ESPECIAL PARA O ESTADÃO - Em seu segundo mandato, Ary José Vanazzi (PT), presidente da Associação Brasileira de Municípios (ABM), afirma que vai insistir na defesa da inclusão de impostos mais elevados para grandes fortunas no texto da reforma tributária a ser avaliado pelo Senado. Bandeira do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do mesmo partido de Vanazzi, a taxaçao dos “super-ricos”, diz o prefeito, ajudaria a ampliar o “bolo tributário” a ser dividido entre os entes federativos, principalmente os de pequeno porte, e a promover uma melhor “justiça tributária”.
Para Vanazzi, prefeito de São Leopoldo (RS), há vários avanços na reforma que ele espera que sejam mantidos. “O problema é que o Estado brasileiro está amarrado em uma espécie de parlamentarismo que inviabiliza qualquer forma de ampliar investimentos em nossas cidades”, diz. A seguir, trechos da entrevista.
Quais as principais demandas para a reforma tributária nessa fase de votação no Senado?
Nosso propósito principal é que os municípios não percam, mas ampliem receitas para poderem atender suas necessidades. Ao longo dos anos, os municípios foram assumindo serviços enquanto os repasses de recursos diminuíram. A reforma precisa ampliar a participação dos municípios no bolo tributário, principalmente para aqueles de pequeno e médio portes. Para compor essa nova receita, uma das medidas seria fazer com que quem ganha mais pague mais, promovendo uma justiça tributária. É inadmissível que um país como o nosso não tenha taxação específica sobre grandes fortunas, grandes setores econômicos e grandes propriedades. A melhor distribuição da carga tributária vai ajudar a melhorar a condição de vida dos mais pobres, que são 70% da população.
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Esse pedido está inserido no texto aprovado no Congresso?
Uma parte está, o que já é um avanço, pois, infelizmente, na composição do atual Congresso a ideia de ampliar a divisão dos recursos e das receitas é defendida por uma minoria. As grandes bancadas — da bala, do agronegócio etc —, não têm essa visão. Quem não tem grande representatividade, como os pequenos e médios municípios e os pequenos empreendedores, sempre perde nessa disputa. Em alguns casos, com nossa força política e pressão do próprio governo conseguimos avançar um pouco.
A demanda por garantia de maior justiça na redistribuição de tributos está contemplada?
É um dos itens não totalmente contemplados, por isso está na nossa pauta. A questão é que o governo enfrenta pressões de vários setores, mas precisa manter a receita. Não defendemos aumento de impostos, e sim um melhor equilíbrio na distribuição das receitas. E, para nós, o equilíbrio está focado em alguns setores que historicamente não têm contribuído com o País do ponto de vista tributário. Por exemplo, há incentivos fiscais para setores que não precisam. Queremos que todo mundo contribua e pague aquilo que é sua responsabilidade e obrigação.
O que já está no texto que é importante para os municípios?
Entre as questões importantes está a inclusão da carne na cesta básica. É importante para nossas cidades porque faz com que ocorra uma inclusão maior da população excluída do processo de consumo. Mas, para compensar uma eventual perda na arrecadação, não se pode criar novos impostos, e sim avançar sobre o que já existe no marco tributário e na cobrança de impostos sobre os setores que pagam pouco e têm vantagens econômicas.
O que mais a ABM tentará incluir?
O Estado brasileiro tem muitos programas estruturais para lançar na distribuição de renda e na inclusão social. Por exemplo, o Minha Casa, Minha Vida, o Bolsa Família e recursos para o pequeno empreendedor. Muitas vezes, porém, por estarmos calcados em uma espécie de parlamentarismo e em emendas parlamentares, o governo não tem receita para isso. O Estado está amordaçado, amarrado nesse modelo que inviabiliza qualquer forma de ampliar investimentos em nossas cidades e de realizar planejamento estratégico. O governo e a sociedade precisam olhar com determinação, resolver esse problema ou diminuir a incidência parlamentar sobre os recursos que há no País, porque isso desestrutura qualquer cidade e qualquer Estado. Nós vamos retomar esse debate e buscar alternativas para que haja melhor distribuição de recursos a partir do orçamento da União, via programas e projetos estratégicos para as cidades.
Há riscos de alterações no texto que será votado no Senado que podem onerar os tributos e incluir mais ‘jabutis’?
Como o Senado é uma casa revisora, historicamente nossa experiência é que é um espaço um pouco mais tranquilo, é um lugar onde os senadores, pelas suas características e papel, têm ouvido mais a gente, pede estudos mais aprofundados sobre os temas, têm tido mais sensibilidade com os municípios. Acho que vamos ter debates difíceis e poderá, sim, haver iniciativas por parte de grupos e bancadas para pressionar o Senado a retroagir em alguns pontos da reforma, mas vamos fazer nosso papel.
