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Projetos para idosos tem dificuldades para captar recursos via leis de incentivo, aponta pesquisa

Foco maior está em iniciativas voltadas para esporte, cultura e jovens; especialistas defendem estruturação de conselhos e fundos municipais

Foto do author Luis Filipe Santos
Atualização:

A proporção de idosos no total da população brasileira tem crescido nas últimas décadas, mas os projetos para essa parcela da população apoiados por empresas por meio de incentivos fiscais ainda são poucos, aponta a pesquisa FDC Longevidade, da Fundação Dom Cabral (FDC).

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Segundo o Censo 2022, o número de pessoas com mais de 60 anos no Brasil é de 32,1 milhões, ou 15,8% da população. No censo anterior, em 2010, 10,8% dos brasileiros estavam na terceira idade. No entanto, entre organizações que utilizaram os benefícios fiscais, os mecanismos mais buscados para obter recursos foram a Lei Rouanet (62%) e a Lei de Incentivo ao Esporte (54%), enquanto o Fundo do Idoso teve apenas 26%.

As leis de incentivo permitem que as empresas que utilizam o regime do lucro real destinem parte que pagariam de Imposto de Renda para projetos aprovados no Fundo da Criança e do Adolescente (no limite de 1% da receita total da companhia), Fundo do Idoso (também 1%), Lei do Esporte (2%), Lei de Incentivo à Cultura e Lei do Audiovisual (4%). As leis estaduais e municipais também permitem a participação das empresas que operam no regime de lucro presumido.

Obras Sociais Irmã Dulce realiza atendimentos de saúde física e mental para idosos, entre outros públicos cuidados pela instituição, e busca financiamento para projetos via leis de incentivo Foto: Divulgação / Obras Sociais Irmã Dulce

Além da possibilidade de destinar maiores quantias, os projetos culturais e esportivos também atraem mais investimentos por possibilitarem maior divulgação da marca nas ações. Outro problema é a concentração de empresas dispostas a investir no eixo Sul-Sudeste, enquanto as de outras regiões do Brasil têm maiores dificuldades para conseguir os recursos.

Considerando as Leis de Incentivo estaduais, o cenário é ainda pior: apenas 3% das organizações conseguiram recursos desses benefícios, muito abaixo do incentivo à cultura (36%), ao esporte (23%) e a projetos para infância e adolescência (15%). Entre as leis municipais, a figura é um pouco melhor, com o apoio aos idosos aparecendo em segundo lugar com 26%, pouco abaixo das ações para crianças e jovens (28%).

Outro dado importante trazido pela pesquisa é que a maioria das organizações da sociedade civil (OSCs) consultadas não tem os idosos como público-alvo, nem mesmo de forma transversal em conjunto com outros grupos. Segundo a FDC, somente 13% das OSCs têm idosos como alvo principal; 33% lidam com eles transversalmente e 54% não os consideram como prioridade. Por outro lado, jovens entre 15 e 17 anos, ou de 18 a 29 anos, são prioridade para 45% das entidades, e crianças de 6 a 14 anos, para 33%.

Para Michelle Queiroz Coelho, professora associada da FDC e coordenadora do estudo, os números mostram que ainda há preconceito de idade e uma falta de entendimento sobre o envelhecimento da população brasileira, processo que deve continuar nas próximas décadas enquanto a taxa de natalidade cai e a expectativa de vida aumenta.

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“No cenário do investimento social, muitas empresas não reconhecem que o investimento no envelhecimento tem valor, há uma priorização pela infância e adolescência. Vivemos numa sociedade ‘jovemcêntrica’”, avalia Coelho.

Entidades criam projetos para facilitar sociabilização dos idosos Foto: Julia Fonseca / CeMAIS

Responsabilidades

Além do pouco valor enxergado nos projetos voltados para os idosos, outro gargalo está na estruturação dos fundos estaduais e municipais. Os fundos precisam ser criados por lei e ter conselhos com capacidade operacional de avaliar as iniciativas. Contudo, nem todas as capitais e Estados têm essas entidades, o que atrapalha na chegada do dinheiro à ponta.

“Há um problema em relação a muitos projetos que não conseguem acessar e empresas que não conseguem doar porque não há regulamentação necessária. Há um gargalo gigantesco nos municípios que não regulamentaram o conselho do idoso”, cita Queiroz Coelho. Ela menciona outro problema: por vezes há grande burocracia para a liberação dos recursos que pode chegar a até um ano de espera, mesmo quando já estão captados.

A situação é tão paradoxal que pode ajudar projetos em cidades que contam com conselhos bem-estruturados. Marcela Giovanna, diretora-presidente do CeMAIS, de Belo Horizonte, explica que na capital mineira, uma organização tem mais chance de captar um projeto aprovado no conselho da pessoa idosa do que no conselho da criança e do adolescente, onde a quantidade de propostas por edital é maior.

