BRASÍLIA - Originalmente contra qualquer exceção na reforma tributária, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) flexibilizou sua posição, mas agora está na briga ao lado do Ministério da Fazenda para limitar a quantidade de regimes especiais pedidos aos parlamentares pelos mais variados segmentos. Setor mais beneficiado pela reforma da tributação do consumo, a indústria minimiza as reclamações dos empresários de serviços e acredita na aprovação do texto ainda em 2023.
“Desde o início das discussões da reforma, a CNI defendia uma alíquota uniforme sem exceções, nem mesmo para os nossos setores. No mundo todo, a melhor técnica é essa. Apenas IVAs antigos, como o europeu, têm alíquotas diferenciadas. Mas, desde maio de 2021, a CNI flexibilizou a sua posição e passamos a aceitar que alguns segmentos com peculiaridades tenham alíquotas reduzidas”, afirma o gerente-executivo de Economia da entidade, Mario Sergio Telles.
A abertura da indústria a regimes diferenciados seguiu a apresentação do relatório da comissão mista da reforma há dois anos, quando o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) - que segue como relator da matéria - apresentou um parecer propondo tributação favorecida temporariamente para alguns segmentos. Na lista estão educação, serviços de saúde, transporte coletivo de passageiros e rodoviário de cargas, entidades beneficentes de assistência social e atividades agropecuárias, agroindustriais, pesqueiras e florestais.
Serviços financeiros e operações com bens imóveis também demandam modelos especiais de tributação, como ocorre em outros países. Além disso, a Zona Franca de Manaus deve contar com um regime diferenciado para manter a competitividade das indústrias instaladas no polo amazonense.
“O relatório da comissão especial já apontou os setores que, por motivos diversos, justificam um tratamento favorecido, fora da alíquota padrão. Não temos outros setores a serem excetuados. Tem que ser com limites, não pode ser generalizado”, enfatiza Telles.
A preocupação da indústria é acabar tendo que pagar um IVA maior para acomodar benefícios tributários a mais setores que originalmente não estariam contemplados na reforma. O próprio secretário extraordinário do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, já alertou que quanto mais regimes diferenciados entrarem no texto final, maior será a alíquota geral para manter a carga tributária estabilizada. “Concordamos com Appy, que tem que haver limites. Senão, quem ficar fora terá uma alíquota muito, muito elevada. Aceitamos tratamentos favorecidos, mas nesse limite”, repete o executivo da CNI.
Reequilíbrio da carga
Telles rechaça a ideia de que a reforma do consumo seria benéfica para a indústria em troca do aumento da carga do setor de serviços, que pede mais regimes especiais. Ele argumenta que a grande maioria das empresas de serviços está inscrita no Simples Nacional, que ficará de fora da reforma.
“O aumento de tributação em serviços é uma parcela bem pequena do PIB do setor. O consumo de bens industriais é em média muito mais tributado no Brasil, portanto é justo que seja feito algum reequilíbrio de carga, não é uma coisa gigantesca”, rebate.
O executivo alega ainda que a indústria é um setor intensivo em capital, que tem um custo muito alto no Brasil, diferentemente dos serviços. Além disso, ele reclama das dificuldades das fábricas em recuperarem todos os créditos tributários acumulados ao longo da cadeia no sistema atual.
“Montar um escritório de advocacia tem um custo totalmente diferente de se montar uma siderúrgica. Meu crédito tributário não cai do céu, é um tributo que já foi repassado pelos fornecedores”, acrescenta. “Hoje uma academia de ginástica paga 16% de tributo e uma geladeira paga 34%. Isso é certo?”, questiona.
Segundo os cálculos da CNI, o resíduo tributário - de créditos não compensados - chega a 7,4% do preço líquido dos produtos vendidos pelas fábricas. Telles aponta ainda que a indústria é o setor da economia mais exposto à concorrência internacional. “O setor que está no furacão da competição internacional é a indústria, e o sistema tributário nos tira capacidade de concorrer. Exportamos com 7,4% de peso de tributos e nossos competidores com zero. Esse mesmo resíduo impacta o preço dos bens no mercado doméstico contra os importados”, afirma.
Embora alguns estudos projetem que a reforma propiciará um ganho de até 20% no PIB potencial brasileiro nos próximos 15 anos, a CNI trabalha com um cenário intermediário de ganho de 12% de crescimento da atividade nesse período.
“Estamos com uma perspectiva muito positiva. A reforma tem todas as possibilidades de ser aprovada neste ano, finalmente”, avalia Telles. “Existe uma corrida mundial pela indústria, com realocação das cadeias globais de valor. O mundo está em uma disputa muito ferrenha por atrair essas fábricas, mas o Brasil tem um sistema tributário que afugenta a indústria, na contramão do que o mundo está fazendo. Já estamos atrasados e não podemos perder mais uma oportunidade que está passando na nossa frente”, conclui.
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