No cenário de pandemia do novo coronavírus, todos aprendemos a trabalhar remotamente, ainda que aos trancos e barrancos. Trabalho remoto, teletrabalho ou home office, aqui são tratados como equivalentes. E vieram para ficar!
Empresas de todos setores e tamanhos precisaram adaptar suas dinâmicas de trabalho às exigências do isolamento social. Sem outras opções, adotaram o trabalho remoto, que até então existia em diferentes proporções e situações para 51% das companhias brasileiras.
Foi realizada uma pesquisa pelo PROGEP - FIA Business School, entre março e maio de 2020, com mais de 140 empresas. Os resultados mostraram que empresas de diferentes portes ampliaram significativamente a atuação em home office: 46% para parte e 28% para a maior parte dos cargos. Também identificou que quase metade das empresas da amostra promoveu adequações em sua infraestrutura para que as pessoas pudessem trabalhar dessa forma. As médias empresas foram as que mais realizaram alterações (52%).
Vejam um exemplo curioso: o Nubank enviou 500 cadeiras ergonômicas para funcionários em trabalho remoto. Estudo do Fórum Econômico Mundial mostrou que 98% dos respondentes gostariam de continuar trabalhando remotamente pelo resto de sua carreira, ao menos parte do tempo.
Outro anúncio que ganhou destaque foi o da XP, que não só estendeu a vigência do home office até o fim do ano como também considera torná-lo permanente. Deve construir uma sede no interior de São Paulo, batizada de Villa XP, e adotar o trabalho remoto para sempre. A inspiração são as empresas do Vale do Silício e a nova sede será uma misto de campus universitário e resort, para onde os funcionários não terão que ir todos os dias. Será um espaço de convivência, declarou a gerente de gente e gestão da empresa.
O novo regime de trabalho catalisa uma tendência já perceptível anteriormente. Segundo um executivo do Banco do Brasil: "Não se pode mais medir a produção do funcionário pelo período que ele fica no escritório".
O home office certamente irá requerer novas competências, tanto dos líderes quanto dos funcionários. Definitivamente, não caberá mais o estilo "supervisão cerrada", um dos pilares da Administração Científica estabelecida por Taylor.
Tornou-se clássico o artigo "Fordismo, Toyotismo e Volvismo: os Caminhos da Indústria em Busca do Tempo Perdido", publicado em 1992, na Revista de Administração de Empresas da EAESP-FGV. Nele, o Prof. Thomaz Wood, Jr. traça uma linha evolutiva cruzando os três "ismos" e fornece uma visão do processo de transformação da indústria no século 20, destacando sua preocupação sobre como seria a organização do futuro. Em pleno século 21, na realidade brasileira, temos práticas de gestão que ilustram do Fordismo ao Volvismo, com os estilos de liderança e perfil de trabalhadores por eles tipificados.
O que muda em termos de liderança em cada estilo? O que não muda? Extrapolando para os tempos presentes, quais são as maiores diferenças ou os desafios em liderar a distância? Quais os medos? Quais são as regras para que funcione bem?
Para quem quiser respostas para essas questões recomendo a leitura do livro "The Long-Distance Leader: Rules for Remarkable Remote Leardership" (Oakland: Berrett-Koehler Publishers, 2018), escrito por Kevin Eikenberry e Wayne Turmel. Ambos experts de renome mundial quando o assunto é liderança e comunicação e nos últimos anos têm se concentrando nos aspectos relativos aos ambientes remotos e virtuais.
O livro inicia-se com a seguinte afirmativa: "Liderar uma equipe a distância é, antes de tudo, liderança, e os princípios de liderança não mudaram; são princípios". Enfatizam os autores, o que mudou é que as pessoas estão trabalhando em lugares diferentes e talvez em momentos diferentes.
Mencionam também algumas constatações sobre liderança que nunca é demais relembrar: a liderança é complexa, é uma ação, é uma responsabilidade, é uma oportunidade. E liderança não é apenas gestão. As competências de gestão estão focadas em coisas: processos, procedimentos, planos, orçamentos e previsões. As competências de liderança concentram-se nas pessoas, na visão, na influência, na direção e no desenvolvimento pessoal. Tais afirmativas convidam o leitor a refletir sobre o equilíbrio entre competências de gestão e de liderança.
As principais ideias e argumentos dos autores fundamentam-se em pesquisa que realizaram em 2017, com mais de 200 gerentes que têm, pelo menos, parte de sua equipe trabalhando remotamente. A pesquisa destaca os desafios que surgem devido à distância entre as pessoas e ao uso da tecnologia para preencher essas lacunas.
Vejamos algumas frases ilustrando os medos das pessoas:
- "Com pessoas em todo o mundo, tornou-se impossível desligar. Estou conectado 24/7/365"
- "Não somos eficientes nas reuniões. Muitas pessoas fazem check-out ou não participam"
- "Existem divisões entre as pessoas remotas e as que trabalham no escritório"
- "Não vemos muitos desafios de engajamento ou desempenho até que seja tarde demais"
Kevin e Wayne alertam para o fato de que os líderes estão fazendo as coisas acontecerem neste novo ambiente justamente porque estão trabalhando muito mais. Eles querem ter sucesso no mundo virtual e estão fazendo isso com muito esforço e testando cada passo. E não é porque estejam bem preparados para lidar com o que mudou, pelo contrário.
São inúmeros os desafios que a distância impõe: fusos horários, normas e expectativas culturais diferentes; uso adequado e eficiente das ferramentas tecnológicas disponíveis; menos feedback espontâneo e dicas de comunicação, uma vez que informações são transmitidas basicamente por e-mail, textos e comunicação online.
Enfim, apontam o que precisa ser feito para desenvolver as competências requeridas para preparar os líderes para essa nova maneira de trabalhar. Você está preparado? Está treinando sua equipe para essa realidade?
Algumas regras para uma liderança remota notável
- Pense primeiro em liderança e em segundo no local
- Use a tecnologia como ferramenta, não como barreira ou desculpa
- Tenha foco nos resultados, nos outros e em você mesmo
- Concentre-se em alcançar metas, não apenas em defini-las
- Treine e desenvolva sua equipe efetivamente, independentemente de onde eles trabalham
- Comunique-se da maneira que funciona melhor para os outros e não pelas suas preferências pessoais
- Entenda o que as pessoas estão pensando, não apenas o que estão fazendo
- Busque e dê feedback para melhor atingir os resultados
- Prepare líderes remotos notáveis
Fonte: The Long-Distance Leader: Rules for Remarkable Remote Leardership, de Kevin Eikenberry e Wayne Turmel
* Marisa Eboli é doutora em administração pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP e especialista em educação corporativa. É professora de graduação e do mestrado profissional da Faculdade FIA de Administração de Negócios. (meboli@usp.br)
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