BRASÍLIA E SÃO PAULO - O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva quer fazer uma discussão ampla e tripartite (patrões, sindicatos e governo) sobre as mudanças na legislação trabalhista antes de propor alterações nas regras, num modelo que foi testado nos seus dois mandatos na Presidência. Mas Lula deve enfrentar resistência dos partidos do Centrão no Congresso caso opte para uma contrarreforma ampla.
Entre os formuladores das diretrizes do programa de governo petista para o mercado de trabalho, o fortalecimento dos sindicatos é central, além de mudanças nas regras de terceirização, do trabalho intermitente (por horas de trabalho) e a garantia de direitos mínimos trabalhistas para trabalhadores informais, entre eles os de aplicativos.
Durante a campanha eleitoral, após o ruído provocado pela polêmica em torno da promessa de um “revogaço” da reforma trabalhista, Lula e aliados foram adaptando o discurso para uma revisão de pontos da proposta aprovada há cinco anos.
Na campanha, Lula escalou o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin (hoje coordenador do governo de transição) para tranquilizar os empresários. Nesses encontros, ele garantiu que as propostas de mudanças de um eventual governo de Lula não iriam rever o princípio do acordado sobre o legislado, base da reforma trabalhista. Alckmin garantiu também que não haverá a volta do imposto sindical. Mas esses pontos seguem em aberto e não saíram da discussão.
Especialista em mercado de trabalho, o pesquisador do IBRE/FGV Fernando de Holanda Barbosa Filho avalia que a reforma trabalhista foi muito bem feita. Ele torce para que o Congresso não reverta as mudanças, principalmente os pilares: o acordado sobre o legislado e o regime do trabalho intermitente por hora de serviço.
“Veio resolver problemas que tínhamos do negociado sobre o legislado e deu o que a legislação não tinha, que era uma flexibilidade ao longo do vínculo de trabalho”, ressaltou. Essa falta de flexibilidade, diz, fazia com que, em momentos de crise, a saída fosse a demissão do trabalhador.
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Para ele, a reforma trabalhista deve reduzir de forma permanente o desemprego. “Quando olhamos o mercado de trabalho, o desemprego está abaixo do que as pessoas esperavam”, ressalta. Ele já prevê pressões no setor de serviço no mercado de trabalho, o que indicaria que está acima do pleno emprego agora. Ele defende também a terceirização, ao permitir que as empresas se concentrem no que elas têm de melhor para atuar.
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Para Marcelo Manzano, pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho do Instituto de Economia da Unicamp, a redução dos números de processos na Justiça após a reforma trabalhista indica que os trabalhadores estão perdendo acesso às reivindicações sobre seus direitos. Depois que a proposta foi aprovada pelo Congresso, o Centro da Unicamp montou um projeto de pesquisa para acompanhar os efeitos da reforma.
Manzano integra a Fundação Perseu Abramo (braço do pensamento econômico do PT) e colaborou nas discussões do programa de Lula. Ele ressalta que a informalidade tem crescido no País com o avanço das “políticas ultraliberais”. “O trabalhador de aplicativo não tem nem o patrão que ele consegue localizar, é uma relação muito precária. A reforma fez avançar esse mundo da informalidade”, argumenta.
Segundo ele, um dos desafios a serem enfrentados na reforma é o que ele classifica de “figura esdrúxula” do trabalho intermitente. “Significa que formalmente o trabalhador está empregado na empresa X, mas não há nenhuma garantia que na próxima semana terá horas de trabalho efetivas que garantam uma remuneração mínima para sustentar a vida.”
Para ele, a proposta de Lula tem de trazer mudanças do financiamento da seguridade social. “O desafio é pensar em direitos trabalhistas que independem de vínculos”, afirma, destacando que hoje esses vínculos são muito “fluidos”. Ele defende que todas as pessoas que tenham uma atividade laboral e que estejam contribuindo para o aumento do PIB devem ter direitos mínimos, como férias, descanso semanal, seguro desemprego e licença-maternidade.
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