Apesar das dificuldades dos empreendedores negros brasileiros, o País está à frente de outras nações da região pelo fato de ter criado seu próprio mercado em torno dessa comunidade, segundo a pesquisa “Empreendedorismo Negro na América Latina” patrocinada pelo Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF). O que leva à consequência de que, entre os negócios criados por empreendedores negros, os mais bem sucedidos são os que atendem às demandas desse público.
“De certa maneira, é um movimento parecido com o vivido pelos negros nos EUA há décadas, quando se criou uma indústria para atender aos consumidores que tinham sua própria identidade e cultura, ao mesmo tempo em que enfrentavam barreiras e não eram atendidos com produtos e serviços de qualidade”, diz Eddi Bermúdez Marcelín, executivo sênior do CAF.
Foi o caminho trilhado por Maurício Delfino, de 48 anos de idade. Com um salário acima dos padrões de sua família desde muito cedo, por ter começado como jovem aprendiz na Siemens, ele resolveu empreender quando tinha uma boa poupança e fez um plano de negócios detalhado para montar a Da Minha Cor, que tem várias frentes de atuação. “Todas as vezes que eu viajava para o exterior, minhas tias, minhas primas, minha mãe e minha avó pediam que eu trouxesse produtos que não existiam no Brasil para cabelos e peles negras”, diz ele. “Comecei a fazer contas, vi que poderia dar certo e decidi montar uma empresa para atender à comunidade.”
O primeiro produto escolhido foram toucas de natação para cabelos afro. Delfino diz que passou pelo menos seis meses pesquisando e mostrando sua ideia e a resposta era unânime: não ia dar certo. “O pessoal dizia: ‘onde já se viu, negro em campeonato de natação?’”, diz ele. “E é verdade: natação é um esporte muito elitista e branco.”
Só que, antes mesmo de ele abrir a empresa, uma atleta mirim que precisaria desmanchar tranças afro ouviu falar da touca, usou-a num campeonato e ganhou uma medalha de ouro e uma de prata. A história viralizou e a Da Minha Cor conseguiu entrar na Centauro, na Decathlon e no Carrefour.
Delfino lançou também cosméticos - área em que há mais concorrência - e outro sucesso, nascido na pandemia: toucas descartáveis para profissionais de saúde e cozinha que têm bastante cabelo. “Eu olhava as profissionais de saúde trabalhando com a touquinha só no coque e pensei que não era possível não existir uma touca que protegesse o cabelo inteiro”, diz ele. “Os produtos que eu lanço são sempre voltados a melhorar a vida da comunidade negra.”
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Com todas as operações terceirizadas, Delfino também teve sua cota de barreiras. “Em 2020, fiz uma exportação de 250 máquinas de beneficiamento de alimentos para o governo de um país africano, que exigia que a transação fosse feita por um empresário negro”, diz Delfino. “Era uma fatura de US$ 600 mil e, com toda documentação certa, invoice e swift (autorização bancária de transferência internacional) na minha mão, o banco barrou a operação e devolveu o dinheiro para a origem.”
Era uma das grandes instituições tradicionais, que seguiu as regras para evitar lavagem de dinheiro. A solução foi buscar um banco menor, que foi capaz de analisar a documentação no detalhe e liberar o pagamento.
“Um fato que atravessa todos os países pesquisados é a dimensão do racismo”, diz Adriana Barbosa, diretora executiva do Instituto Feira Preta, que coordenou o levantamento. “O racismo institucional faz com que esses empreendedores, apesar de muitas vezes terem nível de escolaridade alto, tenham mais dificuldade no acesso a crédito, infraestrutura e tecnologia, o que impede seu crescimento.”
A pesquisa mostrou que, em média, metade dos empreendedores já sofreu algum tipo de racismo. Peru (com 60% dessa percepção) e Colômbia (com 54%) se destacam nesse quesito. A discriminação racial acontece, sobretudo, por parte de clientes e também é percebida em processos burocráticos. “O reflexo disso é sempre uma tentativa de desvalorização do produto, de barganha pelo preço”, afirma ela.
Uma saída é percebida no tipo de empreendimento aberto pelos negros. Depois de restaurantes, a atividade mais comum a esses empreendedores (mais de 12%, em média, na América Latina), comércio varejista e serviços de tecnologia são as mais buscadas. “São atividades, como colocar lojas em marketplaces, que se faz em home office”, diz Adriana.
O crescimento dos afroempreendimentos no Brasil também coincidiu com a ascensão das fintechs. Para ela, não por acaso. “Fintech não tem porta giratória e nem segurança que impedem acesso”, afirma. “São processos digitais que não veem a cor da pele.”
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