Produção industrial cai 0,5% no quarto trimestre e fecha 2022 com queda de 0,7%

Dados do IBGE mostram movimento de perda de intensidade na atividade da indústria ao longo de 2022; economistas esperam nova queda na produção em 2023

PUBLICIDADE

Publicidade
Foto do author Marianna Gualter
Atualização:

RIO E SÃO PAULO - A produção industrial ficou estável, com variação nula, em dezembro, fechando o ano passado com uma queda de 0,7% em relação a 2021, conforme dados divulgados nesta sexta-feira, 3, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O cenário traçado por economistas é de uma indústria estagnada, após retomar a produção a padrões mais ou menos normais, com a pandemia de covid-19 para trás. Daqui por diante, o esfriamento da demanda deverá ditar o ritmo e poderá levar a indústria a nova queda este ano.

Em 2022, o desempenho negativo da indústria foi marcado por uma perda de intensidade ao longo do ano e pelo perfil disseminado entre as diferentes atividades industriais, segundo o gerente da Coordenação de Indústria do IBGE, André Macedo.

PUBLICIDADE

Tanto que a produção industrial registrou queda de 0,5% no quarto trimestre do ano passado, na comparação com o trimestre imediatamente anterior. No terceiro trimestre do ano passado, a produção havia caído 0,3% ante o trimestre imediatamente anterior. No segundo trimestre, houve crescimento de 0,8% e, nos três primeiros meses de 2022, alta de 0,5% na produção, sempre na comparação com trimestres imediatamente anterior.

De acordo com Macedo, os resultados positivos do início do ano passado, quando a produção industrial cresceu entre fevereiro e maio, foram marcados por uma demanda mais aquecida, impulsionada pelas “medidas de incremento da renda implementadas pelo governo”.

A utilização da capacidade instalada da indústria caiu para 77,9% em agosto, o menor nível de toda a série histórica da CNI. Leia maisaqui Foto: Marcos de Paula/Estadão

O pesquisador do IBGE citou como exemplos as antecipações do pagamento do 13º-salário de beneficiários do INSS, saques do FGTS, a elevação dos valores do Auxílio Brasil, como era chamado o programa federal de transferência de renda para os mais pobres, e auxílios pontuais para caminhoneiros e taxistas, afetados pelo encarecimento dos combustíveis. “Muitas delas tinham caráter pontual”, afirmou Macedo.

Segundo o pesquisador do IBGE, o esfriamento da demanda comandou a perda de intensidade na atividade da indústria a partir de meados do ano passado. Uma “série de fatores” freou a demanda, disse Macedo. Entre eles estão os juros em elevação, o que torna o acesso ao crédito “mais caro e mais difícil”, a inflação mais elevada, especialmente de alimentos, “o que reduz a renda disponível”, e a inadimplência e o endividamento em crescimento.

Mesmo a melhora no mercado de trabalho, lembrou Macedo, foi marcada pela geração de empregos “marcados pela precarização”. Ou seja, a melhora no mercado de trabalho não foi acompanhada de crescimento mais pujante na massa de salários, o que também impede um fôlego maior para a demanda.

Publicidade

“Além disso, tivemos um ambiente de incerteza, que afeta decisões de investimentos e consumo”, afirmou Macedo.

Normalização

Ainda no rol de fatores que levaram a produção industrial a perder fôlego ao longo do ano passado, Marina Garrido, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) acrescentou o processo de “normalização” da demanda, afetada pela pandemia.

Com as medidas de isolamento social adotadas desde 2020 para conter a covid-19, os hábitos de consumo das famílias foram diretamente atingidos – em casa, as pessoas passaram a consumir mais bens, enquanto estavam impedidas de consumir normalmente os serviços, como viajar de férias ou frequentar bares e restaurantes. À medida que a pandemia foi sendo contida, as famílias foram retomando o padrão anterior, voltando a gastar com serviços e moderando o consumo de bens. O processo começou em 2021, mas só terminou de vez no ano passado.

“O destaque negativo deste ano com certeza foram os bens de consumo duráveis. Com a reabertura, as pessoas pararam de consumir geladeiras ou ar condicionados e começaram a ir para restaurantes, barbeiros, entre outros serviços”, disse Garrido.

Disseminação

PUBLICIDADE

Já o perfil disseminado do desempenho negativo, destacado por Macedo, do IBGE, pode ser constatado no índice de difusão, que mede a proporção de segmentos industriais com crescimento na produção. No dado fechado de 2022, o índice de difusão ficou em 36,5%, parcela dos 805 produtos investigados na PIM-PF que registraram aumento na produção. Segundo Macedo, isso significa que 62,4% dos produtos investigados registraram queda na produção. É a maior proporção de desempenhos negativos desde 2016, quando 72% dos 805 produtos registraram queda na produção no acumulado do ano, ante o ano anterior.

Outro sinal da disseminação do desempenho negativo da indústria nos últimos meses é o índice de difusão na variação mensal, que compara o nível de produção de um mês com igual período do ano anterior. Em dezembro de 2022, 41% dos produtos investigados na PIM-PF registraram crescimento, ante 39,8% em novembro de 2022. Segundo Macedo, com o dado de dezembro do ano passado, são 16 meses seguidos com o índice mensal de difusão abaixo de 50%, ou seja, desde agosto de 2021 que mais da metade dos produtos investigados registram queda na produção.

“Embora a queda (na produção de 2022) não tenha sido tão intensa quanto em outros períodos, ainda assim, chama a atenção o perfil disseminado de perdas”, afirmou Macedo.

Publicidade

Projeções

Com a indústria “andando de lado” no processo de retomada ao longo da pandemia de covid-19, a economista Claudia Moreno, do C6 Bank, projeta nova queda, de 4,0%, na produção industrial deste ano. A queda deverá ser resultado da desaceleração doméstica, sob efeitos defasados do aumento dos juros, e do baixo crescimento global esperado para o ano.

“Apesar da reabertura da economia chinesa ajudar o Brasil, nossa expectativa é que o mundo tenha crescimento abaixo da média neste ano”, disse Moreno. “O ciclo da indústria é muito correlacionado globalmente, por isso a estimativa de novo recuo neste ano”, acrescentou a economista.

Eventuais estímulos do governo federal para a indústria, se efetivados, tendem a ter um efeito de curto prazo e em setores específicos, alertou Moreno. “A médio e longo prazo, os estímulos não devem se sustentar”, disse a economista do C6 Bank.

Menos pessimistas do que Moreno, os economistas Rafaela Vitória, do banco Inter, e Matheus Pizzani, da corretora CM Capital, projetam novo recuo na produção industrial deste ano, mas em ritmo mais moderado, de 0,5%. Pra Vitória, os setores ligados à exportação, como a indústria extrativa de petróleo e minério de ferro, poderão ter um desempenho melhor em 2023.

“Não trabalhamos com um cenário em que as indústrias de transformação e extrativa vão crescer em magnitude suficiente para refletir um bom desempenho na indústria. A indústria extrativa pode até ter alguma recuperação em função do processo de reabertura na China, mas ainda é cedo para acreditar que vamos retomar o patamar dos últimos anos”, disse Pizzani, da CM Capital.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.