A fase mais crítica da disparada do preço do leite, que fez do produto o vilão da inflação e diminuiu a presença nas prateleiras dos supermercados, está ficando para trás. A queda de preços no atacado que começa a ser registrada neste mês por causa da maior oferta e também o fim do período de seca já começa a trazer um alívio para o bolso do consumidor.
Em julho, o leite subiu mais de 25% no varejo e acumula alta de quase 80% no ano, segundo o Índice de preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a medida oficial da inflação do País.
Mas, desde o início de agosto até a última terça-feira (16), a cotação média do litro de leite no atacado de São Paulo já caiu quase 17%, de acordo com dados do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea).
“O pior momento de alta de preços acho que já passou”, afirma o pesquisador em economia da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Gado de Leite, Samuel José de Magalhães Oliveira. Ele pondera que o nível de preços anterior à pandemia não deve ser retomado, mas acredita que as cotações muito elevadas cedam neste segundo semestre. O economista-chefe da Associação Paulista de Supermercados (Apas), Diego Pereira, é outro que aposta num recuo de preços ao consumidor em meados de outubro.
Já a rede Hirota, com 18 supermercados, 23 lojas express e 91 pontos de venda em condomínios, registrou queda em torno de 20% no custo do leite este mês. Hélio Freddi, diretor da rede, conta que está repassando essa redução aos clientes. “Estamos com preços promocionais.”
Entressafra atípica
Além da forte seca, o pesquisador da Embrapa explica que uma combinação desfavorável de fatores levou à disparada do preço do leite. Entre eles, estão os choques de preços dos grãos usados na alimentação do gado, como milho e soja, e os lockdowns provocados pela pandemia. Também a guerra entre Rússia e Ucrânia, dois grandes produtores de grãos, encareceu ainda mais o custo do litro de leite.
O resultado foi que o gasto para produzir leite disparou e o preço oferecido pelas indústrias, pressionado pelo consumo fraco no varejo, não cobriu esse aumento. O pico da alta de custos medidos pela Embrapa ocorreu em agosto do ano passado, quando os aumentos acumulados em 12 meses chegaram a 40%, diz o pesquisador.
Sem uma remuneração adequada, produtores descartaram matrizes e até desistiram do negócio. Esse quadro explica a alta explosiva de preços no varejo que houve até um mês atrás, com forte redução na oferta.
Falta
No mês passado, o leite de caixinha foi o produto campeão de falta nos supermercados, com uma ruptura de 22,7% do volume regulamente ofertado. É o maior índice de ruptura registrado pelo produto no varejo em três anos, desde janeiro de 2019, aponta pesquisa nacional da consultoria Neogrid. A empresa monitora eletronicamente 80% das maiores redes de supermercados do País. Pereira, da Apas, diz que a falta do produto no varejo é resultado das negociações mais intensas entre os supermercados e os laticínios, exatamente por conta da alta de preços.
Segundo o Oliveira, da Embrapa, esta foi uma das piores entressafras. No primeiro trimestre, a captação de leite pela indústria, que reponde pela maior fatia do mercado, foi de 5,9 bilhões de litros. É um volume 10,3% menor comparado ao mesmo período do ano anterior. “Há quatro anos não tínhamos uma captação de leite tão baixa”, diz.
Reversão
No entanto, o quadro começou a mudar. Os preços elevados oferecidos pelas indústrias voltou a estimular os produtores. Adicionalmente, os sinais de recessão na economia global provocaram queda nas cotações dos grãos e aliviaram custos. De janeiro a julho, os gastos com produção de leite subiram apenas 1,2%, aponta a Embrapa.
“Poucas vezes houve um estímulo tão forte via preço para o aumento da produção como neste meio de ano”, frisa Oliveira. Ele conta que há relatos de produtores que estão dando mais ração aos animais, a fim de obter um ou dois litros a mais de leite por dia. Essa mudança já começa a ter impacto no aumento da oferta, nos preços e na normalização do abastecimento.
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