RIO - A indústria brasileira iniciou o terceiro trimestre com expansão, beneficiada pelas medidas de estímulo do governo à demanda doméstica. A produção cresceu 0,6% em julho ante junho, segundo os dados da Pesquisa Industrial Mensal – Produção Física divulgados nesta sexta-feira, 2, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
“A influência do pacote de bondades tem ajudado muito aqui e explica de alguma forma essa melhora do ritmo de produção”, disse a economista-chefe da REAG Investimentos, Simone Pasianotto.
A indústria tem mostrado predominância de resultados positivos em 2022, mas o desempenho ainda foi insuficiente para recuperar perdas recentes, ponderou André Macedo, gerente da pesquisa do IBGE. A produção industrial operava em julho em patamar 0,8% aquém do registrado em fevereiro de 2020, no pré-pandemia.
De janeiro a julho, na série histórica que desconta as influências sazonais, a produção teve expansão em cinco meses: janeiro (-1,9%), fevereiro (0,7%), março (0,6%), abril (0,2%), maio (0,4%), junho (-0,3%) e julho (0,6%).
“Em somente dois meses o setor industrial mostra perda. Então, claramente, tem uma mudança de ritmo nessa produção industrial, mas sempre fazendo aquela ressalva de que ainda é insuficiente para reverter perdas mais recentes”, ponderou Macedo. “A melhora está muito atrelada a estímulos governamentais que foram implementados”, corroborou.
O pesquisador atribui o desempenho melhor da indústria nos últimos meses às medidas do governo de liberação de recursos extraordinários para as famílias, como os saques do FGTS e a antecipação do 13º salário para aposentados e pensionistas, além de ações de estímulo ao crédito. Por outro lado, o setor permanece negativamente afetado pela restrição na oferta de insumos e componentes.
“Ainda há existência de restrições de oferta de componentes e insumos para a produção de bens. Isso melhorou em relação a meses anteriores, mas ainda afeta”, afirmou Macedo.
Sob a ótica da demanda, o gerente do IBGE menciona como entraves ao crescimento industrial a inflação pressionada, os juros elevados e o desemprego ainda expressivo.
“Os preços mais elevados, especialmente de alimentos, diminuem a renda disponível das famílias. Os juros em elevação aumentam o custo do crédito. A gente ainda tem um mercado de trabalho, que embora venha mostrando reduções na taxa de desocupação mês a mês, ainda tem um contingente elevado de trabalhadores fora desse mercado de trabalho. A massa de salários ainda está longe de mostrar uma recuperação mais consistente”, disse Macedo.
Desafios
Apesar da injeção de mais recursos pelo governo na economia a partir de agosto, por meio do aumento no valor do Auxílio Brasil para R$ 600 e transferência de renda a caminhoneiros e taxistas, o setor industrial deve enfrentar desafios à frente, prevê Claudia Moreno, economista do C6 Bank.
“Daqui para a frente, acreditamos que a indústria deve andar de lado, podendo até registar resultados negativos. Esse desempenho mais fraco é reflexo de três fatores: elevação da taxa de juros, que começa a ser mais fortemente sentida no segundo semestre, desaceleração da economia global e queda de preços de commodities”, comentou Moreno, em nota. “Por ora, esse resultado de julho da indústria não muda nossa previsão de crescimento do PIB de 2022 de 2%.”
O avanço na produção industrial em julho ante junho foi resultado de uma expansão em somente dez dos 26 ramos pesquisados. As principais influências positivas partiram de produtos alimentícios (4,3%), derivados do petróleo e biocombustíveis (2,0%) e indústrias extrativas (2,1%). Houve crescimento relevante também em produtos farmoquímicos e farmacêuticos (10,0%), metalurgia (2,0%), celulose, papel e produtos de papel (2,1%) e outros equipamentos de transporte (5,0%). Na direção oposta, entre as 16 atividades com retração, os principais impactos negativos foram de máquinas e equipamentos (-10,4%), outros produtos químicos (-9,0%) e veículos automotores (-5,7%).
“O crescimento está muito concentrado”, apontou Macedo.
Em julho, apenas oito das 26 atividades investigadas operavam em patamar superior ao pré-crise sanitária. Os níveis mais elevados em relação a fevereiro de 2020 foram os registrados pelas atividades de celulose e papel (7,9%), derivados do petróleo e biocombustíveis (6,8%), máquinas e equipamentos (6,6%), minerais não metálicos (3,2%) e metalurgia (2,2%).
No extremo oposto, os segmentos mais distantes do patamar de pré-pandemia são móveis (-29,1%), manutenção e reparação de máquinas e equipamentos (-21,8%), artigos de vestuário e acessórios (-16,9%), veículos (-14,0%) e têxteis (-11,2%).
“Embora haja melhora, esse setor industrial está longe de garantir trajetória sustentável de crescimento”, resumiu Macedo.
Entre as categorias de uso, a produção de bens de capital está 8,6% acima do nível de fevereiro de 2020, e a fabricação de bens intermediários está 2,9% acima do pré-covid. Os bens duráveis estão 22,7% abaixo do pré-pandemia, e os bens semiduráveis e não duráveis estão 4,9% aquém do patamar de fevereiro de 2020. (Colaborou Cícero Cotrim)
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