BRASÍLIA - Em um claro sinal de que fará forte oposição no Congresso ao texto protocolado pelo governo, a Confederação Nacional dos Municípios (CNM) apresentou ao ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, uma contraproposta para a desoneração da folha de pagamento das prefeituras, e incluiu outros pleitos na negociação.
O documento, obtido pelo Estadão, prevê que o benefício previdenciário seja permanente e válido a todas as cidades, sem recorte populacional ou de receita, e que haja um parcelamento de até 25 anos das dívidas com a Previdência, estimadas em R$ 248,6 bilhões.
Os gestores locais também propõem um novo modelo de quitação de precatórios por parte das prefeituras, limitando o pagamento a 1% da receita líquida e parcelando o restante em 20 anos. Além da equiparação das regras dos regimes próprios de Previdência Social às praticadas atualmente na União.
A maior parte das mudanças está prevista em duas Propostas de Emenda à Constituição (PECs) - uma de autoria do senador Jader Barbalho (MDB-PA), relatada pelo líder do PL no Senado, Carlos Portinho (RJ); e outra do deputado Gilson Daniel (Pode-ES), ainda sem relator.
“É um problema gigante. A questão da desoneração é apenas a ponta de um grande iceberg”, afirma Paulo Ziulkoski, presidente da CNM. “Esse debate está propiciando que a gente levante esse véu da Previdência, que é uma questão no Brasil e no mundo, mas, principalmente, para os municípios, já que nós temos 7,4 milhões de servidores, sendo mais de 4 milhões nos fundos próprios”, diz.
Segundo Ziulkoski, a proposta foi entregue ao ministro Padilha na última terça-feira, 26, e também está sendo debatida com o Congresso Nacional - isso a poucos meses das eleições municipais, o que amplia a pressão sobre os parlamentares.
“Se quiser uma opinião minha, a queda de popularidade do Lula não está na obra que ele não fez. Está na crise que nós vivemos hoje, não só dos direitos básicas do cidadão, mas, principalmente, do que ficou represado da pandemia e que ninguém está olhando. A queda dele está na saúde, na educação e na assistência social”, avalia o presidente da entidade.
Em relação à desoneração da folha, a CNM propõe que a contribuição patronal ao INSS tenha uma alíquota inicial de 8%, a partir de 2024, e aumente dois pontos porcentuais ao ano, até chegar a 14% em 2027 - patamar em que ficaria estacionada, de forma permanente. Antes das mudanças aprovadas no Congresso, a alíquota era de 20%.
Nesse cenário, a entidade calcula um impacto fiscal, para a União, de R$ 12,8 bilhões neste ano - mais do que o triplo da proposta do governo, que foi desconsiderada pelos prefeitos. Como as alíquotas aumentariam gradualmente, a perda de receita cairia para R$ 6,8 bilhões em 2027 e somaria R$ 39,9 bilhões em quatro anos.
Como forma de compensar esse impacto bilionário, a CNM sugere que o governo realize uma série de medidas, tais como: revisão de benefícios por incapacidade e da isenção do Imposto de Renda para aposentadorias por doenças graves, com o objetivo de identificar desvios; combate a fraudes na concessão de isenção de IPI para pessoas com deficiência; e simplificação dos processos de apuração de irregularidade no Benefício de Prestação Continuada (BPC).
Cabo de guerra
A desoneração da folha tornou-se um cabo de guerra entre os municípios e a equipe econômica, que vê esse embate como de alto risco à Seguridade Social e ao equilíbrio fiscal da União. A discussão teve início em 2023, quando o Congresso aprovou a redução, de 20% para 8%, da contribuição previdenciária sobre a folha dos municípios com população de até 156,2 mil habitantes.
No Senado, o texto, que também incluía a desoneração da folha das empresas, foi aprovado em 10 minutos, em uma derrota para a equipe econômica.
A lei acabou sendo integralmente vetada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas o veto foi derrubado pelos parlamentares. Nos últimos dias de 2023, a Fazenda, por meio de uma Medida Provisória, invalidou o benefício, alegando que não havia previsão para a renúncia tributária no Orçamento deste ano.
Só que a decisão desagradou a deputados e senadores, que haviam aprovado a medida sob pressão de prefeitos às vésperas das eleições municipais. Diante da resistência, a Fazenda voltou atrás e agora tenta negociar a aprovação de um projeto de lei com uma saída de meio-termo.
Na noite desta quarta-feira, o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), formalizou o projeto referente aos municípios. Como antecipou o Estadão, o texto limita o benefício a cidades com até 50 mil habitantes e receita líquida (RCL) per capita de até R$ 3.895.
