Parecia que tudo estava encaminhado na vida da engenheira química paulistana Mariana Kobayashi, 29, quando terminou um mestrado com bolsa integral na França e tinha acabado de ser contratada pela empresa dos seus sonhos no país europeu. No entanto, por mais promissora que a sua carreira pudesse parecer naquele momento, um sentimento a fez deixar tudo para trás e retornar ao Brasil: “Sentia que não estava contribuindo com a sociedade”, relembra.
De volta ao país onde nasceu, Kobayashi comprou uma Kombi, que transformou em casa, e fundou a Tech do Bem. Com a startup, passou a viajar de norte a sul reunindo profissionais e estudantes em hackathons: maratonas de programação com o objetivo de desenvolver soluções tecnológicas para ONGs e projetos sociais.
Trajetória na França
Mariana Kobayashi ingressou no curso de engenharia química na cidade de São Paulo em 2012, com um sonho: sair do País. Quando completou 20 anos, em 2014, conseguiu uma bolsa de estudos para fazer o duplo diploma (completar o curso iniciado na universidade nacional em outra internacional e receber a equivalência dos dois certificados de conclusão) na pequena cidade francesa de Pau.
Para continuar na França, conseguiu, em 2016, uma bolsa de mestrado no Instituto Francês do Petróleo (IFP Energies nouvelles), patrocinada pela multinacional do setor petroquímico e energético Total Energies. Em troca, ajudava no setor de programação da empresa na Normandia. “Foi aí que entrei na área da tecnologia”, declara.
Na reta final do mestrado, ela recebeu uma proposta para trabalhar na Total em Paris. Mais uma meta, um sonho realizado. “Mas pouco depois me dei conta de que não era isso, ainda não estava completa. Não tinha propósito, mesmo com cargos legais e onde eu inicialmente queria estar, eu sentia que não estava ajudando a sociedade e o meu país de fato”, diz.
De volta ao Brasil
Em 2022, Kobayashi conseguiu um cargo no escritório da Total Energies no Rio de Janeiro e voltou ao Brasil para devolver o conhecimento que adquiriu na França. Aqui, se aproximou de ONGs e projetos sociais. “Eu via como o meu trabalho beneficiava a empresa, então imagina o que eu poderia fazer para quem precisa?”, pensava.
Começou atuando junto a ONGs do Rio e de São Paulo, mas ainda sentia falta de ter contato com organizações menores, com menos estrutura, em locais mais afastados. Juntou R$ 28 mil e comprou Margarida: uma Kombi de 1997, em Curitiba.
A Kombi virou um motorhome (veículo equipado com espaço de convivência e facilidades encontradas em uma casa, como cozinha, banheiro, cama e escritório). “Queria ir até as ONGs. Eu tinha medo de dirigir sozinha na estrada, mas sabia que, se eu esperasse, não ia conseguir me organizar”, diz.
No primeiro ano de volta ao Brasil, usou o veículo para fazer o reconhecimento de áreas de interesse para o seu projeto. Em uma das viagens, conheceu o jornalista Raphael Santos Marques, 33 anos, que viria a se tornar o seu sócio na Tech do Bem.
“Ele trabalhava com marketing, já tinha atuado com projetos sociais e topou ir comigo. Talvez ele seja mais doido do que eu. Embarcamos nessa loucura”, conta Kobayashi.
Hackathon do Bem
Em 2023, o plano foi para a frente. Mariana e Rafael propuseram uma parceria ao casal Iara e Eduardo Xavier, fundadores do Caçadores de Bons Exemplos: enquanto eles conectam e dão visibilidade a mais de 6.680 projetos sociais, a Tech do Bem entregaria soluções tecnológicas para potencializar a atividade fornecida por algumas dessas organizações.
Primeiro, Mariana e Rafael fazem uma entrevista à distância com a ONG para entender se alguma solução tecnológica pode ajudá-la. Em caso positivo, a Tech do Bem vai até o local e identifica o que pode ser desenvolvido para tornar a operação mais ampla ou eficaz.
“Pode ser um site, um prontuário eletrônico para as pessoas atendidas… depende do que a ONG precisa. Uma das formas de viabilizar a solução é o hackathon, uma maratona de programação”, expõe Mariana.
Nos ‘Hackathons do Bem’, a Tech do Bem promove o encontro de profissionais, universidades, alunos de diversas áreas e comunidades periféricas, “todos com o objetivo de levar conhecimento em prol do projeto ou da causa dentro do hackathon, a fim de criar uma solução”, explica.
Cada evento dura dois dias e reúne uma média de 40 participantes. O convite é feito pelas redes sociais ou diretamente dentro de universidades parceiras e projetos sociais.
Com a Oficina Escola de Lutheria da Amazônia (Oela), que acolhe pessoas da comunidade com atividades musicais, esportivas e profissionalizantes em Manaus, por exemplo, a Tech do Bem criou um aplicativo para que a ONG e as pessoas assistidas por ela pudessem aproveitar melhor a internet local.
“Eu não tenho a pretensão de mudar a realidade dessas pessoas diretamente. Mas nós potencializamos a atividade que a ONG fornece ou a ajudamos a tornar mais eficaz a sua própria operação, pois as pessoas estão conectadas às organizações que as conhecem e sabem como ajudá-las”, diz Mariana.
Os primeiros hackathons foram promovidos em Brasília, com as ONGs Despertar Sabedoria Ceilândia e Vida Ceilândia. Ao longo de 2023, outras soluções também foram desenvolvidas para a Gotas de Flor com Amor, em São Paulo, para a Prototipando a Quebrada, em Florianópolis, e para a Escola Maria Teixeira Luziânia, em Goiás.
Faturamento é reinvestido na startup
Os hackathons são patrocinados por empresas privadas em troca de visibilidade para as marcas. Os participantes do hackaton recebem alimentação durante a maratona, e os ganhadores também levam prêmios, que podem ser cursos ou dinheiro para comprar material de estudo e trabalho.
Em 2023, o projeto faturou R$ 70 mil. No entanto, todo o dinheiro arrecadado foi reinvestido na startup, que ainda não lucra, mas dá sentido ao trabalho de Kobayashi. Ela ainda atua em meio período na Total, como Digital Innovation Officer, além de ministrar aulas pontuais em universidades.
Tech do Bem planeja chegar na Nasa
Para 2024, os sócios da Tech do Bem querem também promover hackathons online. “No ano passado, ficamos frustrados de não conseguir ajudar mais pessoas e receber mais estudantes interessados”, explica Kobayashi .
O primeiro acontecerá em julho, no período das férias escolares para acolher mais pessoas. A expectativa é reunir cerca de 500 estudantes do Brasil no evento, que ainda não tem uma data definida.
O objetivo será preparar os participantes para o ‘Space Apps Challenge’ da Nasa, que acontecerá de forma remota em outubro. “Queremos pegar alunos da periferia, que muitas vezes não têm confiança de que são capazes de desenvolver uma solução de tecnologia, e levá-los para esse evento”, anuncia a empreendedora.
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