Incertezas fiscais e sobre troca de comando do BC são obstáculo à queda da Selic, diz economista

Para José Júlio Senna, da FGV e ex-diretor do BC, ‘reduzir a inflação não é o mais difícil, o duro é mantê-la baixa’; segundo ele, Selic deve ficar na faixa de 9,5% a 9,75% no fim do ano

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Foto do author Márcia De Chiara
Atualização:
Foto: Werther Santana/Estadão Conteúdo
Entrevista comJosé Júlio SennaChefe do Centro de Estudos Monetários do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas

Os Bancos Centrais do Brasil e dos Estados Unidos enfrentam hoje desafios muitos semelhantes para conduzir a política monetária. Em ambos os países, as expectativas de inflação estão desancoradas, a atividade econômica e o mercado de trabalho se mostram aquecidos, e há indicações de que a inflação não está convergindo para a meta, observa o economista e ex-diretor do BC José Júlio Senna, atual chefe do Centro de Estudos Monetários do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV).

Segundo ele, um princípio dito décadas atrás por Paul Volcker, economista que presidiu o Fed, o Banco Central americano entre 1979 e 1987, tem uma importância enorme nos dias de hoje e deve estar norteando a conduta dos dirigentes dos Bancos Centrais. “Reduzir a inflação não é o mais difícil, o duro é mantê-la baixa”, afirmou Senna, repetindo o ensinamento de Volcker.

O economista do Ibre/FGV lembrou que um recente estudo do Fundo Monetário Internacional (FMI) confirmou que o ex-presidente do Fed estava certo. A seguir, os principais trechos da entrevista.

É possível traçar um paralelo entre o quadro atual dos indicadores da economia dos EUA e do Brasil em um dia que os Bancos Centrais dos dois países se reúnem para tomar decisões de política monetária?

Os Bancos Centrais dos dois países enfrentam desafios muito semelhantes. A desinflação está acontecendo tanto nos EUA quanto aqui, mas grande parte disso tem a ver com a reversão dos choques. A inflação da pandemia não foi só fruto de choques. Houve estímulos de política econômica também, tanto fiscal como monetária. Estímulos de demanda levam a inflação para cima e isso produz inércia, afeta expectativas e há efeitos de contágio. A inflação costuma ser um fenômeno persistente. Grande parte dos efeitos dos choques foi revertida. Está faltando agora a famosa “última milha”. Vencer essa etapa está se mostrando mais difícil do que muita gente esperava.

Ex-diretor do BC, José Júlio Senna hoje dirige o Centro de Estudos Monetários do Ibre/FGV Foto: WERTHER SANTANA/ESTADÃO CONTEÚDO

Qual é o quadro nos EUA?

As expectativas de inflação estão desancoradas, estão em 3%, e a meta é de 2%. Os relatórios de inflação não dão confiança de que, de fato, a inflação está convergindo para a meta. E o principal fator é que, para a inflação atingir a meta, a economia tem que crescer menos do que o potencial. O potencial da economia americana é de 1,80%. Há um ano e meio, a economia dos EUA cresce a 3%. A variável chave para o combate à inflação chama-se condições financeiras e ela parece estar frouxa. Por isso, a atividade está aquecida e o mercado de trabalho também.

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E no Brasil?

Da mesma maneira que os relatórios de inflação nos Estados Unidos não estão dando confiança de que a inflação está convergindo para a meta, no Brasil acontece a mesma coisa. Usando a média móvel de três trimestres, os preços livres estão subindo ao ritmo de 6% ao ano, os subjacentes estão subindo 5,70%. A média dos núcleos não está tão alta, mas se elevou um pouquinho recentemente e está em 4%. Então, não são números confortáveis. Da mesma forma que nos EUA, o relatório de inflação do IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) não está dando confiança de que, de fato, estamos a caminho da convergência para a meta. Para 2025, que é o que importa, a projeção do BC é 3,20% e a expectativa de inflação é de 3,5%, arredondando. No Brasil, a economia está com desempenho melhor do que o previsto, conforme os dados apontados pelo monitor do PIB, pelo mercado de trabalho aquecido e venda no varejo melhor do que o esperado.

Por que, no Brasil, as expectativas não estão convergindo para a meta?

Por dois fatores. Primeiro, pelas incertezas no lado fiscal. Ainda não temos confiança plena de que as contas públicas estarão bem equilibradas lá na frente. Outro ponto é a incerteza relacionada com a troca de comando do Banco Central no final do ano. Não estou entrando no mérito sobre as qualificações dos indivíduos. Mas os analistas de mercado não têm segurança sobre a continuidade da política monetária. Essas incertezas fazem com que as expectativas fiquem em 3,5%. Esse é um grande obstáculo à redução dos juros. Se as expectativas não convergem, o BC tem que praticar uma política monetária mais apertada. Essa é a grande questão do momento. Eu estou convencido de que os dirigentes atuais do BC concordam plenamente com o princípio do Volcker (Paul Volcker, economista que presidiu o Fed entre 1979 e 1987), dito décadas atrás e que, para os dias de hoje, tem uma importância enorme.

Qual é esse princípio?

Segundo Volcker, reduzir a inflação não é o mais difícil, o duro é mantê-la baixa. Esse é o ponto fundamental. Curiosamente, economistas do Fundo Monetário Internacional (FMI) publicaram um estudo recente onde foram analisados 111 episódios de surtos inflacionários no mundo em mais de 50 países. O resultado é extremamente interessante. Em 60% dos casos, o combate à inflação trouxe a inflação para onde ela estava antes do choque. Mas em 40% dos casos não houve sucesso. Em 90% dos casos de insucesso, a inflação caiu durante três anos significativamente e depois voltou. Então, nós estamos há três anos nessa luta de desinflação.

O sr. acha que o Brasil está nessa situação?

Acho que temos dificuldades como os EUA têm e todo mundo tem. Nada garante que vai dar certo. A evidência está apenas mostrando como é difícil que dê certo e como Volcker estava certo. Também acho que os dirigentes do BC seguem outro princípio fundamental no caso presente: não basta levar a inflação para a meta, tem que mantê-la na meta. O estudo do FMI deixa claro como isso é difícil.

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A queda na popularidade do atual governo pode ter desdobramento da política monetária?

Precisa ver qual será a resposta do governo a isso. Será que irá envolver mais gastos públicos, mais intervenções no sistema econômico? Os sinais que a atual administração tem passado só tornam as preocupações que existiam maiores.

Por conta desse cenário, até quando os juros vão cair no Brasil?

Para lidar com todas as dificuldades, o BC já declarou que vai manter os juros em território restritivo, contracionista. Quer dizer que os juros reais, a Selic menos a expectativa de inflação, devem estar acima do juro neutro, que é 4,5%. Quanto que o juro real de política monetária tem que ficar acima do juro real neutro? A pesquisa Focus (do Banco Central) indica que no final do ano teremos 9% de Selic nominal. Acho muito difícil chegar em 9%. Na minha opinião, o juro deve ficar mais na faixa de 9,5% a 9,75%. Seria mais restritivo do que as previsões do Focus, mas é o que precisa ser feito no momento e acho que vai acabar acontecendo.

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