BRASÍLIA - O secretário especial da reforma tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, afirma que a energia elétrica e as contas de telefone vão ficar mais baratas com a mudança na tributação sobre o consumo. Em meio às reclamações de setores, como o aéreo e o de saneamento, que preveem aumentos de preços por não terem sido contemplados em exceções na reforma, o economista afirma que os preços de muitos produtos tendem a cair, gerando um efeito deflacionário de longo prazo ainda difícil de calcular.
“Todo mundo só olha aquilo que aumenta; ninguém olha aquilo que reduz (de preço). Muito provavelmente as contas de luz e telefone vão reduzir, porque hoje eles pagam mais”, afirma Appy.
Cálculos preliminares indicam que a alíquota padrão do no Imposto sobre Valor Agregado (IVA) ficará acima de 28%. Segundo Appy, esse número já leva em consideração os ganhos esperados com a redução de sonegação, fraudes e inadimplência, avaliados inicialmente em três pontos porcentuais. Ou seja: sem esse avanço esperado na conformidade, a alíquota seria ainda mais alta.
Mesmo assim, ele afirma que haverá um ganho numérico em relação à tributação que existe hoje, além da esperada simplificação com o novo sistema.
“Hoje, se há alguma coisa que podemos chamar de padrão, que paga ICMS e PIS/Cofins, dá 34,4%. Isso, se o ICMS for de 18%. Porque a grande maioria dos Estados já cobra mais”, afirma. “O que é pouco competitivo é o tributo atual.”
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Ele rejeita o argumento dos críticos que afirmam que, ao nível elevado esperado de tributação no novo regime, haverá um estímulo ao contrabando e a outros tipos de fuga do imposto. “Se (a alta tributação) favorece o contrabando, já favorece hoje. Ao contrário: haverá uma redução ao estímulo ao contrabando.”
Produtos industriais que hoje não têm acesso a benefícios tributários certamente ficarão mais baratos, segundo o economista. Em relação aos que têm algum tipo de benesse, vai depender do tamanho do benefício atual.
Outros vão subir, como a conta de água e as tarifas aéreas para o exterior - os dois serão tributados pela alíquota padrão.
“O efeito de longo prazo (da reforma) é deflacionário, porque estamos reduzindo uma série de custos que existem hoje que deixarão de existir, como os custos burocráticos de apuração dos impostos e dos investimentos, além de eliminar distorções alocativas”, diz Appy.
Ele afirma que produtos nacionais tenderão ainda a ganhar competitividade frente a importados. “Tanto no mercado doméstico quanto na importação”, diz. “A produção nacional carrega efeitos cumulativos que vão deixar de existir.”
Appy admite que há produtos e serviços consumidos pelas camadas mais ricas que conseguiram entrar nas exceções para pagar menos impostos, embora não queira exemplificar quais. O cashback (devolução de tributos para consumidores de baixa renda), diz ele, ajuda no sentido oposto - ou seja, de tributar menos os mais pobres.
“Tem coisas aprovadas que são regressivas. Regimes favorecidos que são regressivos, que atendem mais a população mais rica do que a mais pobre. Mas foram decisões políticas”, afirma. “Mas, do jeito que saiu, a cesta de consumo dos mais pobres é um pouco menos onerada do que é hoje, e a cesta de consumo dos ricos é um pouco mais onerada do que é hoje. O efeito não é grande. Mas isso, junto com o cashback, faz com que, em relação ao sistema atual, o novo sistema seja mais progressivo.”
Zona Franca: benefício à refinaria é difícil ser vetado
Dois dias após a aprovação do primeiro conjunto de regras que ditam como vão funcionar os novos tributos, Appy afirma que ainda não tem recomendações de veto sobre o que tramitou no Congresso. O secretário de Relações Institucionais do Palácio do Planalto, ministro Alexandre Padilha, disse que o governo prevê sancionar o texto no fim de janeiro.
Appy afirma que a Fazenda foi contra a concessão do benefício dado ao refino de combustíveis na Zona Franca de Manaus, o que atende apenas uma empresa, a Atem. O incentivo foi incluído no Senado, pelo relator Eduardo Braga (MDB), a partir de sugestão de Omar Aziz (PSD). Ambos são do Amazonas.
Mas a avaliação inicial é que não é possível vetar o dispositivo. Ele evitou dizer se houve excessos nos benefícios à Zona Franca e se eles excedem os que são oferecidos hoje; admitiu apenas que o tema precisa ser analisado.
“Vamos avaliar; mas a nossa avaliação, por enquanto, é de que não tem como vetar (o benefício à refinaria). Do jeito que está redigida a norma, é difícil”, diz.
Em 2025, o secretário espera que o Congresso volte a se debruçar sobre o segundo texto da regulamentação, com regras para a nova tributação. Ele já foi aprovado na Câmara, mas segue sem definição no Senado. A urgência, diz ele, se explica porque é neste texto onde estão as regras para a divisão da receita entre os Estados e municípios e a constituição do chamado Comitê Gestor do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços, o IVA de Estados e municípios) para além de 2025.
“O Comitê Gestor só tem vigência em 2025; então, não tem IBS se não aprovar o PLP 108 (o segundo projeto). E mais: todos os critérios de distribuição de receita entre Estados e municípios estão nesse projeto. Então, tem que ser aprovado o mais rápido possível - lógico, respeitando os tempos do Senado”, afirma.
A primeira prova do sistema virá em 2026, quando as empresas deverão começar a prestar informações ao Fisco. Ao fim, o governo estabelecerá qual deverá ser efetivamente a alíquota inicial de tributação - ela ainda poderá ser calibrada até 2033.
Ainda que o teste ocorra em pleno ano eleitoral, Appy avalia que o assunto só ganhará popularidade na próxima década.
“Isso (a reforma tributária) será tema em 2034, quando as pessoas estiverem sentindo os efeitos da mudança”, diz. “Uma parte importante dos efeitos virá em 2033. E nos anos seguintes, 2034, 2035, 2036 serão anos em que as pessoas verão muito efeito da reforma tributária na organização das empresas, no aumento do poder de compra das pessoas e eficiência econômica.”
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