A medida cautelar ajuizada pela Light com pedido de suspensão temporária de obrigações financeiras e instauração de procedimento de mediação coletiva com as partes foi tomada pela companhia após duas semanas de interações com credores, em mais de 40 reuniões, que levaram à percepção de que “seria praticamente impossível” obter acordos junto aos credores dentro de um “prazo razoável”, de 3 a 6 meses, contou o presidente do grupo, Octavio Lopes, em entrevista ao Estadão/Broadcast.
“Ficou claro pra gente, nas últimas duas semanas que não conseguiríamos 100% da via extrajudicial”, disse. Ele comentou que, embora houvesse conversas preliminares com os credores, as negociações só foram intensificadas após a divulgação do balanço no quarto trimestre, no fim de março, tendo em vista que a dívida da companhia está pulverizada entre detentores de debêntures e de bonds, que precisavam de “equidade de informações”, fornecida a partir da publicação dos resultados.
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A intenção inicial era buscar um entendimento extrajudicial com os credores de cada uma das emissões, obtendo uma moratória de alguns meses que garantisse prazo para a negociação de uma proposta para as dívidas que vencem dentro dos próximos meses. No entanto, após as conversas, observou-se que esse caminho seria muito difícil, especialmente tendo em vista a existência de instrumento de cross default, que levaria à uma frustração generalizada das negociações mesmo se apenas uma falhasse.
Aliás, embora o problema enfrentado pelo grupo seja em sua distribuidora, Light Sesa, a medida judicial foi ajuizada para todas as empresas do grupo, levando em consideração fatores como a existência de cláusulas de cross default entre emissões das diferentes empresas, o fato da holding ser garantidora de todas as dívidas do grupo, como também o fato de que o bond foi emitido em units, com unidades da geradora e da distribuidora, o que também poderia levar à contaminação. No entanto, Lopes salientou que embora o nível de endividamento da distribuidora esteja muito elevado, e tenha chegado a níveis não adequados, a geradora Light Energia mantém endividamento compatível a geração de caixa do negócio.
Sem paliativos
Segundo Lopes, a medida judicial ajuizada foi a “alternativa viável”, também tendo em vista o serviço de dívida que a companhia tem previsto para a próxima segunda-feira. “Sentimos concordância esmagadora dos credores com a nossa visão, que não poderíamos usar mais os recursos do grupo, muito limitados e muito inferiores às necessidades de caixa da companhia nos próximos dois anos, para fazer soluções paliativas”, disse Lopes.
Para ele, não faria sentido buscar solução para o montante que a companhia tem de pagar na semana que vem “que não fosse parte de um todo”. “Para a totalidade dos credores, claramente a melhor opção é parar 100% dos serviços, olhar todos os credores uma solução que seja definitiva de longo prazo para companhia.”
O executivo argumentou que a medida judicial é positiva para a concessão da Light. “Se o pedido de liminar for deferido, a gente vai conseguir o que atende perfeitamente os stakeholders”, afirmou, citando o cumprimento das demais obrigações da companhia que não têm envolvimento na medida, como pagamento a fornecedores, impostos e obrigações setoriais. “A companhia continua funcionando com 100% de normalidade, e ao mesmo tempo daria esses meses para construir, a dezenas de mãos, alternativas”, disse.
A medida solicitada prevê um procedimento de mediação coletiva, ou seja, o Judiciário deve apontar um ou mais mediadores para acompanhar os grupos de credores que deverão ser organizados, de maneira a permitir que a empresa monte “pacotes” de soluções que atendam melhor a cada grupo. Lopes indicou que a expectativa da companhia é conseguir que “uma maioria importante de credores” concorde com um plano em um prazo entre 90 e 180 dias.
A ideia é encontrar soluções que permitam dar fôlego financeiro a companhia, garantindo sua sustentabilidade até que haja a assinatura de um novo contrato de concessão da distribuidora, o que permitiria uma solução de longo prazo. O atual contrato de concessão da Light Sesa vence em maio de 2026, mas a intenção da companhia é conseguir uma antecipação da renovação da concessão.
No entanto, esse processo se insere dentro das discussões em andamento no governo para a renovação da concessão de uma série de outras distribuidoras - até o fim da década, cerca de 20 devem passar por esse processo, sendo a primeira prevista para 2025. Atualmente o governo ainda está em fase preliminar de discussão do modelo a ser adotado.
Lopes comentou que as conversas, que envolvem os ministério de Minas e Energia e Economia, Agência Nacional de Energia e Tribunal de Contas da União (TCU), têm sinalizado para a necessidade de endereçamento especial dos desafios estruturais de um grupo pequeno de distribuidoras, incluindo Light. No entanto, ele admite que uma discussão específica não deve ocorrer antes da definição das condições para o conjunto das empresas, o que ele espera que ocorra dentro de três a seis meses. Por isso, para o executivo, um prazo realista para renovação antecipada de concessão da Light seria entre o quarto trimestre e 2024.
Junto a credores, porém, as negociações de prazo para uma possível uma solução de curto prazo que garanta sustentabilidade da Light até a renovação da concessão consideram o período até o fim de 2024. “É para ter prazo, não abstendo de procurar antecipação que ocorra antes e que leve, no momento da renovação, a uma solução definitiva que sustente concessão pelos próximos 30 anos, pós renovação”, salientou Lopes.
Com a renovação, a ideia é que haja uma adequação da estrutura de capital, permitindo uma redução do endividamento, em linha com os níveis de outras distribuidoras. Para isso, contou Lopes, vários caminhos podem ser trilhados, inclusive a possibilidade de apoio de parte dos credores.
Recuperação Judicial
Questionado sobre a possibilidade de uma recuperação judicial, muito aventada por advogados, Lopes afastou essa alternativa. Segundo ele, a medida que foi a ajuizada na noite de ontem é a ideal para os diferentes stakeholders da empresa, incluindo os credores. Ele salientou que a empresa não está trabalhando no dia a dia “com chave de reestruturação ligada”, mas dentro da normalidade e deve permanecer assim.
Atualmente pedidos de recuperação judicial são proibidos por lei para concessionárias de distribuição de energia, numa norma que foi aprovada após um pedido feito no início da década passada. Mas há muita especulação em torno de uma possível mudança dessa regra a ser promovida pelo governo.
Lopes salientou que diferente de outras estruturações de empresas de energia elétrica vistas no passado, a Light “funciona bem”. “Ela não tem remunerado adequadamente o capital, tem acumulado prejuízos e ficado no negativo, por isso tem endividamento não condizente com renovação da concessão, mas ao contrário de todas as estruturações do setor elétrico, funciona bem, está adimplente com obrigações regulatórias, presta ótimo serviço, um dos melhores do Brasil, está 100% adimplente com fornecedores, inclusive prestadores de serviço, fornecedores de energia, 100% adimplente com impostos e obrigações intrasetoriais”, destacou.
Ele também comparou a Light a empresas de outros setores que pedem recuperação judicial. “Essas empresas que pedem RJ têm problemas de curto prazo operacionais, tem fornecedor atrasado, atrasam impostos, a gente não tem nada disso”, disse.
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