Um clima de otimismo se alastrou pela economia nas últimas semanas, principalmente após a aprovação da reforma tributária pela Câmara. O PIB mais forte puxado pelo agronegócio, a inflação mais fraca e a perspectiva de queda de juros também ajudaram.
O cenário positivo encobria, porém, um problema crônico: contas públicas. Nesta semana, os dados de arrecadação e os resultados do Tesouro Nacional vão tornar o buraco mais evidente.
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As estimativas divulgadas no relatório bimestral de receitas e despesas já deram uma pista. A projeção de déficit primário subiu de R$ 136 bilhões para R$ 145 bilhões, o que significa 1,4% do PIB.
Os economistas alertavam para essa piora quando a inflação e as commodities deixassem de inchar a arrecadação. Seus avisos foram sucessivamente ignorados tanto por Jair Bolsonaro quanto por Lula da Silva, que escolheram transformar receitas conjunturais em despesas estruturais.
Com a ajuda do Congresso, foi aprovado o parcelamento dos precatórios, a desoneração dos combustíveis, a recomposição do orçamento dos ministérios, a política de valorização do salário mínimo, o reajuste da tabela do Imposto de Renda, etc., etc.
Entre os especialistas em política fiscal, ninguém mais acredita que o ministro Fernando Haddad vai zerar o déficit no ano que vem, conforme prometeu quando apresentou o novo arcabouço.
Num exemplo louvável de transparência, o próprio Tesouro fez a conta. Para cumprir a promessa, o governo precisa de R$ 162,4 bilhões a mais. É uma arrecadação extraordinária expressiva, o que ajuda a explicar a aflição de Haddad, que esteve com o presidente da Câmara, Arthur Lira.
Haddad sinalizou a Lira que precisa aprovar logo medidas que elevem os impostos sobre a renda. Estão na mira fundos exclusivos, empresas offshore, lucros e dividendos – ou seja, o topo da pirâmide.
São medidas que melhoram a distribuição de renda, logo, é justo que sejam discutidas e aprovadas. Mas não será fácil nem rápido. Vão enfrentar resistência política acirrada e podem comprometer, inclusive, a tramitação da reforma tributária do consumo no Senado.
A missão de Haddad fica mais difícil, porque o governo decidiu equilibrar as contas com aumento de carga tributária sem cortar despesa. Um ajuste fiscal saudável demandaria, por exemplo, enxugar a máquina pública.
O ministro vive uma lua de mel com o mercado, que se reflete na Bolsa e no câmbio. As contas públicas vão lembrá-lo em breve de que ele tem “o pior emprego do mundo” – na definição excelente do jornalista Thomas Traumann.
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