Publicidade

‘As pressões inflacionárias se espalharam mais em abril’, diz economista da FGV

André Braz, coordenador de índice de preços da FGV, afirma em entrevista que a alta de preços disseminada dificulta ainda mais o trabalho do Banco Central de levar o IPCA para a a meta

Foto do author Márcia De Chiara

O resultado mais importante da inflação de abril, de 1,06%, não é ter atingido a marca recorde para o mês em 26 anos, segundo o coordenador de índices de preços da Fundação Getúlio Vargas, André Braz. Na sua opinião, o foco da atenção deve ser para o espalhamento das pressões inflacionárias.

PUBLICIDADE

No mês passado 78,2% dos itens do Índice de Preços ao Consumidor (IPCA), apurado pelo IBGE, tiveram alta de preços. Em março, a disseminação da inflação já era alta, mas o resultado havia sido menor (76%).

Apesar de a inflação ter desacelerado meio ponto porcentual de março para abril, as pressões inflacionárias se espalharam mais. “O resultado (de abril) é muito pior”, afirma o economista. Ele ressalta que esse é o grande desafio do Banco Central: controlar a persistência inflacionária. Isso pode fazer com que a autoridade monetária mantenha os juros elevados por mais tempo. A seguir, os principais trechos da entrevista.

André Braz, coordenador de índices de preços da Fundação Getulio Vargas (FGV);economista chama atenção para o espalhamento das pressões inflacionárias em abril Foto: FGV/Divulgação

Como o sr. avalia o resultado do IPCA de abril de 1,06%, o maior para o mês desde 1996?

O fato de ser o maior desde 1996 não é muita coisa porque aconteceram em abril eventos que normalmente não pertencem a abril. O aumento dos combustíveis é aleatório e pode acontecer em qualquer mês do ano. E os combustíveis foram decisivos na inflação do mês passado.

Qual foi a informação mais importante do resultado de abril?

A coisa mais importante do resultado de abril foi o índice de difusão ter atingido 78,2%. Significa que 78,2% dos produtos e serviços registraram aumento de preço, superando a difusão de março (76%). E a inflação de março (1,62%) foi maior do que a inflação de abril. A inflação desacelerou de março para abril, mas as pressões inflacionárias se espalharam mais. Houve mais produtos e serviços ficando mais caros. O resultado (de abril) é muito pior. Esse é o grande desafio da autoridade monetária: controlar essa persistência inflacionária que se materializa espalhando a inflação por vários produtos e serviços.

Publicidade

Isso indica que será necessário subir mais juros?

Exato. O Banco Central (BC) está preocupado exatamente com isso, com o espalhamento das pressões inflacionárias e como isso acaba mudando a opinião dos agentes econômicos, (afetando) as expectativas para 2023 e 2024. É exatamente isso que o BC não quer. Ele quer levar a inflação para a meta no menor prazo possível.

O que o sr. acha que o BC vai fazer?

Acho que ele não só vai aumentar juros como vai alongar o prazo de manutenção do juro alto por mais meses, porque a persistência inflacionária é grande. Ele não terá pressa por conta desse cenário de grande incerteza e sob o risco de desancorar as expectativas. Temos novos casos de covid na Ásia, guerra entre Rússia e Ucrânia, que pode envolver outros países, aumento de juros nos Estados Unidos e ano eleitoral aqui.

Quanto o BC vai subir juros na próxima reunião do Copom e por quanto tempo deve permanecer alto?

Acho que vai subir meio ponto, um número que é consenso no mercado. Agora quanto tempo vai permanecer com juro alto é a grande questão. Ele poderá avançar com a taxa de juros alta pelo menos até o primeiro trimestre do ano que vem. Isso vai depender de fatores que não temos como antecipar.

A desaceleração de meio ponto do IPCA de abril em relação a março é efeito da alta de juros?

Publicidade

Não, de forma alguma. Essa desaceleração veio pela energia elétrica, que caiu 12% com a entrada em vigor da bandeira verde, que entrou em vigor em 16 de abril. Metade do mês passado captou uma parte dessa queda da tarifa, que foi decisiva para a desaceleração do IPCA de abril. Esse é um efeito de algo transitório que não tem a ver com juros. Os juros batem nos preços dos bens duráveis, que estão subindo. Automóveis, eletrodomésticos, vestuário, passagens aéreas, serviços de táxi por aplicativo e lanche subiram no mês passado. Ainda não houve um efeito claro dos juros sobre os bens duráveis ou mesmo sobre a prestação de serviços.

Por quê?

Porque talvez ainda não tenha havido tempo para o juro fazer efeito e também tem a questão dos custos. Todo o setor industrial e de prestação de serviços é intensivo no uso de energia elétrica e combustíveis. E esses vinham sendo os vilões da inflação até o momento. O espalhamento da inflação que a energia elétrica e os combustíveis mais caros promovem é grande, porque aumentam os custos de produção das mercadorias e da prestação de serviços. Isso acaba aumentando a inflação.

O mercado já fala em inflação neste ano perto de 10%. Onde vamos parar?

A minha projeção de inflação para o ano neste momento é de 8,3%. Mas estamos em maio e muito longe do final do ano. Nesse caminho tem ainda eleições, uma guerra em curso, aumento de juros em outros países. Tem uma onda de coisas que pode fazer essa inflação chegar a 10%. Podemos ter um repeteco de 2021, com energia e diesel no radar, porque existe uma defasagem entre o preço doméstico desses itens e o preço internacional. Outras defasagens podem surgir também por conta das novas desvalorizações do real. Dada a distância que temos até o final do ano, um cenário de (inflação a) 8,3% e um cenário de 10% cabem perfeitamente nesse prazo. O que vai determinar o avanço da inflação é como essa guerra será conduzida, quais as propostas dos candidatos à presidência da República para a política fiscal, quem será eleito presidente. Há coisas que a gente não tem como definir, elas têm de ir acontecendo.