Diante de um mercado desaquecido, o trabalho temporário pode ser uma oportunidade de recolocação. Ainda visto como "bico" por muitos, há um crescimento da oferta desta modalidade para cargos de alta e média gerência, de acordo com a Page Interim, unidade de negócios de terceiros e temporários da Page Group.
Segundo levantamento feito pela empresa, as áreas administrativa (21%), financeira (21%), de vendas (13%) e supply chain (6%) concentram a maioria das ofertas para as posições executivas. O Estado de São Paulo centraliza 70% das oportunidades, Rio de Janeiro tem 25% e os outros Estados somam 5%.
A gerente executiva da Page Interim, Fernanda Baldívia, reforça que as vagas estão em diversos setores da economia. "As empresas buscam um profissional específico, com as características técnicas e comportamentais bem definidas, uma vez que não há tempo para treinamentos."
A engenheira de alimentos Simone Guerretta, de 42 anos, está desde 26 de janeiro ocupando uma vaga de trabalho temporário no cargo de gerente de pesquisa e desenvolvimento de qualidade da AB Brasil, que produz ingredientes alimentícios. O contratação temporária, com término em 30 de setembro de 2016 e possibilidade de efetivação, destina-se a cobrir uma licença-maternidade.
"Depois de ser demitida em 2014, e sem conseguir oportunidades fixas, comecei a fazer trabalhos de consultoria e auditoria para empresas do setor de alimentos." Com vasta experiência no setor, ela aceitou um projeto para em seis meses montar um departamento para uma empresa alimentícia. "Isso me deu experiência em realizar projetos com começo meio e fim, com prazos e entregas."
Ainda assim, ela continuou a procurar vagas efetivas. Foi quando surgiram duas oportunidades, mas de trabalho temporário - uma no Rio de Janeiro e outra em São Paulo, na AB Brasil. "Para esta vaga em que estou, eles procuravam um profissional sênior, com inglês fluente, que tivesse experiência com gerenciamento de equipe, conhecimento em indústria, produção, e em empresas de alimentação. E que fosse generalista e especialista."
Simone participou de um processo seletivo rigoroso, segundo ela, que durou 15 dias. Depois das entrevistas feitas pela Page, simulados de perfil profissional e conversas com a empresa, aceitou a vaga. "Estou tocando projetos grandes e estou gostando do trabalho e dos desafios."
Ela confessa que o final do contrato e a expectativa de efetivação, mesmo com a certeza de realizar um bom trabalho, estão presentes no dia a dia do temporário. Mas acredita que as dificuldades, medos e conflitos são naturais, uma vez que a equipe que ela gerencia também tem uma nova rotina e um novo chefe. "Eu preciso ter habilidade de gerir pessoas e muito jogo de cintura."
A gerente conta que tem recebido todo suporte e auxílio necessários por parte da empresa, que possui a cultura de dar feedbacks, ajudando no desenvolvimento dos projetos e no andamento do trabalho. "Sou temporária, mas faço parte do grupo, tenho tarefas e projetos, continuados e iniciados por mim."
Segundo Fernanda, assim como em qualquer outra contratação, "são exigidos expertise - ou seja, experiência técnica e vivência em situação semelhante-, comprometimento, disponibilidade, flexibilidade e adaptabilidade". Ela diz que na Page Interim já foram feitos processos de colocação para cargos, além de gerentes, diretores e até presidentes.
Motivos. Levantamento realizado pela empresa de recrutamento especializado Robert Half com 1675 diretores de recursos humanos no mundo, sendo 100 brasileiros, aponta que em até cinco anos os profissionais temporários para cargos de média e alta gerência deverão igualar o grau de importância dos colaboradores permanentes dentro das organizações.
De acordo com o estudo, 31% das empresas buscam o profissional temporário pela necessidade de mais flexibilidade de recursos; 28% para análise de custo e 18% necessitam do temporário para o desenvolvimento de mais trabalho com base em projetos. A procura de um profissional com capacidade de desenvolver habilidades não disponíveis na empresa é a razão para 15% dos pesquisados.
O amadurecimento do mercado de trabalho, que tem enxergado o profissional temporário como um especialista para ocupar posições estratégicas nas companhias como, por exemplo, na implantação de sistemas e processos, é um dos motivos para o aumento da demanda, acredita o gerente de divisão da Robert Half, Caio Arnaes.
"Esse modelo de trabalho coloca à disposição do mercado executivos com expertise, sem a necessidade de assumir os custos de uma contratação de longo prazo para projetos com tempo determinado. Se a demanda se estender, a empresa já tem um profissional testado para uma possível oferta permanente", afirma Arnaes.
Reestruturação. "Não há um segmento específico que procura por esse profissional, são empresas que estão em processo de reestruturação e precisam de funcionários temporários seniores", diz.
