A decisão da Fitch Ratings de elevar a nota de crédito do Brasil de BB- para BB confirma o sentimento positivo que os investidores têm mostrado em relação ao País com o avanço da agenda de reformas macroeconômicas no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), dizem economistas. A mudança, porém, não deve ter impacto real, dado que a dívida brasileira ainda é classificada como especulativa.
A agência classificadora de risco elevou, nesta quarta-feira, 26, a nota de crédito soberana brasileira, de BB- para BB. Com a mudança, o Brasil está ainda dois degraus abaixo de recuperar o selo de grau de investimento pela agência, o que estimularia a entrada de capital externo no País. Em junho, a S&P já havia melhorado a perspectiva para a nota BB- do Brasil, de estável para positiva.
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O CEO do Santander Brasil, Mario Leão, afirmou que a elevação da nota reflete o caminho “correto” que o governo tem tomado. Ele disse ainda que o otimismo do mercado com o governo Lula não o surpreende. “Eu nunca estive entre os pessimistas, não estou surpreso com a boa vontade maior da Faria Lima com o governo, o (ministro da Fazenda, Fernando) Haddad”, disse ele, durante entrevista coletiva para comentar os resultados do banco no segundo trimestre.
Leão afirmou que o clima da economia brasileira está melhor de modo geral, o que explica tanto a elevação do rating pela Fitch quanto a valorização dos ativos financeiros do País. Mais cedo, ele disse também que o investidor estrangeiro não tem muitas opções de alocação que não o Brasil.
O diretor de portfólio de mercados emergentes da Pimco, Pramol Dhawan, disse que a decisão da Fitch reafirma o otimismo dos investidores com o Brasil diante do encaminhamento das reformas. Apesar disso, ele lembra que o País tem um caminho a percorrer para recuperar o grau de investimento, o que inclui avançar mais na agenda de reformas e também sob a ótica fiscal.
“O ponto-chave é quão importante as reformas serão para (o País) alcançar melhores ratings e atrair mais investimentos estrangeiros diretos”, destaca. “Se persistir nessa direção, o Brasil tem um caminho para o grau de investimento, mas que também dependerá da entrega das metas fiscais prometidas pela nova regra e da redução da proporção da dívida pública em relação ao Produto Interno Bruto (PIB)”, acrescenta.
Ex-secretário do Tesouro Nacional e hoje economista da ASA Investments, Jeferson Bittencourt considera, no entanto, que a elevação da nota de crédito não tende a produzir efeitos estruturais nas fontes de financiamento da dívida pública. Isso porque, mesmo com a melhora do rating, o Brasil segue com a classificação especulativa.
Segundo o economista, o Brasil só conseguirá atrair de volta o capital internacional nas emissões do Tesouro quando reconquistar o grau de investimento, que abre as portas do País a fundos que só podem colocar o dinheiro em economias com o selo.
Assim, o anúncio feito pela Fitch não tem, segundo Bittencourt, poder de reverter a baixa participação de estrangeiros no financiamento da dívida pública, que era de 20% quando o Brasil tinha o selo, mas caiu para 8% após o rebaixamento da nota de risco de crédito.
Bittencourt observa que, como o governo depende de fontes internas para financiar um déficit elevado e uma dívida proporcionalmente alta, boa parte do crédito é consumida pelo Estado, levando a taxas de juros mais altas no mercado, uma vez que sobra pouca poupança doméstica para o setor privado. Com o grau de investimento, explica, os estrangeiros ajudariam a financiar a dívida doméstica, reduzindo assim a pressão sobre os juros.
O economista da ASA mostra ceticismo sobre a capacidade do Brasil retomar até 2026, quando termina o atual mandato do presidente Lula, o selo de bom pagador conferido pelas agências de rating. Para Bittencourt, chama a atenção a Fitch ter melhorado o rating soberano com base em reformas ainda não aprovadas, referindo-se ao arcabouço fiscal, que voltou para a Câmara, e à reforma tributária, que está no Senado.
Isso significa que a agência, na avaliação do ex-secretário do Tesouro, já “gastou” as duas reformas no upgrade de hoje, de modo que novas elevações devem depender de novas reformas. “Só que não existem propostas de reforma do Executivo com a relevância dessas duas”, assinala.
O diretor de pesquisa macroeconômica do Goldman Sachs para América Latina, Alberto Ramos, também afirmou que a decisão da Fitch é positiva, mas que o Brasil ainda tem uma “longa estrada” pela frente para recuperar o grau de investimento. “É uma estrada longa e vai requerer reformas macroeconômicas e microeconômicas, um marco regulatório que incentive o investimento e o aumento da produtividade”, avaliou.
De acordo com ele, em termos de ajustes que o Brasil precisa fazer, a grande reforma pendente é a administrativa, que corta gastos públicos. “É a reforma do gasto. O Brasil gasta muito, tributa muito, investe pouco, gasta mal”, disse, acrescentando que o tema sequer entrou em debate no governo Lula.
O economista-chefe da G5 Partners, Luís Otávio de Souza Leal, é outro que vê impacto limitado da notícia sobre o apetite estrangeiro por ativos brasileiros. “Na hora de escolher entre um país que está aumentando o rating e outro que está estável ou com viés de baixa, o Brasil começa a ser olhado com mais carinho. Mas continuamos dois níveis abaixo do grau de investimento e, para ter um game changer (divisor de águas) em questão de entrada de capital estrangeiro, temos de chegar lá, porque tem fundos que só podem investir em países com grau de investimento”, diz Leal.
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