O setor elétrico brasileiro pode – e deve – passar por significativas mudanças. A “modernização” do setor vem sendo discutida há anos e, com a tramitação do Projeto de Lei n.º 414/2021 no Congresso Nacional, esse debate tem ficado mais intenso, principalmente por causa da abertura do Ambiente de Contratação Livre (ACL) ou Mercado Livre de Energia Elétrica.
Para quem não está acostumado com o tema, o ACL é um ambiente onde consumidores, geradores e comercializadores de energia elétrica podem negociar entre quantidade, preço, prazo e pagamento, de acordo com as suas necessidades. Atualmente, esse mercado é limitado a grandes consumidores – é necessário ter demanda contratada de pelo menos 500 quilowatts (kW) para participar. Um importante passo rumo a sua abertura foi dado pelo Ministério de Minas e Energia (MME) que, por meio da Portaria n.º 50/2022, permitirá que, a partir de 1.º/1/2024, consumidores de média tensão, com demanda contratada inferior a 500 kW, possam integrá-lo. Além disso, o MME também fez outro movimento ao publicar a Portaria n.º 690/2022, abrindo consulta pública para a abertura a consumidores de baixa tensão a partir de 2026.
Em paralelo à tramitação do PL n.º 414/2021, foi promulgada a Lei n.º 14.120/2021, que previu a transição para o fim de desconto de 50% nas Tarifas de Uso do Sistema de Distribuição (Tusd) e Tarifas de Uso do Sistema de Transmissão (Tust) para usinas de fonte incentivada que solicitaram até 2/3/2022 sua outorga junto à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), e que iniciem a operação comercial em até 48 meses após sua emissão. Com isso, houve uma corrida para enquadramento de projetos junto à Aneel: foram protocoladas solicitações de outorga para 208 gigawatts (GW) em usinas eólicas e solares. Isso representa mais do que a atual potência instalada do Sistema Interligado Nacional (SIN), que é de pouco mais de 180 GW.
Deve-se considerar ainda que: I) trata-se de fontes intermitentes, ou seja, precisam de energia de base para garantir o suprimento (hidrelétricas ou térmicas); II) a energia gerada por esses empreendimentos será comercializada no ACL; III) o desconto na Tusd/Tust será custeado pela Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), que é um encargo cobrado nas tarifas de energia; e IV) para escoar essa energia, será necessária a construção de milhares de quilômetros de linhas de transmissão, cujo custeio, obviamente, sairá do bolso dos consumidores de energia elétrica. Ou seja, quem pagará a conta da sobreoferta de energia elétrica no ACL serão os consumidores cativos, aqueles que ainda não podem ser livres.
Miguel Segundo, CEO da Gedisa Energia
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