Quando praticamente ninguém no Brasil fazia ideia do significado da sigla PC, um médico ousado "do interior do interior do Rio Grande Sul", como ele mesmo define, se aventurava no campo da computação pessoal. Luiz Alberto Loss, aos 28 anos de idade, conseguia controlar o tempo de gestação das pacientes com um programa que ele mesmo criou. Também fazia cadastro de cada um que atendia e armazenava as datas de aniversário.
Quem dava ao médico essa possibilidade era o TK82-C, um computador completamente diferente dos de hoje. O monitor que o acompanhava não era nem do tipo caixote, daqueles que vez ou outra ainda se vê por aí. O monitor era uma televisão -- qualquer uma que a pessoa tivesse em casa. Bastava conectar o aparelho ao computador por meio do fio da antena.
Hoje motivo de risada para Loss, a memória RAM do TK82-C era de 2 kilobytes (Kbytes). Mas ele tinha também uma expansão de memória de 16 KBytes. "Importante informar que estamos falando em kilobytes, e não megabytes ou gigabytes", observa Marcelo Martins, que é dono do site TK90X.com.br e controla um fórum de discussão sobre computadores da década de 80. "Um arquivo em branco do Word 2010 ocupa cerca de 12,4 Kbytes." E a média de peso de uma foto JPEG publicada na web é de 11,9 Kbytes.
Além da pouca memória, o micro não tinha cor ou som, muito menos unidade de disquete. A precariedade de recursos não era necessariamente por causa da ausência da tecnologia. Naquela época, os custos eram muito mais altos, como lembra o presidente do Museu da Computação e Informática, Carlos Rogério. "Por isso, muitos microcomputadores guardavam os dados em fita K-7, já que uma pequena TV e um gravador K-7 eram itens comuns e de fácil acesso nos lares." E esse era o caso do TK82-C de Loss.
As limitações da máquina fizeram Loss encostar a máquina cerca de dois anos depois. Ficou na lembrança do médico, no entanto, o momento que antecedeu a compra. Quando fazia uma pós-graduação em administração hospitalar, em São Paulo, um colega lhe disse: "Olha, meu amigo trouxe de Miami um computador, de mão(!), que tu ligas na TV e faz as coisas....". Loss achou interessante e pediu o contato do amigo. Descobriu que o produto realmente só existia lá fora, e ele teria de importar. Fora de cogitação.
Em 1981, a empresa Microdigital lançou, então, o TK82-C, um computador bem parecido com o do amigo. Loss, claro, comprou. E lá chegou ele em Nova Roma do Sul, cidade hoje de pouco mais de 3 mil habitantes, a cerca de 160 quilômetros de Porto Alegre. O único médico da cidade estava com um equipamento estranho em casa. "Deviam pensar que eu era louco."
Apesar de a história de Loss com o computador ter sido curta, ele acha não que foi uma compra em vão. "Deixei muitas horas da minha vida naquele tecladinho", diz. O médico confessa ainda que "tirou algumas horas" da ex-esposa de tanto mexer no computador.
Hoje dono de um Macbook Pro e um iPhone, Loss faz piada com seu computador do passado: "Tão ridículo, que não dá nem para chamar de computador", brinca. Seu TK82-C está guardado na caixa até hoje. Quando conversou com o Radar Tecnológico, ele disse que não tinha conseguido ainda ver se o computador funcionava, porque é preciso encontrar uma TV antiga para fazer o teste.
Exemplar do 'Estado' de 27 de janeiro de 1983 mostra o anúncio de um TK82-C e o do curso de administração hospitalar que Luiz Alberto Loss fez em São Paulo, no Centro São Camilo de Administração da Saúde
Tomas Kovari
A Microdigital foi fundada em 1981 pelos irmãos Tomas Kovari (daí o "TK") e George Kovari. Na primeira década de 80, a empresa tornou-se um verdadeiro sucesso de vendas, respondendo por 60% do mercado, conforme o Museu da Computação e Informática. Antes do TK82-C, houve o TK80 e na sequência vieram outros modelos. Todas eram clones de computadores fabricados no exterior.
Como explica Marcelo Martins, do TK90X.com.br, além de micros da linha britânica Sinclair ZX-81 (os TKs 82, 83, 85) e Sinclair ZX Spectrum (os TKs 90X e 95), a Microdigital também fabricou clones da linha Apple II e clones de IBM-PC XT. "A empresa também lançou um fantástico clone do videogame Atari 2600, chamado Onyx Jr, o único Atari com uma chave de pausa durante o jogo. Por último, entrou na área musical e lançou um teclado eletrônico chamado Rhythmic 2."
O Radar Tecnológico conversou com algumas fontes do setor, mas nenhuma soube ao certo dizer que fim tomou a Microdigital. Tomas Kovari também não foi encontrado. Uma das fontes acredita que Kovari não deve ter boas lembranças daquela época, já que o investimento de tempo e dinheiro tornara-se um problema diante da concorrência imposta pelos computadores "made in Paraguai". Se você tem alguma informação sobre a empresa e deseja compartilhar, deixe seu comentário abaixo.
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