O grupo de trabalho da reforma tributária estuda fixar duas alíquotas diferenciadas do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) para beneficiar setores que temem ser prejudicados com as mudanças, principalmente o de serviços, disse ao Estadão/Broadcast o deputado Mauro Benevides (PDT-CE), um dos integrantes do GT. A equipe escalada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para negociar a reforma tem se reunido com representantes de diversos segmentos da economia e deve apresentar seu relatório final em maio.
A ideia, segundo o parlamentar, é que as duas novas alíquotas sejam inferiores à alíquota geral de 25% do imposto sobre consumo que será criado pela reforma com a extinção de tributos federais (IPI, PIS e Cofins), estaduais (ICMS) e municipais (ISS). Há consenso no GT sobre a inclusão de serviços de saúde e educação no tratamento diferenciado. Também se discute atender segmentos do agronegócio e o transporte público.
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Os porcentuais das novas alíquotas ainda estão indefinidos. “Nós vamos ver que setores se adequam numa [alíquota] e que setores se adequam em outra. Vai depender do custo que cada um tem hoje”, disse. De acordo Benevides, os integrantes do GT vão levar os dissensos sobre a reforma, incluindo a questão das alíquotas diferenciadas, ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a partir da semana que vem, quando o petista volta da viagem à China.
A expectativa é que haja uma reunião por semana dos integrantes do GT da Tributária com o chefe da equipe econômica daqui para frente, sempre às sextas-feiras. Havia uma previsão de apresentar ainda nesta semana uma lista de consensos sobre a reforma formados internamente desde a criação do grupo, mas o anúncio foi adiado porque os deputados querem “bater o martelo” com o governo.
“Nós podemos ter duas novas alíquotas além da alíquota de referência para que a gente possa contemplar todas as preocupações que existem de aumento de carga”, disse o deputado. “O setor de serviços, educação e saúde, são os mais apavorados. Eles pagam entre 11,75% e 12,80% [de imposto] e estão com medo de pagar 25%. Então, nós vamos usar pelo menos uma alíquota de referência e mais duas. São três alíquotas. Eles já vão ficar mais tranquilos”, disse Benevides.
A discussão de alíquotas diferenciadas para alguns setores tem pautado a discussão da reforma tributária no Brasil. Especialistas com experiência internacional, como a portuguesa Rita De La Feria, porém, acreditam que o melhor modelo é de uma alíquota única com ajuda direta aos mais pobres -- países europeus também adotaram alíquotas diferenciadas, o que acabou prejudicando os mais pobres e criando litígios na Justiça. Segundo ela, benefícios são dados não por razões técnicas, mas porque há setores com poder muito grande, que fazem uma pressão muito grande.
No último dia 5, entidades do setor de saúde enviaram uma carta ao GT na Câmara para pedir tratamento diferenciado no texto da proposta. As associações, que se reuniram com o secretário extraordinário para a reforma tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, argumentam que os produtos de saúde são essenciais e, por isso, não deveriam entrar na alíquota única de imposto sobre o consumo.
A ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, também tocou no assunto em audiência no GT no último dia 4. “Nós sabemos que o setor de serviços é o que está mais preocupado com a reforma tributária. Então, há que se discutir naqueles setores, especialmente aqueles mais relevantes, como educação e saúde, é possível discutir uma questão de alíquota diferenciada”, disse. Tebet frisou, contudo, que a decisão sobre tratamento tributário diferenciado cabe ao Congresso. A reforma, segundo ela, é a “bala de prata” do governo para gerar crescimento econômico.
O vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, foi outro integrante do governo que falou em tratamento tributário diferenciado para setores específicos. “Para alguns setores que estão preocupados, tem solução, resolve. Nós precisamos ter um imposto, mas podemos ter até mais de uma alíquota. É simplificar o modelo”, disse, no último dia 4, em evento de posse da nova diretoria da Frente Parlamentar pelo Brasil Competitivo, presidida pelo deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP).
O GT da reforma discute hoje uma fusão entre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/19, de autoria da Câmara, e a 110/19, que tem origem no Senado. A ideia é criar um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual, ou seja, com uma alíquota cobrada pela União e outra pelos Estados e municípios. A PEC 45 tramitou em comissão especial na Câmara, com relatoria do deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), que agora também é o relator da reforma no GT e no plenário.
De acordo com Benevides, a preocupação do agronegócio, por outro lado, não é necessariamente com a alíquota do IVA. “O agro está preocupado com o crédito presumido. Como vão acabar todos os incentivos fiscais, esse crédito presumido vai acabar. E aí, qual a preocupação deles? Que eles compram de 180 mil pequenos produtores que não emitem nota fiscal. Não emitindo nota fiscal, eles não têm como dimensionar qual é o tamanho desses créditos, que hoje abate naquilo que vende”, afirmou o deputado.
Fundo de compensação
Segundo Benevides, o Fundo de Desenvolvimento Regional, que será criado com a reforma para evitar que os entes da federação percam receita, será abastecido com o aumento da arrecadação dos Estados consumidores. Na visão do deputado, será difícil a União também financiar o fundo de compensação, que pode durar por um período de transição de até 20 anos.
“Hoje, quando o Ceará compra uma mercadoria de São Paulo, a alíquota do ICMS é 18%, então 7% fica para São Paulo e o Ceará fica com 11%. Quando eu trocar para o princípio de [tributação] no destino puro [da mercadoria], todos os 18% vai para o Ceará. Então, os Estados produtores poderiam perder receita”, disse o parlamentar.
“Como vamos compensar isso? Os Estados consumidores vão aumentar a receita, mas só vão sentir que aumentaram depois que desse aumento a gente tirar a compensação dos Estados produtores, que é a receita observada no ano da publicação da Emenda Constitucional acrescida pelo IPCA”, emendou.
Em entrevista ao Estadão/Broadcast no último dia 4, o coordenador do GT da reforma, deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), afirmou que o “ponto de partida” das negociações é um repasse de R$ 48 bilhões por ano para esse fundo de compensação.
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