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‘Programa de apoio à indústria é fraco, com política tímida de estímulo’, diz Mário Bernardini

Em um contexto de juro pesado, alto custo de capital e crédito ineficiente, empresário considera R$ 75 bi anuais insuficientes para reindustrializar o País como quer o governo

Foto do author Ivo Ribeiro
Foto: Everton Amaro/Fiesp
Entrevista comMário BernardiniEmpresário

O empresário Mário Bernardini, engenheiro formado pela Escola Politécnica que atuou por mais de 50 anos na atividade industrial, critica o programa do governo federal voltado à reindustrialização do País, o Nova Indústria Brasil (NIB). “É fraco, com uma política muito tímida de estímulo. Conta com apenas R$ 75 bilhões por ano para toda a indústria. Não sei se vai resolver, porque o ambiente econômico brasileiro atual não permite”, afirma, referindo-se às pesadas taxas de juros, ao elevado custo de capital e à falta de uma estrutura eficiente de crédito à indústria de transformação. “No Brasil, somente 20% do dinheiro do sistema financeiro é emprestado à indústria. Nos EUA, corresponde a cinco vezes o daqui e na China atinge 150% do PIB do país”, afirma.

Bernardini diz que a indústria de transformação brasileira vai mal. “Já representou 35% do PIB (Produto Interno Bruto) nacional e atualmente varia entre 9% e 12%. Não se trata de falta de uma política industrial, como a que ocorreu mais de 40 anos atrás. Ela carece de um ambiente favorável, que abrange câmbio estável, juros e inflação baixos e crédito em condições e custos competitivos”, diz o empresário, que integra o Conselho Superior de Economia da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e assessora a presidência da Abimaq (entidade da indústria de máquinas e equipamentos) e a Abrava (associação dos fabricantes de equipamentos de refrigeração e ar-condicionado).

“Como outros países criam demanda para sua indústria básica?”, pergunta. E, de pronto, responde: “Com investimentos em infraestrutura, que requerem desde máquinas a materiais de construção para obras de portos, hidrelétricas e outras”. Nos anos de 1970, 1980, diz, o Brasil investia de 6% a 8% do PIB em infraestrutura, com demanda gerada diretamente para a indústria nacional. Com a crise do petróleo e a quebra do País, “isso mudou: caímos de 8% para 2%”, e acrescenta: “É nesse momento que a indústria de transformação brasileira entra num processo de encolhimento e destruição”.

Mário Bernardini será um dos participantes do evento “A indústria no Brasil hoje e amanhã - a importância do ambiente econômico para o futuro do setor industrial”, uma realização do Estadão, com apoio institucional da Fiesp, do Ciesp, da Firjan e da CNI. O evento ocorre na próxima terça-feira, 23, no salão nobre da Fiesp. As inscrições podem ser feitas aqui. As vagas são limitadas.

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Na sua visão, com décadas de vivência no meio industrial, qual a situação da indústria brasileira nos dias atuais?

Temos três categorias de indústria, com diferentes situações: a extrativa, a da construção civil e a de transformação. A extrativa saltou de 2% para 5% do PIB (Produto Interno Bruto) do País e tem como destaques Vale, Petrobras e outras empresas. A da construção civil gira em torno de 5% a 6%. Já a indústria de transformação vai mal. Chegou a representar 35% do PIB e hoje varia entre 9% e 12%. É uma diferença brutal entre esses três setores. Isso se deve a várias razões que vimos nos últimos 40 anos, fruto de muitas razões de políticas de governo. Não se trata de uma falta de política industrial, que é voltada para mudar a estrutura produtiva de um país. Nos anos de 1950, 1960, o Brasil precisava de uma política para passar de uma economia agrária para uma de base industrial. Hoje, isso é focado naquilo que chamamos de setores do futuro, para não ficarmos fora do jogo global.

Do que a indústria, principalmente a de transformação, precisa para não perder ainda mais peso na economia do País?

A indústria precisa de juro baixo, pois a média do resultado (lucro líquido) das empresas é de 8% a 10%. Isso, considerando as melhores companhias, as de capital aberto, sem incluir o setor financeiro. Mas o que vemos? Um juro que custa mais do que isso, o que é um contrassenso. Uma das razões de um ambiente econômico favorável é manter o juro abaixo do retorno médio de capital empregado pelas empresas. Em um país que paga mais para quem faz aplicação financeira em detrimento do investimento na produção, a indústria não avança, não vai para frente. Quando se decide montar uma fábrica local de chips, o governo aporta US$ 20 bilhões e suporta até ganhar escala — isso é uma política de desenvolvimento econômico. Aqui, temos o exemplo da Embraer, que o governo suportou e ela levou de 10 a 15 anos para aprender a fazer aviões. Criou mercado para a mão de obra especializada em aeronáutica. É assim que se faz e é assim no mundo todo.

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Na sua opinião, então, são necessários alguns fatores cruciais?

