O varejo brasileiro é regional. Quase a metade (46%) das 300 maiores empresas em faturamento do País - ou 139 companhias -, operam em apenas um Estado. São redes varejistas muito fortes localmente e que têm como um dos seus grandes ativos conhecer as preferências do consumidor. Muitas vendem até mais de R$ 1 bilhão por ano.
O Grupo Supernosso, por exemplo, com lojas de supermercado e atacarejo, faturou R$ 3,6 bilhões o ano passado com lojas apenas na Região Metropolitana de Belo Horizonte. A Redemac, 9.ª maior varejista de materiais de construção do País, é outra que conseguiu alcançar esse posto com lojas apenas no Rio Grande do Sul. O Grupo Ramiro Campelo, da Bahia, dono das redes Guaibim, de eletromóveis, e Casa+ Fácil, de materiais de construção, faturou R$ 584 milhões em 2022 só com pontos na Bahia. E quer voltar à origens, ser mais regional ainda para escapar da concorrência das gigantes.
O elevado custo de logística por causa da grande extensão territorial do País, a falta de uniformidade tributária entre as unidades da federação e, especialmente, a grande diversidade de hábitos de consumo da população explicam o perfil local do varejo brasileiro.
A regionalização, revelada pelo estudo da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC), é reforçada por outros recortes da pesquisa. Das 300 maiores varejistas em faturamento no ano passado, 65% delas atuam em até cinco Estados e apenas 13% estão presentes em todas unidades da federação.
Um dos desdobramentos positivos da forte regionalização é a baixa concentração do varejo. De acordo com o estudo, as dez maiores empresas em receita detêm somente 19% das vendas; as 50 maiores, um terço do mercado; e as 100 maiores, apenas 40%.
“Ter um varejo não concentrado é importante: há mais competição, mais oferta de produtos para o consumidor, o que é sempre positivo para economia como um todo”, afirma o presidente SBVC, Eduardo Terra, e responsável pelo estudo.
O consultor não se surpreendeu com o fato de 46% das varejistas atuarem em único Estado. Esse resultado revela, na sua opinião, que o setor está em processo de amadurecimento. Mas Terra pondera que a forte regionalização do varejo é puxada pelos supermercados. Eles são mais da metade (153) das 300 varejistas analisadas no ranking.
Por causa dos grandes volumes transacionados, da logística e do sortimento de produtos, é difícil, diz ele, uma rede nacional se consolidar no varejo de autosserviço. Por isso, os supermercados regionais acabam crescendo e se tornando grandes localmente. Esse movimento se repete com drogarias e lojas de materiais de construção. Nesses dois segmentos, a pulverização do varejo também é grande e há importantes redes regionais.
Barreira de entrada
Na prática, a regionalidade do varejo brasileiro tem sido uma barreira à entrada de gigantes multinacionais do setor. Atraídas pelo potencial de consumo, companhias como a americana Walmart e a holandesa Makro, por exemplo, atuaram no País por um longo período. Recentemente, alegando vários motivos, o Walmart deixou o Brasil e o Makro está de saída. Certamente, o fortalecimento e a concorrência do varejo regional que houve nos últimos tempos pesou na decisão.
Quando essas grandes varejistas internacionais chegaram ao País, surgiu a dúvida se os pequenos e médios comércios resistiriam, lembra Terra. “Se a tese de grandes companhias com atuação nacional funcionasse, essas varejistas teriam engolido todo mundo e tomado conta do varejo”, diz o presidente da SBVC. Porém, não foi isso que aconteceu.
A lição que fica, segundo o consultor, é que conhecer as preferências do consumidor local é muito mais importante para conquistar o mercado brasileiro do que ser uma grande companhia internacional ou uma gigante nacional. E, nisso, o varejo regional é craque.
Joias da coroa
Longe dos holofotes dos grandes centros, as redes regionais bem administradas, as joias da coroa do varejo brasileiro, conhecem os hábitos de consumo da população local. Por isso, viraram alvo de aquisições de gestoras de investimento. Elas têm optado pela compra desses ativos em detrimento de grandes redes, como GPA e Natural da Terra, da Americanas, por exemplo, que estão à venda.
A gestora de investimentos Pátria acaba de comprar o controle da rede Atakarejo. A empresa, que, como o nome indica, atua no segmento de atacarejo, faturou R$ 3,7 bilhões no ano passado só com lojas na Bahia e é uma das líderes no Estado. Pela transação, deve ter desembolsado entre R$ 700 milhões e R$ 850 milhões, calculam fontes do mercado (o valor não foi revelado).
Desde 2021, a gestora começou a investir no varejo de supermercados, com uma plataforma chamada Plurix, que adquiriu participações em várias redes regionais no Sul e Sudeste.
Com as aquisições feitas, o faturamento dessa plataforma no ano passado somou R$ 3,9 bilhões. Se fosse uma única empresa, ocuparia a 21.ª posição entre as maiores redes do País no ranking da Associação Brasileira de Supermercados (Abras). “A nossa ambição é estar entre as grandes com faturamento, acima de R$10 bilhões”, diz Marcos Ambrosano, Operating Partner especialista em Varejo do Pátria, que por 19 anos foi do Walmart Brasil.
Ele diz que há um universo muito grande de companhias regionais que podem ser alvo de futuras compras da gestora. O grande diferencial das redes regionais, na sua opinião, é o olhar do empreendedor local, que conhece os hábitos dos clientes. Além disso, a força do agronegócio em cidades do interior das regiões Sul e Sudeste do País tem propiciado boas condições de consumo à população local e de desempenho dessas redes.
Outra gestora de fundos, a Advent, faz avaliação similar. Recentemente, uma fonte disse à Coluna do Broadcast que “o varejo tem várias redes regionais que cresceram e estão bem interessantes”.
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