A escalada global da inflação deflagrada pela pandemia – que desorganizou abrupta e gravemente as cadeias produtivas, sobretudo entre meados de 2020 e meados de 2021 – foi seguida por um lento processo de acomodação, infelizmente interrompido pela guerra Rússia-Ucrânia no início de 2022.
O salto da inflação é mesmo, portanto, um fenômeno global, não apenas brasileiro. Mas aqui o salto foi maior, devido a “pecados” nossos, como a indexação atipicamente difundida de preços e contratos e o cenário político turbulento (que contribuiu para que o dólar se mantivesse em níveis bastante altos).
Deste modo, estávamos rumando para um IPCA em dois dígitos pelo segundo ano consecutivo, não tivessem despontado dois fatores: (i) o recuo recente dos preços internacionais de diversas commodities, principalmente metálicas e agropecuárias – neste último caso, podendo aliviar as altas de alimentação daqui em diante, sobretudo em 2023; e (ii) os cortes de impostos propostos pelo governo e aprovados pelo Congresso a fim de mitigar a inflação deste ano, que geraram um abrupto e significativo recuo nos preços de combustíveis, energia elétrica e telecomunicações. Diante dessas novidades, o mais provável é encerrarmos 2022 com uma alta do IPCA próxima de 7,8%.
Contudo, temos desafios que estão longe de sair de cena: os bens industriais, que tiveram alta recorde de 11,9% em 2021, estão ensaiando subir mais 11,0% em 2022. Além disso, estamos presenciando importantes aumentos de preços em serviços – associados à redução nas restrições de circulação, que vem dando vazão ao grande volume de demanda que foi “represada” no longo período de maior isolamento social.
Não por acaso, a alta de 5,2% que espero para o IPCA em 2023 está acima do teto da meta de inflação (4,75%) e, avalio, com riscos altistas preponderantes. Isto porque, para que essa projeção se materialize, teremos de torcer por: (i) um relevante alívio nos alimentos; (ii) uma redução nas pressões de custos que tire parte da força dos bens industriais – o que exigiria uma dose razoável de apreciação do real; e (iii) uma descompressão na demanda por serviços. Ou seja, após este alívio pontual em meados de 2022, precisaremos fazer muitas figas para a inflação ceder para perto do teto da meta em 2023.
* Economista sênior da LCA Consultores
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