BRASÍLIA - O governo editou uma medida provisória para regulamentar a decisão recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre impostos que devem ser recolhidos pelas empresas, como antecipou o Estadão. A decisão do tribunal impede que benefícios estaduais sejam abatidos de tributos federais, a não ser em caso de investimentos. Logo, as empresas terão de pagar mais impostos.
A expectativa da equipe econômica é de que a nova regra gere uma receita extra de R$ 35,3 bilhões no ano que vem. Ela faz parte do pacote de medidas arrecadatórias do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que precisa de R$ 168 bilhões em arrecadação adicional para cumprir a meta de zerar o rombo das contas públicas em 2024.
O Ministério da Fazenda aponta um problema em como as regras da chamada “subvenção do ICMS” passaram a ser incorporadas pelas companhias: o incentivo fiscal é operacionalizado por meio da redução direta na base de cálculo do tributo federal - Imposto de Renda ou Constribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL).
Agora, contudo, a lógica se inverte. O governo federal dará um crédito fiscal, com alíquota de 25%, para ser usado pelo setor privado, desde que ele comprove que o valor será usado para investimentos. Ou seja: terá efetivamente um controle sobre o benefício fiscal.
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“Para investimento, nós concordamos com o subsídio. Hoje os contribuintes abatem indistintamente de qualquer situação. São milhões de lançamentos por ano, e aí é o Fisco tem que correr atrás de fazer a distinção”, disse o secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas “O prejuízo disso para tributação e justiça fiscal é até mais grave do que a situação das offshore e fundos fechados”, afirmou.
Especialistas ouvidos pelo Estadão/Broadcast porém, avaliam que a MP muda a decisão tomada pelo STJ. “Essa MP faz qualquer coisa, menos regulamentar a decisão do STJ. Ela, na realidade, é como se implementasse um novo sistema, um novo programa de como a Receita Federal vai enxergar esses benefícios de ICMS. Não tem nada a ver com a decisão do STJ”, explicou a advogada tributarista Maria Carolina Gontijo, conhecida como Duquesa de Tax nas redes sociais.
A especialista não descarta que a proposta tenha aspectos meritórios do ponto de vista da justiça fiscal, mas avalia que promover tais mudanças via MP não tenha sido o caminho mais correto.
Entenda as mudanças:
1. Nova sistemática
A proposta do governo é de uma nova sistemática para o crédito fiscal federal nas chamadas subvenções estaduais. Os Estados terão total liberdade para conceder as subvenções (benefícios fiscais) que desejarem, mas as empresas só poderão usar de créditos federais federais, ou seja, abater esses valores de tributos federais, se comprovarem que usaram o recurso para investimento.
2. O que muda na subvenção de custeio
Atualmente, muitos contribuintes entendem que uma empresa que recebe benefício fiscal estadual pode lançar essa despesa como custeio no IRPJ, e subtrair o montante da base de cálculo dos tributos federais. Essa contabilização faz com que, na prática, o governo federal perca 34% de arrecadação (referentes ao IRPJ e CSLL) e de 9,25% do Pis/Cofins.
As novas regras acabam com essa possibilidade, porque os créditos fiscais só serão concedidos em caso de comprovação de investimento. Para lançamentos de subvenções usadas para despesas de custeio, a empresa não poderá abater no IRPJ.
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3. O que muda na subvenção de investimento
Empresas que recebem benefícios fiscais e fazem investimentos (ampliação de estrutura ou compra de equipamentos) podem contabilizar no Imposto de Renda a receita de subsídio simultaneamente à depreciação do equipamento que foi comprado com esse benefício. Hoje, as empresas lançam a receita da subvenção e despesa de amortização, mas também abatem da base de cálculo de tributos federais.
Com a nova proposta, em vez de o contribuinte abater crédito, ele vai se habilitar junto ao governo federal em um sistema digital, declarando que recebeu uma subvenção para investimento. Quando for habilitado, poderá abater normalmente da contabilidade o valor do crédito fiscal que é concedido. A proposta do Fisco é de que seja a alíquota do IRPJ – de 25% – sobre o subsídio recebido.
4. Poucas empresas
A Receita Federal estima que um pequeno número de empresas atualmente usufrui desse tipo de subvenções estaduais, que acabam repercutindo na arrecadação federal. O Fisco diz que são entre 4 mil e 5 mil empresas que optam do modelo de lucro real que recebem esses benefícios. As demais empresas brasileiras se enquadram nos modelos de lucro presumido ou são micro e pequenas empresas.
5. Segurança jurídica
Apesar de o governo ter enviado uma Medida Provisória, que tem vigência imediata, as mudanças só passarão a valer a partir de 1º de janeiro de 2024, para dar tempo de adaptação e garantir a segurança jurídica da mudança.
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