A ABM já está em negociações com senadores?
Quando o Senado começar a debater essas questões, vamos interferir. Também queremos a garantia do que já foi conquistado. Os grandes debates e propostas têm sido feitos por meio do conselho da Confederação Nacional de Municípios (CNM). Estamos articulando com senadores que estão em um movimento municipalista, até porque alguns deles já foram prefeitos.
Cite um exemplo do que já foi conquistado que a ABM não quer que seja alterado?
A questão do ISS, que é um tributo municipal. A unificação com o ICMS é importante desde que nossa receita seja mantida. O que quero dizer com isso? Há municípios que têm receita muito maior e podem perder um pouco. E eles estão fazendo lobby para não perderem o que já têm, mas 90% das cidades não têm acesso a esse ISS. Por exemplo, a arrecadação com serviços de telefonia e de cartão de crédito muitas vezes é concentrada em uma cidade. Nossa tese é de que o substituto do ISS tenha a mesma proporção para todos, não só para a cidade onde é depositado. Se o município tem 10 mil habitantes e concentra recursos que dariam para 200 mil habitantes, vai ficar com o ISS para 10 mil e o restante vai repartir com os demais. É isso que não queremos que recue, ter uma partilha justa, que fique onde foi gerado e não só onde é feita a cobrança.
O sr. acredita que a simplificação da cobrança vai resultar em administração mais eficiente e redução de evasão fiscal?
Na verdade, vai desburocratizar esse emaranhado de leis de tributação federal, estadual e municipal que gera disputas tributárias, fiscais e por instalação de empresas. Já há um avanço extraordinário porque o tributo será pago, irá para a Fazenda federal e imediatamente será redistribuído. Hoje, cai na malha do Estado que demora a repassá-lo aos municípios e muitas vezes vai para Brasília, leva um tempo para voltar às cidades e parte fica no meio do caminho. A nova legislação desburocratiza, dá mais agilidade, transparência, mais controle e fiscalização.
Dados de 2023 indicavam que 51% dos municípios estavam no vermelho. Esse porcentual se mantém?
Pelos dados mais recentes, eu diria que permanece ou até ampliou. Depende muito do Estado. No Rio Grande do Sul, 470 municípios foram atingidos pelas chuvas, então piorou muito a situação fiscal. Talvez hoje 80% a 90% deles estejam no vermelho, embora o governo tenha tomado algumas medidas, como a antecipação de parcela do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Mas, efetivamente, nossa receita piorou. Também há Estados com outras características onde houve seca (Nordeste) e catástrofes como em Minas Gerais. A situação dos municípios piorou com o agravamento de crises climáticas e com o aumento das demandas principalmente na área da saúde após a crise da covid.
Ao longo do tempo, a reforma pode reduzir o número de municípios que operam no vermelho?
A reforma vai dar um pouco mais de estabilidade, de gestão pública, é um elemento estratégico para quem quer sair do vermelho e planejar suas cidades. A estabilidade jurídica, de gestão, planejamento estratégico e uma continuidade das políticas, independentemente do olhar político de quem assume o governo do Estado ou o federal é muito importante. A Reforma Tributária vai criar uma relação entre todos os entes federados com mais estabilidade. Nos últimos anos vivemos uma guerra fiscal em que um dava isenção, outro não, e isso desequilibrou o ente econômico. A reforma acaba com isso.
Como é a relação dos municípios com os Estados na discussão da reforma?
Há uma discussão coletiva entre os Estados, mas não há uma unidade nacional porque cada um tem uma posição. Apesar disso, há uma pactuação entre os entes federados, o que já é um resultado positivo. Nós somos o agente mais fraco dessa corrente, mas quando os Estados debatem sobre não perder receita e ampliar a arrecadação, os municípios também estão contemplados.
Em quais temas há mais diferenças entre Estados e municípios?
Um exemplo é a guerra fiscal que levou ao fortalecimento de alguns Estados em detrimento de outros. Isso provocou diferenças significativas também nos modelos de gestão pública. Outra coisa que não conseguimos avançar — e que não está na reforma —, são os royalties do petróleo. Há um processo de distribuição mais justa dessa riqueza nacional, mas está na Justiça há muitos anos, e isso é um fator desagregador. Alguns municípios têm todo esse dinheiro, e outros não têm absolutamente nada.
Como o sr. está conciliando as negociações para a reforma tributária e seu trabalho como prefeito na reconstrução de sua cidade, São Leopoldo?
Em maio e junho eu fiquei mais por aqui focado no município, mas temos uma equipe boa na ABM, técnicos e especialistas que acompanham as demandas. Agora estou conseguindo acompanhar mais essa discussão com mais frequência e com um olhar muito cuidadoso. Na cidade já encaminhamos muitas coisas, ela voltou a uma certa normalidade, a gente conseguiu limpar tudo e temos muito investimento para fazer.
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