As portarias remotas se tornaram uma alternativa para os condomínios que buscam reduzir despesas, principalmente com a folha de pagamento de funcionários. De acordo com a Associação Brasileira de Empresas de Segurança Eletrônica (Abese), a substituição da mão de obra humana pela tecnologia pode diminuir 50% dos gastos. Por outro lado, a medida levanta o debate sobre a segurança nos edifícios monitorados à distância e ainda sobre o aumento do desemprego.
No edifício onde mora a arquiteta Daniella Martini, a portaria remota foi implementada no ano passado para enxugar despesas do condomínio, com saldo positivo para os moradores: 40% a menos no fim do mês. Apesar da demissão de parte dos funcionários, o edifício em Santa Cecília, na região central de São Paulo, decidiu manter um zelador e uma porteira, que ajudam no recebimento de encomendas. Mas, a partir das 18h de segunda a sexta, não há ninguém na portaria.
Para entrar em casa, Daniella usa a própria digital (que pode ser substituída por uma chave com sensor) e ainda um dispositivo para fazer a abertura da garagem. Os visitantes precisam ser comunicados ao sistema pelo morador para acessar o condomínio. Câmeras auxiliam no monitoramento à distância e, com ou sem o aparato, a vigilância é uma constante na casa da arquiteta e das filhas Júlia, 10 anos, e Cecília Martini, 14.
"Com porteiro ou câmeras, a gente tem de ficar atento. Ensino às minhas filhas a observarem se não tem ninguém parado na porta do prédio. Já precisei passar direto por uma pessoa desconhecida que julguei suspeita. Talvez uma presença física intimidasse uma possível abordagem. Acho que a gente tem que ficar mais ligado, sim, com esse sistema de portaria virtual", opina.
A segurança é, por outro lado, apontado como o principal benefício do serviço à distância, segundo Odília de Oliveira, diretora comercial da OP Monitoramento. "A liberação só acontece mediante a autorização do morador. Não importa se é mãe, pai ou filho. Pedimos foto e documentos para o nosso sistema realizar o cadastro", garante.
No combo, vem a redução de custos para os condomínios. "A gente gera uma economia de 50% a 70% na folha de pagamento. Você não tem mais ação trabalhista ou alguém sendo pago para dormir no condomínio, e com adicional noturno. O condomínio passa a ter um atendimento profissional. Não mecânico, profissional", diz Odília.
Um dos planos mais completos da OP Monitoramento, que inclui câmera, biometria e sensores de porta, custa R$ 5 mil por mês. A implantação tem uma taxa extra, que pode ser parcelada em até 12 meses e garante ao condomínio a posse dos equipamentos.
Segundo Odília, não há registro na empresa de condomínio que voltou à portaria tradicional. "Temos uma equipe de 22 operadores, capazes de monitorar de cinco a oito condomínios. E a demanda só cresce. Nós sempre precisamos contratar mais gente."
Tendência digital versus desemprego
O edifício de Daniella Martini está entre os 300 mil condomínios do Brasil que já adotaram a vigilância eletrônica - 1% do total de prédios. Apesar de ser um porcentual baixo, ele é crescente, diz a Abese, que estima aumento de 150% na adoção da portaria remota para este ano.
"Os custos eram muito elevados, mas, a partir de 2017, as empresas de segurança eletrônica e startups trouxeram novidades e soluções. Os preços se tornaram mais acessíveis e os produtos, de melhor qualidade. Isso provocou um boom", explica Selma Migliori, presidente da associação.
Para enfrentar problemas como a falta de energia elétrica e a ausência de funcionário para o recebimento de entregas, a Abese está compilando até dezembro um manual de conduta destinado às empresas de segurança, com o objetivo de alertar síndicos e moradores sobre itens que devem ser considerados na hora de escolher a prestadora de serviço. Entre as recomendações está a manutenção de ao menos um zelador para as áreas comuns e até um gerador.
Os funcionários a serem dispensados, por outro lado, engrossariam a fila do desemprego, que chega a 12,8 milhões de pessoas, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Para Paulo Ferrari, presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Edifícios e Condomínios de São Paulo (Sindifícios), o número só tende a crescer com a instalação massiva das portarias remotas.
"Em alguns casos, praticamente todo o quadro de porteiros é desligado, desde o funcionário que chega pela manhã até o da noite. O desemprego é real, já é uma fatalidade, uma coisa concreta, e tende a piorar."
Além do desemprego, diz Ferrari, a substituição da mão de obra humana pela vigilância eletrônica traz desvantagens para o condômino, a começar pela burocracia na hora de receber uma visita ou até de uma emergência de saúde. "Se um pessoa está no elevador e passa mal, até chegar alguém para socorrer muito tempo já foi perdido. Se uma ambulância estiver vindo resgatar alguém e a empresa não reconhecer esse profissional e autorizar a entrada, como faz?", questiona ele, que já foi zelador de condomínios.
Por ter vivido na pele o dia a dia da portaria, ressalta que profissionais humanos reconhecem os hábitos das famílias e cativam com eficiência o público mais velho. "Para baixar o custo do condomínio, não precisa cortar o salário do empregado. Tem muita coisa que pode diminuir, é só ter vontade", defende.
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