Proposta de criação de moeda única é prematura, dizem economistas

Para especialistas, Brasil deve primeiro resolver questão fiscal e discussão deve ser feita no longo prazo

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Por Clara Rellstab e Bianca Gomes

A criação de uma moeda única entre Brasil e Argentina não é vantajosa para o País neste momento e deve ser pensada a longo prazo, segundo economistas ouvidos pelo Estado. Citada pelo presidente Jair Bolsonaro na última quinta-feira, 6, a união monetária entre os países vizinhos, dizem os especialistas, é prematura e deve ser cogitada apenas quando os problemas econômicos, de ambos os lados, forem suavizados. No caso do Brasil, principalmente a situação fiscal. 

Especialista afirmam que, no caso de uma moeda única, as metas de inflação e as taxas de juros seriam as mesmas para os dois países Foto: Agustin Marcarian / Reuters

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“Não acho que seja uma discussão em curto nem médio prazo. Você tem vários desequilíbrios macroeconômicos que precisam ser endereçados tanto no Brasil quanto na Argentina”, explica o economista-chefe do Rabobank Brasil, Mauricio Oreng. Para ele, o Brasil deve, primeiro, resolver a questão fiscal e outros aspectos que facilitam os negócios, como a estrutura regulatória e o aparato burocrático. “É uma discussão prematura”, disse.

Marcelo Kfoury, professor de macroeconomia da FGV/EESP, diz que não há nenhum aspecto positivo para o lado brasileiro em ter uma moeda única. “Para a Argentina, tem a vantagem de pegar a credibilidade do Banco Central daqui, de estabilizar o câmbio e diminuir a inflação”, disse. 

Fernanda Consorte, economista-chefe e estrategista de câmbio do Banco Ourinvest, avalia que a criação de uma moeda única é preocupante pela diferença que existe entre os dois países, especialmente na questão de fundamento externo. “Uma das grandes coisas que fazem com que a moeda argentina tenha sofrido uma forte depreciação foi o baixo volume de reservas e uma grande dívida externa. Nós não temos esse problema. Temos um problema fiscal muito grande, mas temos reserva, conta corrente financiável pelo investimento estrangeiro direto”, afirmou. 

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No caso de uma moeda única, as metas de inflação e as taxas de juros seriam as mesmas para os dois países. “O tripé macroeconômico que a gente tem no Brasil ia ter de ser espelhado para os dois países e, eventualmente, para a América Latina, como acontece com a zona do euro. Teria que ser feito de uma forma bem arrumada.” 

Sobre os pré-requisitos para que a união monetária funcione, Marco Antônio de Andrade, economista e professor titular da Universidade Presbiteriana Mackenzie, diz que são necessários três pilares básicos: estabilidade, credibilidade e previsibilidade. “Os países envolvidos precisam ter consolidado esses três fundamentos. E tanto o Brasil quanto a Argentina, por serem economias emergentes, estão longe disso”, resume. 

O economista Silvio Campos Neto, da Tendências Consultoria, acredita que a repercussão criada em cima do assunto é exagerada. “Vejo isso (a criação de uma moeda única) como mais uma daquelas frases sem muita reflexão prévia que o presidente Jair Bolsonaro costuma colocar”, diz. Ele acrescenta que, pelo menos nas próximas duas décadas, não consegue vislumbrar um projeto deste gênero saindo do papel.

União Europeia 

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Silvio Campos Neto cita o exemplo da União Europeia para exemplificar o “amadurecimento institucional” que precisa ser alcançado antes da criação propriamente dita de uma moeda única. “Uma união monetária tem que ter uma união fiscal orçamentária. Ter uma moeda única que funcione sem uma união fiscal também é pouco provável - e a união fiscal é uma construção de décadas”, expõe.

De acordo com o economista, para que o euro fosse bem sucedido, foi feito um extenso plano de adaptação, e países menos abastados como Portugal, Grécia e Espanha, receberam incentivos daqueles considerados mais ricos à época, como Alemanha e França, para que tivessem a sua estrutura econômica revista. “Tem todo um histórico, principalmente de um mercado como o europeu, que mostra que a adesão para uma moeda única de países distintos é muito complexa. É preciso ter uma economia muito bem consolidada para que este processo tenha sucesso”, diz. 

Rodrigo De Losso, PhD em economia pela universidade de Chicago e professor da FEA-USP, lembra que entre a intenção e a implementação da moeda única na UE foram muitos anos. “Foi um processo que levou mais de dez anos. Antes da conversão total, havia dois preços: na moeda local e no euro, para as pessoas irem se acostumando. Foi um processo longo de adaptação”, explica.

Histórico Brasil e Argentina

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Segundo Marco Antônio de Andrade, a unificação monetária entre Brasil e Argentina já passou por uma espécie de “teste” nos anos 1980, quando foi instituída uma moeda escritural chamada gaucho. Este tipo de papel se diferencia do papel-moeda por não ter curso forçado, funcionando como uma espécie de “moeda fiduciária”. “Não era uma moeda corrente e ainda assim não de certo”, explica.

Já no final da década de 1990, com a decisão de estabelecer o dólar como única moeda comercial entre os países vizinhos, a primeira grande oscilação entre o real e o dólar americano fez com que a Argentina saísse quebrada. “Nós saímos de um dólar em R$ 1,20 para R$1,80 e quebramos a Argentina porque ela ficou com um déficit comercial impagável com o Brasil”, conta. 

De acordo com Andrade, adotar um referencial de moeda única para as transações comerciais na América do Sul não é positivo quando se leva em conta às oscilações e volatilidade das economias destes países. 

Veja a opinião dos especialistas:

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Fernanda Consorte, economista-chefe e estrategista de câmbio do Banco Ourinvest: Neste momento, eu não acho que o tema é tão relevante, dado que temos questões fiscais muito mais urgentes. A gente não teria a ganhar com isso. 

Marcelo Kfoury, professor de macroeconomia da FGV/EESP: Acho que é prematuro falar em moeda única. O mercado europeu começou em 1947, a união monetária foi em 1999, 52 anos depois. Eu não vejo nenhuma grande vantagem, principalmente para o brasil

Mauricio Oreng, economista-chefe do Rabobank Brasil: Não é uma discussão para agora, tem muita coisa para ser resolvida. Aqui, no Brasil, as reformas. Isso é uma coisa bem lá na frente, quando os dois países resolverem seus problemas econômicos.

Marco Antônio de Andrade, economista e professor titular da Universidade Presbiteriana Mackenzie: Não é que a ideia seja ruim, ela até que é boa. Mas com a estrutura que existe hoje nos países do Mercosul é difícil colocar essa ideia em prática. 

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Rodrigo De Losso, PhD em economia pela universidade de chicago e professor da FEA-USP: foi um processo longo de adaptação. O problema é que, no caso da UE, os países perdem a autonomia da sua política monetária, ficam subordinada ao banco central europeu. No caso do Brasil e da Argentina, o Brasil não deveria perder sua autonomia.

Silvio Campos Neto, economista e sócio da Tendência Consultoria: O Brasil hoje tem uma moeda que é estável. Em contrapartida, a Argentina tem uma inflação que roda em 50% ao ano. Há uma situação bastante distinta entre os dois países

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