BRASÍLIA - A Confederação Nacional da Indústria (CNI) decidiu firmar posição contrária à ampliação da lista de produtos com alíquota zero ou com tributação reduzida, como os itens que farão parte da cesta básica nacional na regulamentação da reforma tributária.
Os supermercadistas e o agronegócio mobilizam lobbies no Congresso Nacional para incluir carnes na lista de produtos com tributação zero. Pela proposta feita pelo Ministério da Fazenda, as carnes terão alíquota com redução de 60% em relação à tributação padrão de referência, com exceção de produtos para a alta renda, como foie gras, alguns tipos de crustáceos, salmão e bacalhau.
Segundo o superintendente de Economia da CNI, Mário Sérgio Telles, a orientação da cúpula do setor industrial é que “não vai trabalhar pela inclusão de nenhum item, sob nenhuma hipótese, de redução de alíquota”.
“Não vamos sugerir nenhuma inclusão porque o que a gente quer é que a alíquota de referência seja a menor possível, que é onde todo mundo vai pagar”, afirmou.
A decisão foi deliberada no Fórum Nacional da Indústria, na última sexta-feira, 17, quando os principais líderes do setor se reuniram para deliberar sobre os pontos iniciais da regulamentação da reforma tributária, cuja tramitação deverá começar neste ano no Congresso.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) disse que pretende formar um grupo de trabalho para cada anteprojeto que chegar do Executivo. O primeiro deverá ser formado por seis deputados indicados pelos partidos com maior representatividade na Casa.
Telles argumenta que mesmo os que estão na alíquota reduzida serão prejudicados caso a alíquota padrão do novo IVA (Imposto sobre Valor Agregado) fique muito acima dos 26,5% estimados pelo governo. O porcentual leva em consideração uma lista restrita de exceções, e ficou até inferior ao que havia calculado a CNI em estudo em dezembro: 27,5%.
“Nem todo mundo foi para o tratamento mais benéfico que esperava, e isso tem um aspecto positivo que é a redução da alíquota para todos”, afirma Telles. “O governo foi muito criterioso e, digamos, econômico nas hipóteses de benefícios, tanto (nos itens) na alíquota zero quanto nos de alíquota reduzida. E não foi só a cesta básica.”
O economista afirma que a lista de medicamentos e de serviços de saúde sujeitos à redução tributária também ficou mais restrita. A posição tende a colocar a indústria em oposição a setores do comércio, como os supermercados, e o agronegócio.
“Desde o início, em 2019, nós nunca defendemos exceção alguma. Nós queríamos uma alíquota uniforme para todos. Depois vieram algumas exceções em saúde, educação, alimentos e medicamentos. Nós aceitamos essas reduções. Mas para politicamente aprovar a reforma, que é muito importante. Mas nós nunca defendemos essas exceções”, disse Telles. “Vamos continuar trabalhando para uma menor alíquota de referência possível.”
Nos próximos dias, a CNI vai publicar uma nota técnica com informações a que o Estadão teve acesso. A ideia é que este documento subsidie a atuação de parlamentares simpáticos à indústria no Congresso.
Prazo mais curto para devolução de créditos
A CNI decidiu ainda defender uma alteração no texto legal, durante a tramitação no Congresso, a contragosto da Fazenda. A entidade quer reduzir para 45 dias o prazo para o governo devolver os créditos tributários que forem acumulados pelas empresas - 30 dias para análise e 15 para o pagamento.
Pela proposta oficial, o prazo é de 75 dias e pode chegar a 285 caso a empresa acumule créditos de uma maneira considerada anormal ou fora dos padrões da operação corriqueira da companhia.
Com o IVA, a tributação passa a ser feita a cada etapa da produção, descontando-se o que foi pago na etapa anterior por um fornecedor. A ideia é que cada elo da cadeia pague imposto somente sobre o valor que adicionou ao produto ou serviço prestado.
Dessa forma, o imposto pago na etapa anterior se transforma em um crédito, que empresa poderá usar para abater o que deverá pagar em imposto.
