BRASÍLIA – Enquanto a lista de medidas de contenção de gastos não é definida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, aliados dele no PT e em outros partidos da base aliada no Congresso torcem para que as áreas de educação, saúde e assistência social não sofram cortes que possam machucar a imagem do partido após eleições municipais em que a esquerda já saiu enfraquecida.
As medidas dependerão de aprovação do Congresso Nacional, e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já sinalizou que será preciso apresentar uma PEC – Proposta de Emenda Constitucional, que demanda a aprovação de dois terços de cada Casa em duas votações.
No PT, a presidente nacional do partido, Gleisi Hoffmann (PR), tem se manifestado contra a possibilidade de cortes em saúde, educação, benefícios assistenciais e aposentadorias. Outros líderes do partido, porém, evitam se levantar contra o pacote de Haddad, mas demonstram apreensão. “O pessoal está apreensivo, tem que esperar para ver o que vem”, diz o deputado Jilmar Tatto (PT-SP). “O Lula está preocupado em não cortar gastos sociais.”
Na semana passada, o ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, que foi presidente do diretório paulista do PT, afirmou que não aceitava cortes no seguro-desemprego e no abono salarial: “a não ser que me demitam”, afirmou.
O ministro da Educação, Camilo Santana, que comanda o PT no Ceará, também resiste a mudanças no setor, especialmente no Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb).
Nos bastidores, entre governistas, há queixas de que recairá sobre o partido defender no Congresso um pacote impopular e com o qual os petistas e aliados de esquerda não concordam. Os ministros da Saúde, da Educação, do Desenvolvimento Social, da Previdência e do Trabalho, áreas que podem ser atingidas, foram chamados no Planalto para reuniões nesta segunda e terça-feira, antes do anúncio.
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Depois dos ministros, Lula e Haddad devem conversar com os líderes do governo no Congresso para definir a estratégia. “Cada dia com sua agonia e sua alegria. A primeira parte é pactuar com o governo”, disse o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (PT-AP).
A questão é que, matematicamente, os gastos com a Previdência Social, saúde e educação estão crescendo em velocidade superior à das demais despesas do Orçamento, comprimindo os gastos discricionários (não obrigatórios), como investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Conforme mostrou o Estadão, para tentar mitigar o problema, o governo pretende limitar a expansão dos principais gastos do Orçamento ao teto de 2,5% acima da inflação fixado pelo arcabouço fiscal. As despesas com Previdência, porém, podem ficar de fora.
No caso de gastos com saúde e educação, a hipótese que está na mesa é ampliar o volume de despesas que podem ser computadas nos mínimos constitucionais das duas áreas – o que permitiria reduzir gastos dessas rubricas.
A medida é alvo de crítica interna por integrantes do partido, que discutem os efeitos de um ajuste de gastos sociais na imagem do PT e na do próprio Lula a dois anos da eleição presidencial.
Até mesmo no PSOL, partido que votou de forma unânime contra o arcabouço fiscal em 2023, há uma divisão sobre a reação ao pacote de corte de gastos. Seis deputados da legenda assinaram um manifesto contra o corte de gastos, incluindo Fernanda Melchionna (RS), Sâmia Bonfim (SP), Glauber Braga (RJ), Luiza Erundina (SP), Chico Alencar (RJ) e Tarcísio Motta (RJ). A bancada tem 13 integrantes.
Outros parlamentares, como Guilherme Boulos (SP) e Erika Hilton (SP), preferiram não se manifestar, em um sinal de fidelidade ao governo.
“Votamos contra o arcabouço. Por que agora votaríamos para salvar o arcabouço? Não faz sentido”, disse Tarcísio Motta. De acordo com o deputado, o governo precisa escolher entre cumprir o arcabouço fiscal em sinal ao mercado financeiro ou reforçar sua base de apoio preservando os gastos com saúde e educação.
“Essa é a decisão política que o governo tem que tomar. Qualquer conta que signifique diminuição de saúde e educação é um equívoco do governo Lula e o impacto eleitoral será negativo porque pode inclusive esperar efeito cascata e levar Estados e municípios a tirarem seus mínimos constitucionais.”
2026 no radar
O temor entre aliados do governo é que o pacote preparado pela Fazenda transforme 2025 em um ano de contração fiscal e monetária – a taxa de juros está em alta e surtirá efeitos em 2026 –, o que poderia derrubar a avaliação do governo Lula, abrindo espaço para um concorrente competitivo no campo da direita nas eleições presidenciais de 2026.
O resultado das eleições municipais de 2024, que mostrou vantagem dos partidos da centro-direita, ajudados pela distribuição de emendas parlamentares, é um indicativo de que a via de uma eventual reeleição de Lula não é trivial.
A leitura é que, apesar da melhora da economia no primeiro semestre deste ano, o governo não conseguiu convertê-la em votos. A taxa de desemprego atingiu 6,4% no trimestre encerrado em setembro, um dos mais baixos patamares da série histórica iniciada em 2012, e a massa salarial está, neste ano, 7,2% acima da do ano passado. Ainda assim, a esquerda foi mal nas eleições municipais.
Isso demonstra, segundo petistas, que a agenda econômica não tem sido um vetor de atração de votos para Lula nem para o PT. E que, mesmo que o governo entregue medidas de ajuste, os investidores não entregarão como recompensa a queda da cotação do dólar.
Outro fator em observação por petistas é a eleição nos Estados Unidos, com a possibilidade de vitória de Donald Trump e o combustível que isso pode dar à direita e ao bolsonarismo no Brasil –o que torna ainda mais adverso o cenário político para Lula em meio a um ajuste fiscal.
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