BRASÍLIA - Em dezembro de 2023, os irmãos Atem — Dibo, Miquéias e Nadson — entraram em um novo ramo de atuação: ofereceram quase R$ 8 milhões por quatro blocos de exploração de petróleo em terra no Amazonas e também se tornaram sócios da empresa de energia Eneva em um quinto bloco.
Foi o mais recente movimento do trio, que já foi sócio da distribuidora de energia do Amazonas (a Amazonas Energia) e hoje está no centro de uma guerra no setor de combustíveis. A Refinaria do Amazonas (Ream), que eles compraram da Petrobras em 2022, foi agraciada com um benefício fiscal inédito na reforma tributária que, para seus concorrentes, criará uma distorção que ampliará a presença dos irmãos Atem para além da Região Norte.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sanciona nesta quinta-feira, 16, o primeiro projeto de lei com as regras de funcionamento do sistema tributário após a reforma aprovada no Congresso. No artigo 441 reside a polêmica envolvendo o Grupo Atem, dos irmãos amazonenses.
Nele, pela primeira vez desde 1967, uma refinaria de petróleo terá acesso aos benefícios industriais da Zona Franca de Manaus. Nem a Petrobras, que era a dona da refinaria, conseguiu tal feito.
Petróleo, combustíveis e lubrificantes são vedados da lista de produtos aptos a receber o benefício da Zona Franca de Manaus, que reduz e até zera a incidência de impostos sobre atividades desenvolvidas na região.
Leia também
A Atem sustenta que a atividade de refinar o petróleo para vendê-lo nunca esteve na lista de vedações. Pelo menos não até 2021, quando o governo Jair Bolsonaro fechou essa porta involuntariamente num episódio também controverso.
O então presidente sancionou um projeto de lei e horas depois mandou publicar um novo Diário Oficial, retrocedendo e vetando a trava ao refino. Na ocasião, a virada de chave de Bolsonaro foi atribuída à bancada de parlamentares do Amazonas, notadamente ao líder do MDB, Eduardo Braga (AM), que negou a articulação.
A controvérsia sobre o que deveria valer, afinal, se a sanção ou o veto, foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF), que em 2024 deliberou que petróleo está fora da Zona Franca, pelas regras em vigor.
Mas a pendenga não foi encerrada. Braga tentou reinserir a atividade na Zona Franca na emenda constitucional que instituiu a reforma tributária, em 2023, mas o intento não vingou. Na nova tentativa, em 2024, o refino foi contemplado no primeiro projeto de regulamentação da reforma.
O texto ficou assim: petróleo, lubrificantes e combustíveis são vedados do benefício, “exceto para a indústria de refino de petróleo localizada na Zona Franca de Manaus”. Para os concorrentes, uma ajuda sob medida para o grupo Atem.
É este o projeto de lei que ficou sobre a mesa do presidente Lula nos últimos dias e provocou um intenso debate entre técnicos de seis ministérios sobre vetar ou não a iniciativa. Distribuidores de combustíveis e produtores de petróleo, que concorrem com o Grupo Atem, consideram que ficarão em desvantagem, uma vez que os benefícios concedidos à empresa extrapolam a margem de lucro da atividade, além de criar um incentivo para se produzir combustível fóssil no coração da Amazônia.
Já a empresa alega que tem direito de entrar na Zona Franca e que, sem o incentivo, a produção local é insustentável (veja mais abaixo).
Desde 2017, a Atem vende combustível importado com isenção de tributos federais. A vantagem foi obtida por meio de uma liminar, em vigor ainda hoje. De janeiro de 2023 a junho de 2024, segundo o Portal da Transparência do governo federal, a distribuidora Atem’s usufruiu de R$ 139,938 milhões em benefícios, não recolhendo tributos sobre a revenda de combustível importado.
Embora sustente que esse combustível não sai da Zona Franca de Manaus, relatório interno da Receita Federal produzido em 2018, inserido no processo que contesta a liminar, afirma que, naquele ano, e em 2017, as vendas chegaram a mais Estados da Região Norte e ao Mato Grosso.
Um executivo do setor afirma, sob condição de anonimato, que essa renúncia, acumulada ao longo do tempo, formou o colchão necessário para a expansão dos irmãos Atem, permitindo que crescessem para novos ramos de atuação, como o refino e mais tarde a exploração de petróleo.