Sim. Um é um ambiente macroeconômico favorável, juro baixo e câmbio estável e competitivo (com uma taxa de juro de equilíbrio). Isso aconteceu poucas vezes no Brasil nas últimas três décadas, entre 2004 e 2006. Estava ajustado, mas depois o presidente Lula (Luiz Inácio da Silva, de 2003 a 2010) deixou ocorrer apreciação em favor de uma balança comercial superavitária, o que se verificou em 2008, 2009. Sem essas três condições, mesmo que se adote uma política industrial, não vai dar certo. Isso vimos em alguns governos, passando pelo de Lula e da Dilma (Rousseff, de 2011 a 2016), que fizeram políticas que não deram certo. A culpa não é da política industrial, mas sim do ambiente econômico hostil que é criado ao investimento produtivo.

Temos muitas multinacionais aqui que produzem no estado da arte, mas não conseguem exportar porque o País não é competitivo - mesmo com a mesma tecnologia trazida da matriz, o mesmo produto e o mesmo processo.

De forma geral, na sua avaliação, o Brasil é que deixou de ser um país competitivo?

É isso. Temos muitas multinacionais aqui que produzem no estado da arte, mas não conseguem exportar porque o País não é competitivo — mesmo com a mesma tecnologia trazida da matriz, o mesmo produto e o mesmo processo. A depender de cada setor e da cadeia produtiva, aqui o custo é 25% a 35% superior ao da Alemanha. É o chamado custo Brasil. Dessa forma, uma alíquota de importação média de 11% não protege a indústria. É alta em relação aos países emergentes, de 8%, mas não protege. Câmbio e alíquota são duas faces da mesma moeda: se me derem câmbio a R$ 6, por exemplo, a proteção poderia ser reduzida de 10% para 5%.

No cenário de hoje, o que o sr. aponta como prioritário para que a indústria se mantenha competitiva?

A indústria, para crescer, precisa de um ambiente favorável. Se eu der câmbio ajustado, juro baixo e inflação baixa, ela pode crescer ou não crescer. É o que chamo de condições necessárias. Mas ainda não é suficiente. Para isso, precisa de crédito, e principalmente de demanda. Como os outros países criam demanda para sua indústria básica? Com investimentos em infraestrutura, que requerem desde máquinas a materiais de construção. Obras de portos, hidrelétricas... Nos anos 1970, 1980, o Brasil investia 6% a 8% do PIB em infraestrutura, com demanda gerada direto para a indústria nacional. A partir dos anos 1980, o País quebra e tem a crise do petróleo e o neoliberalismo vira moda. Aí caímos de 8% para 2%. É a partir desse momento que a indústria de transformação brasileira começa a encolher. Ao mesmo tempo, vimos uma queda de demanda e o surgimento de um ambiente hostil, visto a partir do Plano Real — que foi um feito e tanto —, mas que adotou a âncora cambial para estabilizar a moeda. Vimos juros de até 45% ao ano. A indústria foi submetida a um choque violento.

Quais foram as consequências disso?

Dois problemas. Acabaram com a indústria de transformação do País, reduzida à metade, e a dívida pública virou uma bola de neve. Para atrair capital, teve de pagar juros elevados, para recompor as reservas. Do nosso estoque da dívida, R$ 7 trilhões a R$ 8 trilhões, cerca de 80% são juros capitalizados, não gastos do governo. E continua a brincadeira. Com o que pagamos de juros reais ao ano, descontada a inflação, não se resolve o superávit primário que está aí pedido. Teria de ser entre R$ 300 bilhões e R$ 400 bilhões. Praticamente impossível.

O Brasil dispõe de mecanismos de financiamento para o setor industrial?

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O governo acabou de lançar o programa Nova Indústria Brasil (NIB), voltado para a reindustrialização. Não sei se vai resolver, porque o ambiente existente não deixa. E é uma política muito tímida: tem somente R$ 75 bilhões por ano para toda a indústria. É com dinheiro do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), que empresta com juro baseado na TLP (Taxa de Longo Prazo), de 12%. Com o spread bancário, num banco privado, o custo para uma empresa que for buscar dinheiro para comprar uma máquina sobe para 16% a 18%, enquanto a indústria tem ganho líquido de 8%. Não é possível pagar. Resumindo: o dinheiro do programa é pouco e é caro. Bem diferente do agronegócio, que é competitivo e que tem um Plano Safra de R$ 450 bilhões, mas não paga quase nada de impostos — só 5%. A indústria arrecada 40% (de tributos) e tem um plano de R$ 75 bilhões, com custo de até 18%. Há uma absoluta falta de isonomia por parte do governo entre todos os setores econômicos.

Qual sua avaliação sobre o sistema de crédito existente no País para a indústria?

O que nos é destinado pelo sistema financeiro representa apenas 20% do PIB nacional, enquanto para pessoas físicas chega a 30%. No Japão e Estados Unidos atinge o equivalente a cinco vezes o do Brasil para o setor. Na China, 150% do PIB do país. Não temos um sistema de crédito eficiente. Se houvesse, criaria um ambiente favorável ao setor. Se o governo investisse 2% a 3% em infraestrutura, o setor privado acompanharia na mesma proporção. Então teríamos 5% do PIB, e isso geraria demanda para a indústria e alavancaria o crescimento do País.

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