A alta da taxa Selic já impacta os juros dos financiamentos imobiliários, que chegam a 12% ao ano, tornando necessário um maior valor de entrada na compra do imóvel para as parcelas mensais ficarem dentro do orçamento. O reflexo é mais significativo para a classe média, especialmente famílias com renda acima de R$ 8 mil que não se enquadram em programas habitacionais, como o Minha Casa, Minha Vida, que têm taxa de juros controlada e subsídios do Governo Federal.
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Um mapa interativo feito pelo Estadão com dados da plataforma imobiliária Loft mostra qual precisa ser a renda de uma família que deseja financiar um imóvel em 2,5 mil ruas da capital paulista (7,75% do total). Segundo dados do Financiômetro da Loft, ferramenta que estima custo de financiamentos imobiliários considerando entrada de 20% e parcelamento em 420 meses, na Rua Galeno de Revoredo (Itaim Bibi), via mais valorizada da cidade, o comprador precisa ter renda mensal de R$ 447,3 mil − considerando o preço médio dos imóveis transacionados na rua (R$ 12,8 milhões).
Já na Rua do Bosque (Bom Retiro), via com mais transações nos últimos seis meses em São Paulo, o comprador precisa ter uma renda mensal mínima de R$ 16,7 mil para conseguir o financiamento imobiliário, uma vez que o preço médio do imóvel nessa rua é de R$ 477,4 mil. Os dados compilados pela Loft foram coletados de transações imobiliárias registradas em cartório, segundo dados do ITBI.
“O Financiômetro mostra as condições gerais para financiamento nas ruas, um dado importante especialmente após o início do aumento dos juros. Claro que há variação importante de preço dos imóveis dentro de cada região, mas a ferramenta traz uma ideia geral da situação para o comprador, o que acelera a procura pelo imóvel”, afirma o gerente de dados da Loft, Fábio Takahashi.
O levantamento considerou as condições de financiamento imobiliários oferecidas pelos bancos Itaú, Bradesco e Santander.
Financiar um imóvel tem ficado mais caro para a classe média, tanto pelo aumento da Selic quanto pela necessidade crescente de um valor de entrada, já que os preços de imóveis não param de avançar a cada mês na capital paulista.
Segundo dados do índice FipeZap, o preço do metro quadrado de imóveis residenciais subiu 6,56% em 2024 e já subiu mais 0,8% nos primeiros dois meses de 2025, chegando a R$ 11.472. Vale notar que o índice é composto de preços de imóveis usados, e os novos tendem a custar ainda mais, variando de acordo com o bairro e o padrão do empreendimento.
Para o consultor e ex-vice-presidente de habitação da Caixa Econômica Federal, José Urbano Duarte, as condições atuais para o financiamento de imóveis provoca um adiamento na realização da compra da casa própria. Isso é resultado não só do aumento das taxas para o consumidor, mas também das taxas para o financiamento das obras das construtoras, o chamado funding. Tipicamente, os recursos da poupança para financiar imóveis de até R$ 1,5 milhão vêm da poupança, ao custo de 6% ao ano.
Porém, com a redução de aportes nesse tipo de aplicação financeira — o Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) registrou saída líquida no ano de R$ 21,718 bilhões —, e também devido ao volume de financiamentos de imóveis demandados pelo mercado, as construtoras e incorporadoras têm recorrido a um crédito mais caro, vindo do mercado financeiro, como LCIs e LIGs. Como esses títulos normalmente têm custo atrelado ao CDI, conforme a Selic sobe, o crédito encarece mais, o que acaba sendo repassado ao consumidor.
De acordo com dados da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), o volume financiado em 2024 no País para o mercado imobiliário via SBPE foi de R$ 186,7 bilhões. Para este ano, a projeção está no intervalo de R$ 150 bilhões a R$ 160 bilhões, queda entre -20% e -15%.
Diante desse cenário, a Caixa Econômica Federal, responsável por aproximadamente 70% dos financiamentos imobiliários no País, reduziu a cota de financiamento de imóveis, passando a exigir entrada de 30% (antes eram 20%) em contratos com a tabela regressiva SAC e 50% de entrada na Price (antes, eram 30%). A medida, portanto, ampliou a distância para a conquista do imóvel, sendo agora necessário, por exemplo, ter R$ 120 mil no ato para comprar uma moradia de R$ 400 mil, em vez de R$ 80 mil, em um contrato na tabela SAC.
“Quando há, por exemplo, uma taxa de juros mais alta ou uma cota de financiamento menor, significa duas coisas: ou você precisa de uma renda maior para comprar o mesmo imóvel, ou precisa ter um volume de recurso próprio, uma poupança própria, para fazer frente a uma entrada maior do que tinha até então”, diz Duarte.
Para quem tem trabalho com carteira assinada, o uso do FGTS como entrada ou parte dela é uma das opções mais utilizadas pelos compradores de imóveis, mas tem algumas condições específicas, como não ter outro imóvel e o preço máximo é de R$ 1,5 milhão.

O diretor-executivo da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), Miguel José Ribeiro de Oliveira, afirma que o momento econômico para aquisição de imóveis exige cautela. Isso porque a aquisição tende a comprometer 30% da renda familiar e o ciclo de alta da Selic pode comprometer o poder de compra da população ao elevar o índice de desemprego. Além disso, fatores externos, como a guerra comercial dos Estados Unidos, aumentam a incerteza no cenário macroeconômico.
“O ideal é adiar o plano de financiar o imóvel, dar entrada maior ou financiar em prazo mais curto. Quanto mais longo o financiamento, mais juros precisam ser pagos. Em prazo menor, você não economiza, mas paga menos juros. Passando o financiamento de 35 para 20 anos, por exemplo, você pagará bem menos juros”, diz Oliveira.
O líder de financiamento multibanco da Creditas, João Paulo Galvão, conta que o encarecimento das parcelas com o aumento da Selic eleva a necessidade de renda da população, mas não há como contornar a situação, a não ser com um valor maior de entrada e com uma busca pelas melhores taxas de financiamento.
“Hoje existe uma certa competição entre os bancos, mas mesmo assim os bancos acompanham muito esse movimento da alta de juros. Então hoje as taxas de financiamento dos bancos são muito parecidas. O que o cliente pode fazer é comparar e identificar qual é a melhor oportunidade para ele entre os bancos”, afirma.
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Alta renda
O público de alta renda segue imune às mudanças do segmento macroeconômico, uma vez que depende menos de financiamento bancário para aquisição de imóveis.
“Quando falamos de luxo e alto luxo, essas pessoas compram sob outra abordagem. Muitas vezes compram sob a perspectiva de investimento e eles têm capacidade de financiamento e o crédito é direto com o construtor, não necessariamente o sistema financeiro tradicional”, afirma Duarte.
Por isso, segundo especialistas, a classe média deve ser a que enfrentará mais desafios na aquisição de imóveis em 2025, uma vez que ela não tem programas sociais que atinjam o público com renda superior a R$ 8 mil nem tem o mesmo capital que o consumidor de alta renda.