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Análise|Reação de executivas a fala machista mostra que mulheres avançam. Falta a indignação dos homens

Não há como acelerar o processo de igualdade entre homens e mulheres no mercado sem o engajamento das lideranças empresariais, ainda majoritariamente masculinas

Foto do author Beatriz Bulla
Atualização:

Cerca de 30 minutos depois de publicar, no Estadão, reportagem sobre a declaração de Tallis Gomes, presidente do G4 Educação, a respeito de mulheres CEO, recebi a primeira mensagem de uma assessoria de imprensa que atende executivas que estavam dispostas a criticar o empreendedor. Uma série de mensagens similares chegou na sequência. Assim como a avalanche de publicações em redes sociais feitas por mulheres em postos de liderança empresarial, como a de Luiza Helena Trajano, do Magalu.

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A repercussão entre mulheres em altos cargos expõe três fatos. Primeiro, que há mais mulheres em 2024 nestes postos. Segundo, que as mulheres não irão retroceder. Terceiro: que a defesa da participação de mulheres na liderança ainda é feita, sobretudo, pelas mulheres.

Até a publicação deste texto, encontrei no LinkedIn a manifestação de indignação do CEO da Renner, Fabio Faccio. A exceção ao silêncio dos homens que talvez prove a regra.

Argumentos aos montes surgirão para defender que empresários homens não precisam (ou não devem) se posicionar neste caso. Me antecipo aqui a alguns.

Podem dizer que as mulheres foram as agredidas, por isso caberá a elas se defenderem.

Ou ainda: o protagonismo deve ser das mulheres, em assuntos relacionados a elas.

Há ainda os que defendem que não se deve dar palco a falas como a de Tallis Gomes.

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Por fim, há a pretensa justificativa de que o presidente do G4 Educação se referia apenas ao seu “gosto pessoal”.

Pesquisas mostram que empresas geridas por mulheres têm mais espaço para inovação, entre outras evidências dos benefícios da inclusão Foto: rawpixel.com /adobe.stock

Quando parte da sociedade brasileira é atingida, a sociedade inteira também é. Neste caso, há um agravante. Gomes diz-se formador de empreendedores. Qual lição receberão os seus alunos e as suas alunas, quanto à diversidade? Sabe-se que um dos motores de desenvolvimento econômico é a inclusão e a diversidade nas empresas. Ao entender que o papel das mulheres é melhor desempenhado em casa (no trabalho não pago) e colocar-se como empreendedor e palestrante da área de negócios, Tallis Gomes não estará jogando contra as recomendações mais modernas do próprio mundo empresarial?

Sem mulheres em posições de poder, Trajano e outras executivas que se levantaram, o fato possivelmente passaria batido a parte dos 2 milhões de seguidores do G4 Educação. A quem interessa o silêncio?

O tema é fator de interesse coletivo a ponto de ser objeto de uma das forças-tarefa do B-20, o braço empresarial do G-20 que recomendou políticas e ações ao governo brasileiro. Também perpassa as discussões de outros grupos do B-20 não diretamente ligados à diversidade, como o grupo que debate questões de emprego e educação. O relatório elaborado por este grupo, comandado pelo empresário Walter Schalka, aponta que é preciso adotar medidas específicas para reduzir as disparidades entre homens e mulheres no setor privado, como forma de garantir também uma força de trabalho resiliente.

Falar em uma alta cúpula diversa não é apenas uma questão de justiça social. É, sobretudo, uma questão econômica. O fato de que empresas comandadas por mulheres podem lucrar mais não é novidade. Desde 2019, ao menos, a Organização Internacional do Trabalho aponta que empresas com mulheres na liderança podem aumentar em até 20% o seu lucro.

As pesquisas também mostram que empresas geridas por mulheres têm mais espaço para inovação. A inclusão da diversidade da população no mercado e em espaços de poder significa incluir todas as possibilidades de desenvolvimento de negócios e soluções, ao invés de desprezá-las, como temos feito.

Parece óbvio que é comercialmente inteligente incluir na tomada de decisão metade da população mundial (e consumidora). No Brasil, 37% das mulheres são chefes de família sozinhas e 95% dizem ser as responsáveis pelas compras da casa.

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Apesar dos dados, o progresso é feito em passos lentos. De acordo com a mais recente pesquisa Women in Business, da Grant Thornton, a proporção de mulheres em cargos de liderança ao redor do mundo subiu de 19,4% em 2004 para 33,5% agora. Neste ritmo, a equidade nos postos de comando será alcançada apenas em 2053.

Isto significa que meninas que nascerem em 2024 ainda encontrarão um mercado de trabalho no qual é mais fácil para os homens ocuparem posições de poder.

Não há como acelerar esse processo sem o engajamento das lideranças empresariais, ainda majoritariamente masculinas.

Análise por Beatriz Bulla

Repórter que cobre o poder -- economia, política e internacional. Trabalha hoje em São Paulo. Já passou por Brasília e foi correspondente em Washington (EUA). Formada em jornalismo e em direito, foi também pesquisadora visitante na Universidade Columbia, em Nova York.

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