No entanto, haverá empresas que acumularão mais créditos do que têm a pagar, como é o caso de exportadoras ou de empresas que terão tributação zerada.
Neste caso, o governo devolverá o imposto pago por elas, mas fixou um prazo de 75 dias para fazer essa devolução, em operações padrões, e em 285 dias para casos em que o Fisco fará uma investigação.
Mário Sérgio Telles afirma que não há motivo para um prazo mais longo e que há países, como França e Irlanda, que já fazem a devolução em 22 e 25 dias.
O argumento dele é que a reforma já estabeleceu que só haverá crédito depois que o fornecedor efetivamente pagar o imposto. Além disso, o governo delimitou os fatos geradores de crédito e a arrecadação será centralizada.
“Por que que não pode ser mais rápido?”, questiona o economista.
O assunto foi debatido nos grupos de trabalhos que antecederam a apresentação do anteprojeto que chegou à Câmara dos Deputados, mas o setor privado foi vencido. Agora, a CNI deseja convencer os parlamentares a alterar a posição do Executivo no texto da lei.
“Tem uma importância muito grande em reduzir esse prazo porque hoje as empresas se financiam e o capital de giro é muito caro, a taxa de juros é muito elevada. Então a empresa fará uma operação hoje e só daqui a dois meses e meio vai receber. Isso é muito significativo para o custo financeiro”, diz Telles.
Na apresentação do primeiro texto da regulamentação, o secretário extraordinário da Reforma Tributária, Bernard Appy, afirmou que as empresas que participarem de programas de conformidade da Receita terão acesso mais rápido aos créditos.
“Ele disse que as empresas poderão. Agora, esse tema já enfrenta resistência. Os Estados, por exemplo, não querem que haja devolução de créditos sobre mercadorias que foram compradas e estão em estoque”, afirmou.
A CNI quer facilitar o acesso das empresas ao crédito tributário ampliando ainda a lista de fatores que podem justificar uma mudança repentina no padrão da empresa. Pela proposta da Fazenda, variações provocadas por efeitos sazonais são aceitas, assim como mudanças bruscas no volume de créditos decorrentes de compras de maquinário, por exemplo.
Os industriais querem que entre na lista a geração de créditos com a compra de bens intangíveis, como marcas e patentes. Querem ainda garantir que as exportadoras possam usufruir do crédito na hora em que comprarem de seus fornecedores, e não apenas no momento da venda ao exterior, como defende o Fisco.
Caso a empresa fuja ao padrão na geração de créditos tributários, o prazo para ela receber é alongado para 285 dias, uma vez que essa geração se torna suspeita.
“Tem situações como uma empresa que abre uma nova unidade produtiva para exportar. Então ela tem ali um padrão de saldo credor (de créditos tributários) e pode ter uma variação fora do previsto. Ela vai ser punida porque está investindo e abrindo novas unidades”, afirma Telles.
Seletivo é briga para o futuro
O Fórum da Indústria deliberou ainda que não brigará, por ora, pelo Imposto Seletivo. Ainda que tenha ampliado a possibilidade de taxação para produtos como bebidas açucaradas, veículos, extração de petróleo e minério de ferro, a avaliação da CNI é que o grande temor foi afastado: a sobretaxa em alimentos ultraprocessados. Apesar da pressão social, o governo retirou esses produtos sobre os sujeitos ao chamado “Imposto do Pecado”.
No caso da tributação sobre petróleo e minério de ferro, Telles afirma que é algo “péssimo”, mas acabou restrito porque o governo não estendeu o Seletivo a outros minerais e fixou apenas a tributação sobre o ferro, cujo principal uso industrial é na fabricação de aço.
“A gente discorda e vamos tentar lá na frente que a alíquota sobre isso seja zero, na tramitação da lei ordinária”, afirma Telles. “É uma tributação que é cumulativa, que incide na exportação, é uma péssima ideia que veio na emenda constitucional (da reforma tributária, aprovada no ano passado).”
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.