para ela, os síndicos dos condomínios são os responsáveis tanto pelo planejamento em relação às obras de melhoria quanto pelo convencimento dos condôminos sobre o investimento para manter ou aumentar o valor dos seus imóveis.
“A chave para a diferenciação é ter um síndico que é gestor de contexto, que entende o lugar, a concorrência de empreendimentos novos da rua e consegue fazer uma gestão que mantenha o imóvel atualizado. Os síndicos não podem mais olhar o condomínio apenas com a finalidade de cumprir a lei, pagar as contas, mas pensar em como transformar o imóvel em um ativo desejado”, diz Angelica.
Não existe esse problema (envelhecimento dos imóveis). São empreendimentos diferentes. O apartamento que não tem condomínio-clube tem público. Os prédios antigos não estão abandonados. O mercado de usados é bastante forte em São Paulo. É raro encontrar um prédio desatualizado, e onde vemos isso é no centro da cidade. É outra concepção de empreendimento, são prédios para públicos diferentes
Ely Wertheim, presidente executivo do Secovi-SP
Segundo levantamento feito pela plataforma imobiliária Loft com dados do primeiro bimestre de 2024, o preço do condomínio por metro quadrado na região dos Jardins é de R$ 14,47 em apartamentos com mais de 125 m². E esse número vem subindo. No Jardim Paulista, a taxa subiu 7,57% nos últimos 12 meses; no Jardim América, 7,53%; e no Jardim Europa o valor se manteve.
O gerente de dados da Loft, Fábio Takahashi, diz que o preço do condomínio, por ser um custo fixo, é um dos três itens mais importantes para a decisão sobre a escolha de um imóvel para moradia.
Segundo a análise mais recente da Loft, feita em 2022, 66,7% dos imóveis anunciados para venda no Jardim Paulista haviam sido construídos em 1970 ou antes, sendo que três a cada dez tinham piscina e academia.
Na visão de Takahashi, imóveis em regiões nobres, como é o caso das propriedades nos Jardins, tendem a ser atrativos para os consumidores pelo que o bairro oferece. “É uma super localização, com fácil acesso a diversas áreas da cidade. O que tem no entorno dos Jardins as outras áreas da cidade não têm. Por isso, abre-se um espaço para ter estruturas maiores dentro dos condomínios.”
O presidente executivo do Secovi-SP, Ely Wertheim, nega que o envelhecimento de empreendimentos na região dos Jardins seja uma realidade. Para ele, a maioria dos prédios está conservada.
“Não existe esse problema. São empreendimentos diferentes. O apartamento que não tem condomínio-clube tem público. Os prédios antigos não estão abandonados. O mercado de usados é bastante forte em São Paulo. É raro encontrar um prédio desatualizado, e onde vemos isso é no centro da cidade. É outra concepção de empreendimento, são prédios para públicos diferentes”, afirma Wertheim.
“Há um público que não quer condomínio-clube, basta ter academia, piscina e salão de festa. O público pode ter isso na rua, tem academia ou clube. Ter 50 anos não quer dizer que o prédio esteja deteriorado. Os prédios são conservados.”
Questionada sobre projetos de incentivo ao retrofit na capital, especialmente na região dos Jardins, a Prefeitura de São Paulo informou que estimula projetos de retrofit de prédios antigos em toda a cidade e que modernizou a legislação recentemente.
“Para garantir incentivos à modernização de edificações construídas anteriormente a 1992, a Prefeitura aprimorou com a Revisão Parcial da Lei de Zoneamento (Lei 18.081/2024) o que já estava previsto no Código de Obras (Lei 16.642/17), permitindo a ampliação da área construída dessas edificações em até 20% com relação à área edificada existente”, disse em nota. “Esse excedente é considerado como área não-computável pelo município, isso significa que o empreendedor não paga outorga onerosa (contrapartida financeira paga ao Município para o interessado construir acima dos limites construtivos) sobre esse acréscimo no projeto.”
Sobre a região central da cidade, a prefeitura ressaltou que oferece benefícios fiscais para reformas em prédios por meio do programa Requalifica Centro. “O programa tem como alvo as edificações construídas até 23 de setembro de 1992 e localizadas em um perímetro estimado em 6,4 km² da região central”, informou.
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Custos ocultos
O coordenador do curso de negócios imobiliários da FGV, Alberto Ajzental, afirma que o envelhecimento dos empreendimentos imobiliários gera aumento dos custos de manutenção. “Um prédio tem o que se chama de uma vida útil. Ele envelhece e dura entre 50 e 100 anos. Dentro disso, há subsistemas mais duradouros, como a estrutura de concreto armado que dura 100 anos, e os subsistemas mais sensíveis, que duram menos, como aqueles que têm peças móveis, portões e elevadores”, diz.
Ajzental destaca que os condomínios de alto padrão antigos tinham poucos apartamentos, como um por andar. Isso leva a uma menor base de condôminos para dividir os custos gerais do prédio, aumentando o preço do condomínio pago pelos moradores. Ele lembra ainda que todos os projetos imobiliários estão sujeitos ao envelhecimento e os condomínios que têm muitas áreas comuns tendem a ter mais custos de manutenção com o passar dos anos.
“Daqui a 50 anos, o ‘condomínio-clube’, como chama o mercado, terá muito mais problemas do que tem hoje nos antigos. Há alguns anos, todo o marketing dos condomínios novos era baseado nas áreas comuns, que chegavam a ter até 150 itens de lazer. Isso vem mudando. Até porque, com o tempo, esses itens terão custos e os condôminos podem até precisar reduzir essas estruturas para controlar o preço do condomínio”, diz Ajzental.
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