Fernando Aguiar, CEO do Grupo Atem, tem uma versão diferente. Conta que, em 2016, a história da companhia mudou, quando passou a fornecer diesel para usinas termelétricas da Região Norte.
Então operadas pela Eletrobras (hoje elas pertencem aos irmãos Joesley e Wesley Batista, da J&F), essas usinas passaram a responder por 40% do faturamento do Grupo Atem, que construiu um porto em Manaus para receber navios de grande porte com combustível importado. Hoje, diz ele, esse negócio representa 20% do faturamento.
As geradoras são fornecedoras da Amazonas Energia, distribuidora de eletricidade do Estado. Em 2018, vendo a chance de ganhar sinergia no negócio termelétrico, os irmãos decidiram comprar a companhia. Associaram-se ao empresário Orsine Oliveira, dono do Grupo Oliveira, fizeram uma oferta irrisória e levaram por R$ 50 mil a Amazonas Energia, então estatal e da qual a Eletrobras queria se livrar.
Apesar da experiência em distribuição de combustível no meio da Amazônia, os irmãos se viram incapazes de seguir no intrincado negócio e venderam a sua parte dois anos depois, com a participação que tinham na distribuidora de energia de Roraima.
No setor de combustíveis, o movimento foi oposto. De uma participação de mercado de 37% no Amazonas em 2017, eles superaram 50% em 2024. Passaram a vender não apenas na Região Norte, mas no Centro-Oeste e no Nordeste. Segundo dados da ANP, a Atem vende combustível também em São Paulo, Santa Catarina e no Paraná por meio de postos próprios ou revendendo para os de bandeira branca.
Aguiar afirma que o combustível que sai da Zona Franca não é incentivado e a empresa faz o recolhimento à parte do imposto quando a transação excede as fronteiras da região.
Refinaria é ‘Chevette 89’ e não sobrevive sem desconto em impostos
No ano passado, o Grupo Atem decidiu parar a produção da refinaria. Desde junho, não é fabricada uma gota de combustível na unidade, o que levou o sindicato dos petroleiros a denunciar uma suposta tentativa da Atem de encerrar a produção e focar apenas na importação de combustíveis.
Fernando Aguiar afirma que esse não é o plano da companhia, mas sim retomar em meados deste ano o refino de diesel e gasolina no Amazonas. A capacidade de 46 mil barris/dia será a mesma, mas as instalações de tancagem e as torres de processamento do petróleo estão passando por uma reforma profunda, diz ele.
Evaristo Pinheiro, que preside a Refina Brasil, entidade que reúne seis grupos privados de refino no País, diz que a refinaria do Amazonas é um “Chevette 1989”, referindo-se à tecnologia implantada e mantida pela Petrobras durante anos na Região Norte.
“Era uma refinaria pronta e que, por falta de manutenção, refinava menos. Foi vendida pela Petrobras e quem comprou vai investir R$ 400 milhões para refazê-la. Eu visitei. Com o perdão da palavra, estava uma calamidade”, diz Pinheiro.
Quando defendeu o benefício para a refinaria no Senado, em dezembro, Eduardo Braga asseverou: ou o benefício tributário era aprovado ou a Petrobras deveria recomprar o ativo.
Fernando Aguiar não discorda do diagnóstico, nem mesmo da comparação com um Chevette fabricado nos anos 1980. Ele nega, contudo, que haja conversas com a Petrobras sobre uma eventual devolução da refinaria.
“Sobre essa conversa de venda (para a Petrobras), a gente nunca recebeu nenhum contato da Petrobras e nunca provocamos essa conversa”, afirma.
Aguiar argumenta que a operação no Amazonas tem custos elevados que justificam o benefício: a compra do óleo de Urucu (região produtora no Amazonas que fica em Coari, a 650 km da capital) pagando um preço acima do normal pelo transporte via gasoduto, a despesa com estocagem e a de levar navios pelo rio até Manaus.
“Se não tiver incentivo, esse negócio não se sustenta do ponto de vista financeiro”, afirma. “Se houver o veto, vou ter de transformar a refinaria em um terminal (portuário e de estocagem) para importar e expedir produto importado para reduzir o custo fixo e o consumo de energia. Isso deixará a região 100% dependente de combustível importado.”