Do comércio de porta em porta com uso de charrete a um império bilionário chamuscado pela Operação Lava Jato, o dono do Grupo Petrópolis, Walter Faria, 68 anos, é o mais novo protagonista da onda de grandes recuperações judiciais no País.
Nos anos recentes, esteve foragido, ficou preso e ainda foi torpedeado pelos próprios parentes em meio às investigações. Investigado pelo uso de dinheiro em offshores, Faria se diz traído por homens de confiança que as controlavam em um golpe multimilionário durante seu calvário na Lava Jato. Os episódios podem reaparecer durante a recuperação judicial.
Nascido em Macedônia, no interior de São Paulo, Faria vem de família pobre, e começou a trabalhar aos dez anos. Chegou à capital sem os pais, ainda criança. Trocava mercadorias na rua 25 de Março por dinheiro ou fazia escambo de ovos, galinhas, leitões. Parte da história é contada no pedido de recuperação judicial do grupo. O documento exibe até a foto da charrete usada por Faria.
Foi nos anos 1990 que Faria se tornou distribuidor da Schincariol no interior de São Paulo. Expandiu o negócio para outros Estados e adquiriu a cervejaria Petrópolis, conhecida pela marca Itaipava, no fim da mesma década. Atualmente, o grupo é dono de 14 outras marcas de bebidas, entre elas a Crystal e a Petra.
À Justiça, mais de 20 anos depois, a empresa alega ter passado por uma crise de liquidez, fruto da queda do volume de vendas. A empresa, no entanto, atravessou uma crise de imagem, após ser envolvida na Operação Lava Jato.
Em delação premiada, executivos da Odebrecht admitiram que usavam a Itaipava para lavagem de dinheiro de propinas e repasses a campanhas de políticos. O chamado “caixa três”, que envolvia uma triangulação entre a empreiteira, doleiros e a cervejaria, teria movimentado R$ 329 milhões.
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Em julho de 2019, Faria chegou a ser considerado foragido quando não se apresentou para prisão na Operação Rock City, 62ª fase da Lava Jato. Ele acabou se entregando e ficou quatro meses preso.
Durante a investigação, Faria se defendeu, mas foi torpedeado por familiares. O sobrinho Vanuê Faria chegou a admitir à PF que a Itaipava funcionava como uma espécie de “banco” para a Odebrecht. Segundo ele, como a empresa mantinha dinheiro no exterior, topou disponibilizar valores em espécie para a empreiteira, com a cobrança de um percentual sobre as transações.
Na Lava Jato, Faria foi denunciado por 12 crimes de lavagem de dinheiro relacionados a repasses da Odebrecht. As doações eleitorais, segundo delatores da Odebrecht, chegaram a 81 políticos - entre eles, nomes do alto escalão, como o ex-presidente da Câmara, Rodrigo Maia (União). Maia foi indiciado pela PF, mas o inquérito acabou arquivado pela PGR de Augusto Aras, em 2021.
As investigações sobre Faria foram anuladas pelo ministro Gilmar Mendes, em uma decisão que citou incompetência e quebra da imparcialidade de Sergio Moro para julgar o empresário.
Mesmo livre da Lava Jato, Faria está envolvido em brigas judiciais milionárias que envolvem trocas de acusações e exposição de valores usados em offshores, que podem desaguar no processo de recuperação judicial do Grupo Petrópolis.
Em uma das contendas, diz ter sido vítima de um golpe quase bilionário. Faria afirma à Justiça ter investido R$ 900 milhões em duas de suas offshores no exterior - ambas citadas na Lava Jato - para adquirir parte da Incopa, empresa do setor de soja em recuperação judicial. As movimentações foram, segundo ele, confiadas a dois agentes de sua confiança que se aproveitaram de sua prisão para roubar o dinheiro.
Além disso, o Grupo Petrópolis trava outra briga judicial contra a própria Incopa, que envolve contratos de arrendamento de fábricas. A contenda envolve uma multa milionária e está em Cortes Superiores. Estes episódios podem voltar a aparecer na recuperação judicial, que exigirá do grupo minuciosa prestação de contas sobre ativos, como aqueles disputados na Justiça.
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