O trabalho temporário é uma possibilidade de se recolocar no mercado, acredita o gerente. "Conhecer pessoas, mostrar suas especialidades, exercitar a tomada de decisão e poder mostrar resultados", diz. Fernanda Baldívia, da Page Interim, acrescenta outras vantagens: "Experimentar uma nova cultura organizacional e ainda ampliar rede de relacionamento".
De acordo com Arnaes, um ganho para a empresa é que este profissional está emocionalmente menos envolvido do que o funcionário, facilitando a análise da organização. Fernanda lembra que, para a organização, o trabalho temporário também é vantajoso em relação ao custo do profissional CLT, pois há isenção das verbas rescisórias.
Na avaliação do executivo da Robert Half, para ocupar cargos gerenciais temporários, as companhias buscam um profissional já experiente, que tenha histórico de projetos em organizações anteriores, que foram responsáveis por reestruturar empresas, por mudar, dar resultados. "Um projeto é motivador e faz com que ele alcance a meta", afirma.
Para Fernanda, o foco em resultados é um requisito fundamental para que as pessoas e as empresas incorporem a importância do trabalho temporário para o Brasil.
No entanto, a executiva da Page Interim afirma que embora muitos profissionais ainda não reconheçam o trabalho temporário como uma oportunidade para se recolocar e fazer networking, essa visão está mudando. Já existem profissionais, diz ela, que optam por atuar cada vez mais nessa modalidade.
"São profissionais flexíveis com perfil de consultores"
Para o gerente da Randstad Professionals, Diogo Forghieri, a demanda pelo trabalho terceirizado de média e alta gerência aumenta e traz novas oportunidades para os profissionais brasileiros. "Percebemos nos últimos dois anos crescimento na procura por especialistas, que já trabalharam em projetos envolvendo a abertura de novos negócios, melhoria de processos e também na transformação cultural da empresa", diz.
Segundo ele, a crise contribuiu para o aumento de demanda de temporários, além de ajudar a eliminar o preconceito em torno dessa oportunidade reconhecida pela lei.
"Esses profissionais são flexíveis, com perfil de consultores. O cliente em vez de pagar consultoria, procura um temporário para iniciar, melhorar e finalizar um projeto", diz.
Áreas financeira, de engenharia, de RH e de supply chain, que eram setores que abriam apenas vagas para projetos, com tempo preestabelecido, já abrem oportunidades de trabalho temporária, com contrato CLT de validade de seis a nove meses, e, em muitos casos, com salário superior.
De acordo com Forghieri, não é fácil atrair um profissional que procura uma carreira e está acostumado com trabalho efetivo para uma vaga interina, temporária.
"É difícil fazê-lo entender que nessa posição ele pode ganhar com a experiência, com o desenvolvimento do projeto." Ele destaca que profissionais de áreas como tecnologia da informação e finanças, por exemplo, em muitos casos, não aceitam uma vaga efetiva, em nível gerencial. O motivo, aponta, é que eles não querem se preocupar com a carreira.
"Eles buscam flexibilidade para realizar projetos temporários sem nenhuma expectativa de incorporação às empresas. E com a vantagem de ter um contrato CLT."
O gerente da Randstad acredita que o único "sofrimento" presente no dia a dia é a expectativa com a entrega do resultado do projeto para o qual ele foi contratado.
Para Forghieri, é fundamental que o profissional já tenha vivido experiências com projetos e que possa mostrar os resultados obtidos a partir dessa atuação. "O profissional de média e alta gestão temporário precisa ter pluralidade para atuar em diferentes setores.
Direito é igual ao do funcionário efetivo
A contratação de mão de obra temporária é regulamentada pela Lei Federal 6.019/1974. De acordo com o Art. 2º, "trabalho temporário é aquele prestado por pessoa física a uma empresa, para atender à necessidade transitória de substituição de seu pessoal regular e permanente ou para acréscimo extraordinário de serviços". A lei permite, por exemplo, a contratação de um trabalhador para ocupar a posição de uma profissional grávida em licença-maternidade.
Em 2014, a Portaria 789 do Ministério do Trabalho Emprego (MTE) ampliou de seis para nove meses o prazo máximo de duração do contrato temporário, desde que as circunstâncias e motivos da empresa justifiquem a opção, valendo exclusivamente para substituição de pessoal regular e permanente. Para a prorrogação, as empresas devem pedir autorização para a contratação superior a três meses no site do MTE, com antecedência mínima de cinco dias do início do contrato.
O trabalhador temporário tem direito a salário equivalente ao da categoria, jornada de oito horas, recebimento de horas extras, adicional noturno, repouso semanal remunerado, férias proporcionais, 1/3 de férias, 13º salário e proteção previdenciária.
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