Problemas de saúde mental são detectados cada vez mais de forma precoce, e as empresas têm se empenhado mais no tratamento do tema. Afinal, explica Rodrigo Bressan, psiquiatra, neurocientista e professor livre-docente da Unifesp, a sociedade percebe que hoje o custo das doenças mentais é mais elevado do que o gasto com transtornos cardíacos. “O afastamento de pessoas por uma semana ou um mês tem uma grande repercussão dentro das empresas”, diz ele, ao Estadão.
O psiquiatra lembra que uma doença mental crônica pode arruinar a carreira de um profissional. Mas hoje, afirma ele, a “busca por ajuda tem sido antecipada”. Segundo Bressan, hoje funcionários têm menos medo de expor seus problemas, o que torna o tratamento cada vez mais eficiente e evita que o transtorno se agrave. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Como a saúde mental é trabalhada hoje dentro das empresas?
As pessoas vêm percebendo as suas questões de saúde mental cada vez mais, identificando mais precocemente. Os problemas de saúde mental afetam aproximadamente 25% da população no mundo. Pensando na força de trabalho, a gente tem dificuldade de ver esses dados. Quem está nessa área, tem a impressão de que há uma indústria para laudos – que pode até existir, e dar um pequeno viés. Mas é muita gente para estar numa situação desse tipo. O afastamento de pessoas por uma semana ou um mês tem uma grande repercussão dentro das empresas.
A sociedade hoje aceita melhor esse problema?
A sociedade, ao longo dos anos, começou a perceber (a questão) como algo importante. O custo das doenças psiquiátricas no mundo é extremamente elevado, às vezes é mais elevado do que o de transtornos cardíacos. Só que o que acontece é que as políticas de saúde mental demoraram a ser desenvolvidas. O grande problema disso é que, se você atrasa o tratamento, a doença se torna crônica e a pessoa fica muito mais incapacitada e pode perder a carreira.
Muitas vezes os funcionários têm medo de expor o problema. Você acha que isso tem melhorado?
Certamente, tem melhorado, mas tem uma questão que é delicada: todo mundo tem o que a gente chama de autoestigma, um preconceito sobre si mesmo. Se eu estou deprimido, acho que as coisas não vão funcionar, tenho vergonha de falar. Mas o preconceito vem diminuindo e fazendo com que a busca por ajuda seja antecipada. Isso é excelente.
Você criou o Instituto Ame Sua Mente. O que é isso?
Como eu dizia, hoje há uma prevalência de transtornos mentais – depressão, ansiedade, transtorno obsessivo compulsivo, bipolar – em 25% da população mundial. E o que chama mais a atenção é que mais de 75% dos casos começam antes dos 24 anos e 50%, antes dos 14. Se você quer prevenir, você tem de ir para uma ação mais cedo. Então, eu com o Marco Kheirallah e a Cristiana Pipponzi montamos esse instituto. E qual é a ideia? Formar professores sobre saúde mental para o programa ser implementado em escola pública e advocacy, um lado de comunicação para a sociedade sobre saúde mental, esclarecendo as questões, outro de política pública. Nossa formação está dentro da Efape, que é a Escola de Formação de Educadores de São Paulo, que é pública.
Quero perguntar sobre drogas hoje. O uso de drogas aumentou entre os jovens?
Vem aumentando, sim, e mudou um pouco o perfil das drogas. A maconha de hoje é dez vezes mais potente do que aquela maconha de anos atrás. E dez vezes mais potente muda o perfil da droga, porque ela tem uma capacidade de determinar dependência muito alta.
Você é contra a liberação da maconha?
Não sei se é melhor proibir ou não proibir, mas o que eu posso dizer é que maconha faz mal, causa dependência. Dá para ter uso recreativo? Dá. Mas dependência faz mal e tem casos graves, aumenta a chance de ter depressão, quadro de ansiedade...
Também existe abuso de drogas legais?
Sim, existe. É o caso da pessoa que tem de tomar meia Ritalina por dia e toma três. É grave e tem algumas farmácias que dispensam a receita e cobram um pouco mais caro pelo remédio. Já examinei um jovem que ficou usando anfetamina toda noite por quase uma semana. Ficou psicótico. Hoje, acha que está sendo perseguido, que as pessoas estão atrás dele. Há abuso de anfetamínicos, benzodiazepínicos, que é o Frontal, Rivotril, Lexotan, você tem abuso de várias drogas lícitas, e é um perigo.
E as pessoas têm de passar por tratamento...
Sim. É um dependente de remédio legal.
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No caso do sistema público, como são tratados os transtornos mentais?
Classicamente, a psiquiatria era o que a gente chamava de manicomial. O que era manicomial? Quem ficou louco põe no manicômio, tranca e deixa. Você tinha grandes hospitais, no mundo inteiro e no Brasil também. Eram depósitos de gente com transtornos graves. Então, você tinha pessoas com esquizofrenia, com demências, com tuberculose, sífilis cerebral, você tinha doenças graves ali. O que é que aconteceu? A Psiquiatria, a Medicina, foram melhorando e começou um movimento para tirar as pessoas do manicômio, das internações. Aí, surgiram os Caps (Centro de Atenção Psicossocial), que são locais de convivência médica, psicológica, de terapia ocupacional.
Funciona na quantidade suficiente?
Não. Você não tem a quantidade suficiente, mas é o modelo que funciona, tem de melhorar. A grande lacuna é que a maior parte dos transtornos mentais não é grave, que teria de ter uma assistência ambulatorial, como nos consultórios, e nisso o serviço público é muito ruim.
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