Pela proposta, a alíquota de contribuição previdenciária seria de 14% este ano, 16% em 2025 e 18% em 2026 - retomando a cobrança original, de 20%, em 2027.
A oferta, porém, foi considerada pela CNM como um “desrespeito aos municípios”. Diante do impasse, Ziulkoski afirma que a entidade segue defendendo que o presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), devolva a MP ao governo. “Esse posicionamento também tem partido de senadores e deputados, para que se cumpra o compromisso feito em reunião de líderes”, afirma.
Mesmo com a apresentação do novo projeto de lei, a MP segue vigente e começará a ter impacto na conta dos municípios a partir de abril. Isso porque ela determina que a contribuição previdenciária original, de 20%, volte a ser praticada depois de 31 de março. Antes de caducar, portanto, ela produziria efeito por dois meses no caixa dos prefeitos.
Questionado sobre o tema e sobre o estabelecimento de uma alíquota de 8% aos municípios, o ministro da Previdência, Carlos Lupi, avaliou que “melhor 8% do que nada”. “Se eu não recebo nada e eu vou fazer 8%, eu prefiro. Se eles me propõem 8%, eu topo. É que nem esses bancos financeiros, o cara diz assim: “vamos dar desconto de 90%”. Banco fazer isso? É claro, não recebia nada. Já é um dinheirinho”, disse o ministro em entrevista ao Estadão.
Refis para dívida
A proposta do governo vai ao encontro de ao menos um dos pleitos dos prefeitos: oferece a possibilidade de parcelamento das dívidas com a Receita Federal, estimadas em R$ 248,6 bilhões (sendo R$ 94,2 bilhões junto à Receita Federal e R$ 154,4 bilhões já inscritos em dívida ativa). Em 2019, segundo a CNM, esse montante era de R$ 20,7 bilhões - uma alta, portanto, de mais de 1.000% em quatro anos.
Questionado se essa disparada não está diretamente ligada ao inchaço da folha de pagamento das prefeituras, com contratações e aumentos de salários, Ziulkoski rebate: “A União manda tudo (os serviços básicos) para lá (para os prefeitos) e depois faz acusação. E cria essa subserviência que faz com que os prefeitos tenham de viver com o pires mão”.
Segundo ele, o governo federal criou, ao longo dos últimos anos, mais de 230 programas que passaram a ser executados pelos municípios, exigindo a contratação de servidores.
Os termos oferecidos pela equipe econômica para o novo refis, porém, são bem mais restritivos do que os pleiteados pelos municípios. O PL do governo prevê parcelamento em até cinco anos, com redução de 70% nos juros e multas, para cidades de, no máximo, 50 mil habitantes. A CNM, no entanto, pede parcelamento em até 25 anos, incluindo os saldos a pagar de parcelamentos anteriores.
Esse prazo mais alongado, porém, exigiria a aprovação de uma PEC, já que a Constituição, desde a aprovação da reforma da Previdência, vedou parcelamentos superiores a 5 anos para débitos previdenciários.
Por isso o apoio da CNM à PEC de autoria do senador Jader Barbalho, a qual também prevê redução de 80% nos juros, 40% nas multas e nos encargos legais e 25% nos honorários advocatícios.
Os municípios também querem abrir uma discussão sobre o indexador da dívida, pegando carona nas negociações em curso com os governadores. O argumento é isonomia. A PEC do senador Barbalho prevê correção pelo índice da poupança (6,17% mais a Taxa Referencial). Ou seja, toda vez em que a Selic superar os juros da caderneta, haveria essa troca. Hoje, a Selic está em 10,75% ao ano.
Ziulkoski diz, porém, que vai “lutar” por um porcentual fixo. No caso dos governadores, o Ministério da Fazenda previu três faixas de correção das dívidas, a depender do valor aplicado pelos Estados em matrículas do Ensino Médio profissionalizante.
Para ilustrar a situação, que classifica como extremamente problemática, Ziulkoski cita o exemplo de um município na Bahia - Estado que lidera a lista de débitos previdenciários (com R$ 52,9 bilhões ou 21,3% do total). A cidade, chamada Riachão, tem dívida de R$ 235 milhões e uma receita líquida de R$ 100 milhões.
“No último parcelamento, em 2017, o município parcelou a dívida em 240 meses, reduzindo o juro em 70% ou 80%. Ele pagava R$ 1 milhão por ano, mas os juros ampliavam a dívida em R$ 24 milhões anualmente. Deu para entender?”, diz ele.
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