“Conselho da criança é um pouco mais difícil, talvez porque tenha mais conselhos organizados no País, o que torna a captação mais pulverizada”, relata.

Obras Sociais Irmã Dulce começaram obras de reforma da praça do centro de geriatria da organização, para tornar o espaço apto para atividades dos idosos Foto: Adilton Venegeroles / Obras Sociais Irmã Dulce

Entretanto, a presença de conselhos organizados pode ser contrabalanceada pela distância geográfica das empresas de boas iniciativas nas regiões Norte e Nordeste. Luciana Santos, líder do escritório de gerenciamento de projetos das Obras Sociais Irmã Dulce (Osid), com sede em Salvador, descreve o panorama. “Falamos com as empresas aqui, mas dizem: ‘Vamos apresentar (às sedes), mas as decisões não estão na nossa região’. Isso implica num custo relevante para fazer essa doação ser concretizada, de às vezes ter que se deslocar até São Paulo ou outro Estado”, afirma.

A entidade fundada por Irmã Dulce desenvolve trabalhos em diversas áreas, além da terceira idade, trabalha com saúde para o público geral e tem ações para infância e adolescência, moradores de rua, pacientes oncológicos e outros grupos. Recentemente, começou obras de reforma da praça no centro de geriatria da organização, para permitir atividades de socialização aos idosos no espaço, como recebimento de visitas, aulas de artesanato, samba de roda e musicoterapia.

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O planejamento para a reforma começou em 2018, mas com o tempo necessário para captação de cerca de R$ 1,2 milhão por meio da lei de incentivo municipal de Salvador e a burocracia, as obras foram iniciadas apenas em junho de 2024. Atualmente, outro projeto está em fase de captação, para reforma de três enfermarias destinadas a pessoas idosas, cada uma com 54 leitos cada. O montante estimado para a reforma é de R$ 7 milhões, dos quais R$ 6 milhões já foram captados.

OSC CeMais trabalha para ligar governos e empresas a organizações da sociedade civil. A entidade tem projetos próprios voltados para diversos públicos, incluindo a terceira idade, e "ensina" instituições de longa permanência para idosos (Ilpis) a buscarem apoio via leis de incentivo Foto: Julia Fonseca / CeMAIS

O CeMAIS atua tentando fortalecer a gestão de Instituições de Longa Permanência para Idosos (Ilpi) — hoje, BH conta com aproximadamente 880 residentes em locais do tipo. Além disso, também faz doações de itens como notebooks e cafeteiras e visa integrar os idosos à cidade. “Não foi fácil captar para o projeto 3I (voltado aos idosos), mas pelo propósito convencemos as empresas a perceberem que é importante. Quando falam da pessoa idosa, muitas têm esse interesse, mas outras só direcionam para criança e adolescente”, diz Giovanna.

A OSC também forma funcionários e dá auxílio para que as próprias Ilpis possam ter recursos oriundos de leis de incentivo. “Leis de incentivo tem sido a melhor forma de captar para uma causa. É possível dialogar com empresas de outras formas, mas via lei de incentivo é maior em recursos”, relata a presidente da OSC, que já integrou o conselho municipal do idoso da capital mineira.

Luciana Santos, da Osid, relata que há profissionais das equipes contábeis e jurídicas das empresas que temem utilizar as leis de incentivo para reduzir as quantias de impostos necessárias, por acreditarem que podem levar as empresas a caírem na malha fina. “As doações precisam ser amparadas pelo contador. Um trabalho de educação com os profissionais da área contábil para que os empresários se sintam mais confiantes também é bem-vindo”, comenta.

Entre as empresas, a vontade de doar surge muitas vezes pela aderência ao mercado em que atuam. Um exemplo é a Unimed-BH, cooperativa de trabalho médico e operadora de planos de saúde, que afirma focar ações na cultura, terceira idade e infância e adolescência. “Portanto, muitas das nossas ações são destinadas às pessoas com mais de 60 anos, em razão da crença que estamos investindo na saúde integral desse público”, diz Garibalde Mortoza Júnior, diretor de mercado da companhia.

Apesar dos empecilhos, as duas ONGs relatam ver uma abertura das empresas para ajudar os projetos, incluindo os voltados para a terceira idade. No entanto, mais trabalho é necessário. “Nós, enquanto cidadãos, estamos pensando muito pouco no mundo em que viveremos daqui a muitos poucos anos. As empresas precisam se sentir parte desse processo de melhoria e transformação social”, resume Santos, das Obras Sociais Irmã Dulce.

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