Brasília e São Paulo – Os números do mercado de trabalho formal vêm surpreendendo os economistas, mas a retomada não é uniforme. Pelo contrário: tem grandes disparidades setoriais e em relação ao perfil do trabalhador contratado com carteira assinada.
Se fôssemos fazer um retrato do brasileiro que conseguiu uma vaga formal no último ano, ele seria um homem, de até 24 anos, com ensino médio completo. Trabalharia no setor de serviços ou no comércio, principalmente como vendedor de loja ou mercado, e teria sido contratado com salário médio real (descontada a inflação) de R$ 2.038.
É isso o que mostram os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho, apurados nos 12 meses até agosto. As informações foram compiladas pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).
“Quando a gente coloca uma lupa nesses números, vemos o setor de serviços puxando essa recuperação. E isso é facilmente explicado pelo nível de atividade no segmento, que está 12,8% acima do período pré-pandemia”, afirma Fabio Bentes, economista da CNC e responsável pelo levantamento. O comércio, destaca ele, também está no azul, com uma alta de 4,1% no pós-covid.
No recorte por setores econômicos, o grupo que inclui comércio e reparação de veículos automotores e motocicletas aparece na liderança de vagas abertas no período: 291,8 mil, o equivalente a 20% do total (1,5 milhão). Outro destaque está em alojamento e alimentação, que inclui restaurantes e hotéis, responsável por 130 mil novos postos.
Dentre as profissões, vendedores e demonstradores em lojas ou mercados puxaram a geração de emprego com carteira no País, seguidos de trabalhadores nos serviços de manutenção de edificações.
O setor industrial, por outro lado, apresenta números mais modestos, com exceção da construção civil, que gerou mais de 100 mil vagas para ajudantes de obras. “Se pegarmos a indústria, veremos que o segmento ainda está 2% abaixo do nível pré-pandemia. Ou seja, está andando de lado e isso se reflete nos indicadores de emprego”, afirma Bentes.
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Em relação à escolaridade, outro dado importante: 96% das novas vagas foram direcionadas a trabalhadores com ensino médio incompleto ou completo – uma tendência que vem se acentuando no País. Já a faixa de idade predominante é de até 24 anos, a qual responde por 94% dos postos nesse recorte específico.
Por fim, quando se observa o fator gênero, os homens ainda respondem pela maioria (55,8%) dos empregos criados, apesar da maior inserção da mulher no mercado formal.
Parte desses fatores – principalmente escolaridade e idade – impacta o salário médio de admissão, que voltou a ter ganhos acima da inflação, mas ainda está abaixo do período pré-pandemia.
Outra explicação está ligada ao nível de desemprego: “Embora a taxa esteja diminuindo, ainda está acima do patamar desejado. Sempre que essa taxa é alta, a tendência é de que o salário médio sofra, porque o poder de barganha do trabalhador fica comprometido”, explica o economista da CNC.
Questionado sobre esse cenário e as ações do governo para elevar a massa salarial, o ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, afirmou ao Estadão que a retomada mais consistente do mercado depende da recuperação da indústria.
“A indústria que dá o grande suporte, inclusive para serviços. Acho que isso vai acontecer, puxado pelos investimentos do Minha Casa Minha Vida e do PAC e também (da ampliação da faixa de isenção) do Imposto de Renda e (da correção real) do salário mínimo”, afirmou.
Para Marinho, o emprego no segmento industrial “é de melhor qualidade”. “Isso eleva a massa salarial, o consumo e tem efeito de arraste”, avaliou.
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