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Recuo em taxação expõe desafios de Haddad para viabilizar metas do arcabouço, dizem economistas

Governo Lula manteve isenção para encomendas internacionais de até US$ 50 após repercussão negativa de anúncio da Fazenda

Foto do author Wesley Gonsalves
Foto do author Lucas Agrela

A decisão do governo Lula de manter a isenção tributária para encomendas internacionais de até US$ 50 em transações sem fins comerciais entre pessoas físicas mostra as dificuldades que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, terá pela frente na tentativa de viabilizar as metas do arcabouço fiscal entregue ao Congresso nesta terça-feira, 18. A opinião é de economistas ouvidos pelo Estadão.

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Haddad defende o fim dos chamados “jabutis tributários” para engordar a arrecadação do governo em até R$ 150 bilhões. O valor viabilizaria as metas propostas no arcabouço. Para isso, ele propôs a taxação de comércios eletrônicos que driblam as regras da Receita Federal e chamou o não pagamento de impostos por empresas de “contrabando”. As estimativas do governo apontam perdas de até R$ 8 bilhões.

Empresas estariam fracionando compras em pacotes pequenos e usando nomes de pessoas físicas para burlar as regras. O governo, então, anunciou o fim da isenção para as encomendas vindas do exterior, mas a repercussão da medida foi tão negativa nas redes sociais que o próprio presidente Lula pediu na segunda, 17, que Haddad tentasse resolver o problema de sonegação de plataformas estrangeiras, primeiro, com medidas administrativas, aumentando o poder de fiscalização da Receita Federal. O ministro teve de recuar.

Para o economista Armando Castelar, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), o recuo do governo é um exemplo das futuras dificuldades que o Executivo terá para viabilizar a proposta de arcabouço fiscal.

“Quando é apenas o número, é mais fácil. Mas quando você começa, efetivamente, a individualizar quem são os pagadores dessa carga tributária mais alta, aí começa a reação do público, o que gera um desgaste político”, afirma.

Segundo Castellar, a decisão em meio a pressão popular é um sinal de que realizar o ajuste fiscal através do aumento da carga tributária será mais difícil do que, talvez, o governo tenha projetado.

Haddad afirmou que governo irá focar em fiscalização para coibir contrabando eletrônico Foto: Wilton Junior/Estadão

Ele pontua que a área técnica da Fazenda que trabalhava a medida há algum tempo acabou saindo “derrotada” pela ala política, que cedeu à pressão popular. “O governo deveria convergir internamente primeiro, para depois trazer suas propostas publicamente”, diz. Para ele, o governo terá que convencer a população sobre a “necessidade dessas modificações na regra.”

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Cristina Helena Pinto de Melo, professora do curso de economia da PUC-SP, diz que o recuo pode ser entendido como um bom sinal na relação do governo com a população, mas a situação mostra que o governo errou na forma como deu publicidade ao seu projeto e como ele foi anunciado ao público.

“Hoje, o desafio do governo é como ele fará esse enfrentamento. O que eu acredito é que falta explicar a motivação da mudança. É uma questão de transparência”, diz.

Segundo ela, o desgaste político no caso deve ser momentâneo e isolado, sem afetar outras pautas em torno dos temas da reforma tributária ou do arcabouço fiscal que possam vir a ser discutidas no futuro. “Vamos entender que a pressão existe sempre. O fato do governo recuar de uma pressão popular não significa que ele recuará diante de todas as outras, só que ele está escolhendo quais batalhas quer lutar e isso faz parte do jogo político”, afirma a professora.

Medida impopular

O professor André Félix Ricotta de Oliveira, do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários, afirma que classificar as compras internacionais como contrabando digital “pegou mal”.

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Segundo ele, embora uma portaria do Ministério da Fazenda fale em isenção de imposto de importação para produtos de até US$ 50, por lei a isenção de compras internacionais é de até US$ 100, não importando se quem vende o produto é pessoa física ou jurídica.

“Pegou mal porque falaram que era contrabando digital, mas há uma lei que efetivamente diz que o destinatário tem isenção de até US$ 100. Houve pressão dos sites chineses e foi uma medida impopular tentar acabar com a isenção. A ideia seria tributar as plataformas, mas, no fim, o ônus fiscal ficaria com a pessoa física e ainda inviabilizaria esse tipo de negócio”, diz.

Ele lembra haver uma disputa entre os varejistas brasileiros e os estrangeiros. “A pressão pelo fim da isenção do imposto de importação é um clamor do varejo. Quando uma empresa brasileira vende para o consumidor, paga ICMS, PIS/Cofins e IPI. O site estrangeiro não paga nada. Não tem como competir contra uma empresa que não paga imposto”, diz.

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