A inclusão de “jabutis” - como são chamadas as emendas parlamentares que não têm relação direta com o tema de um projeto no Legislativo - no Projeto de Lei das Eólicas Offshore deve gerar um custo extra de R$ 40 bilhões por ano na Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), estimam entidades do setor elétrico, como a Abrace (que reúne os grandes consumidores de energia). Grande parte dos recursos desse fundo setorial provém da arrecadação de encargo pago por todos os consumidores atendidos pelas distribuidoras, direto na conta de luz.
O texto aprovado na quarta-feira, 29, pela Câmara dos Deputados, incluiu uma série de emendas estranhas ao tema da regulamentação do segmento de usinas eólicas offshore (instaladas no mar). Essas emendas beneficiam, com extensão de subsídios, diferentes grupos de interesse, especialmente aqueles ligados às fontes renováveis, geração distribuída e carvão. Também determinou mudanças em leis vigentes que, na prática, garantem benefícios adicionais a empreendedores do setor de gás natural.
Essas medidas, que devem onerar ainda mais as tarifas de energia no País, foram amplamente criticadas por associações, empresários e analistas de investimentos que acompanham o setor elétrico. As críticas vão desde os custos extras - que tendem a onerar as contas de luz e deixar ainda mais complexo o cenário para as concessionárias de distribuição, com aumento da inadimplência e das perdas elétricas - ao aumento da sobreoferta da energia que tem afetado as geradoras.
A mudança para incluir benefícios a termoelétricas a carvão foi feita de última hora pelo relator do texto, deputado Zé Vitor (PL-MG), que é vice-presidente da Frente Parlamentar de Energia. Entre os dispositivos aprovados está o que estabelece que sete usinas movidas a carvão no sul do País, com contrato de compra de energia vigentes em 31 de dezembro de 2022, terão seu termo final postergado para dezembro de 2050.
O deputado defendeu a alteração no texto.”Não estamos tratando de novas térmicas a carvão. Estamos falando de térmicas que já estão operando e, em breve, terão seus contratos todos vencidos. Não há subsídios ou incentivos para que novas térmicas a carvão se instalem no Brasil. Trata-se de uma demanda da bancada do sul do País. Estamos falando na renovação desses contratos próximos de vencimento”, disse.
Para o deputado, o País hoje está “em uma matriz em transição, ou seja, é necessário, ainda, que o sistema esteja em equilíbrio”. “Essas unidades são importantes para o sistema energético. Também destacamos a importância socialmente e economicamente para a região”, disse o deputado.
Excesso de oferta
Para os analistas do Banco Safra, Daniel Travitzky, Carolina Carneiro e Mario Wobeto, o projeto tem duas implicações principais: a primeira é que a potencial contratação de energia de usinas offshore agravaria o excesso de oferta do sistema elétrico brasileiro, enquanto a segunda está relacionada ao aumento de subsídios provocado pela extensão dos descontos nas tarifas de transmissão de projetos renováveis e para a geração distribuída (como, por exemplo, os painéis solares domésticos).
“Esses subsídios pressionam as tarifas e incentivam os consumidores a migrar para o mercado livre, o que aumenta a pressão sobre as tarifas cobradas aos clientes que permanecem na rede”, diz trecho de um relatório divulgado pelo banco e assinado pela equipe de analistas.
Na mesma linha, Marcelo Sá, analista do Itaú BBA, diz que no segmento de geração algumas medidas aprovadas tendem a estimular a construção de novas usinas, de diferentes fontes, em um momento em que existe uma sobreoferta de energia no País, que já tem pressionado os preços futuros de energia.
“Os preços da energia aqui têm sido anormalmente baixos por conta dos bons níveis dos reservatórios e ao excesso de oferta de energia, mas agora temos um projeto de lei que basicamente força a nova capacidade num sistema que não precisa dela”, disseram os analistas do BTG Pactual Joao Pimentel, Gisele Gushiken e Maria Resende.
Já Filipe Andrade, também analista do Itaú BBA, destaca em particular o impacto negativo para as geradoras hidrelétricas, resultante principalmente de emendas que favorecem a contratação de usinas termoelétricas, o que poderia provocar um deslocamento da geração hidrelétrica, aumentando o déficit de geração dessas usinas.
No que diz respeito ao tema original do PL, os analistas do Itaú BBA consideraram o texto “importante e positivo”, uma vez que estabelece regras que favorecem a atração de potenciais investidores interessados em estudar as potencialidades da modalidade no País. Sá alertou, porém, que não haverá um “boom de investimentos” em decorrência da nova lei.
“Economicamente não faz sentido (investir em offshore no País), dado o custo e o fato de que ainda tem muito potencial de eólica onshore (em terra) para ser explorado no Brasil, e tem questão de sobreoferta de energia em que preço de energia em contrato longo prazo não está viabilizando nem eólica onshore, que dirá offshore”, disse. Na visão da equipe, os primeiros projetos de offshore na costa brasileira só entrarão em operação na próxima década.
Associações e empresários
Houve protestos também por parte de associações, especialmente aquelas ligadas aos consumidores - como a Frente Nacional dos Consumidores de Energia, o grupo União pela Energia, e a Abrace Energia. Além de calcular os impactos financeiros das medidas, as entidades chamaram a atenção para o contrassenso dos incentivos à energia mais poluente de termoelétricas a gás natural e carvão justamente na semana em que começou a COP-28, que acontece em Dubai, nos Emirados Árabes.
O grupo União pela Energia, por exemplo, divulgou uma carta aberta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pontuando os problemas criados pela inclusão dos jabutis pelo Congresso. “O Brasil tornou-se o país da energia barata e da conta cara, devido a um conjunto de custos e ineficiências que penalizam duplamente a sociedade: por meio das tarifas da eletricidade e novamente nos preços de tudo o que é produzido”, afirma Lucien Belmonte, porta-voz do União pela Energia, na carta.
Já a Frente Nacional dos Consumidores de Energia declarou ter recebido “com indignação” a inclusão do carvão no projeto das eólicas offshore. “É quase inacreditável que em plena crise climática e na esteira das discussões da COP-28, onde o Brasil pretende ser protagonista, o Congresso Nacional tente impor aos brasileiros mais custos desnecessários na conta de energia e mais CO2 na atmosfera”, disse.
A expectativa das entidades agora é conseguir convencer os senadores a rejeitar pelo menos parte das alterações feitas na Câmara dos Deputados. Não há grandes expectativas, porém, de convencimento na retirada de todas as emendas, já que há temas muito caros a determinados grupos.
A extensão de benefícios concedidos a fontes renováveis, por exemplo, é uma demanda da bancada do Nordeste e considerada de difícil derrubada. Já a emenda sobre as térmicas a carvão teria mais chances de não vingar, tendo em vista a contrariedade com a agenda ecológica que o governo defende e alternativas existentes para os argumentos favoráveis ao tema.
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