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Reforma tributária: Congresso quer travas para evitar que ‘imposto do pecado’ se torne arrecadatório

Projeto protocolado por 22 frentes parlamentares exige que governo defina metas para produtos alvo do Seletivo, com avaliações anuais e previsão de suspensão da cobrança caso resultados não sejam alcançados

Foto do author Bianca Lima
Foto do author Iander Porcella
Atualização:

BRASÍLIA – Em articulação paralela ao Ministério da Fazenda, o Congresso Nacional apresentou proposta para a regulamentação do imposto seletivo incluído na reforma tributária do consumo, com a previsão de travas para impedir que o tributo se torne arrecadatório e abandone a sua função primordial de regulação.

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O texto também propõe a redução das prerrogativas da Receita Federal e a ampliação do papel de deputados e senadores em futuras avaliações sobre a nova taxação.

Conhecido como “imposto do pecado”, o seletivo tem o objetivo de desencorajar o consumo de produtos e serviços que sejam prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. Mas há um temor, por parte do setor produtivo, de que o tributo acabe servindo a finalidades fiscais, caso haja uma piora nas contas públicas.

Dentre os bens e serviços que podem ser atingidos pela nova tributação estão cigarro, bebida alcóolica, alimentos ultraprocessados e extração de petróleo e minério.

Alimentos ultraprocessados podem ser alvo do novo Imposto Seletivo. Foto: Freepik

O projeto de lei complementar de iniciativa do Congresso, protocolado por 22 frentes parlamentares, exige que o governo defina metas programáticas para cada grupo de produto alvo do imposto, com avaliações anuais e previsão de suspensão da cobrança caso os resultados não sejam alcançados.

No caso do cigarro, por exemplo, caso a meta seja a redução no número de fumantes, isso teria de ser verificado anualmente, com base em dados do Ministério da Saúde. Se o objetivo não for cumprido, a incidência pode ser suspensa até nova avaliação e ficaria vedado qualquer aumento de alíquota.

O texto prevê que as reavaliações sejam conduzidas por comissão especial do Senado, formada exclusivamente para esse fim, e depois submetidas ao plenário da Casa em regime de urgência. Ou seja, uma forma de aumentar o poder dos parlamentares e reduzir as possibilidades do Executivo de elevar a cobrança do seletivo.

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A primeira iniciativa nesse sentido foi aprovada ainda durante a discussão da emenda constitucional, que determinou que as alíquotas do novo imposto dependerão de aprovação de lei ordinária.

Trata-se de uma mudança em relação ao sistema atual do IPI, um imposto originalmente regulatório, que será extinto pela reforma. Hoje, a cobrança do IPI pode ser modificada por ato do poder Executivo, sem passar pelo Congresso.

Para reforçar esse movimento, os parlamentares buscam, ainda, garantir o conceito de autoaplicação a todas as leis complementares de regulamentação da reforma – ou seja, que elas não dependam de normativos posteriores do Fisco para entrar em vigor.

“Todos os projetos serão autoaplicáveis. Não deixarão a oportunidade para a Receita regular, como sempre aconteceu, gerando caos tributário e insegurança jurídica para os negócios”, afirmou Rodrigo Marinho, secretário da Frente Parlamentar do Livre Mercado.

Fontes ouvidas pelo Estadão/Broadcast, porém, afirmam que essa possibilidade é bastante remota e dificilmente encontrará amparo no direito tributário.

Finalidade extrafiscal

Durante a segunda votação da reforma tributária na Câmara, em 15 de dezembro, foi retirada do texto apresentado pelo relator, o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), a menção que havia à “finalidade extrafiscal” do seletivo.

Essa especificação havia sido incluída pelo relator da proposta no Senado, Eduardo Braga (MDB-AM), após causar polêmica a possibilidade de uso do tributo para melhorar o resultado fiscal do governo.

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Isso porque os tributos se dividem em dois grupos: os que têm funções fiscais (arrecadar receitas para financiar o Estado) e extrafiscais (função reguladora, com objetivos diversos de obter receitas tributárias, como incentivar ou desestimular uma determinada conduta).

Agora, na iminência de regulamentação do novo sistema, o assunto voltou ao foco de tributaristas, empresários e parlamentares. O trabalho de elaboração das leis vem sendo capitaneado pela Fazenda, juntamente com Estados e municípios, mas há iniciativas paralelas do Congresso e do setor produtivo, por meio da Frente Parlamentar do Empreendedorismo (FPE) e de outros grupos do Legislativo.

O presidente da FPE, o deputado Joaquim Passarinho (PL-PA), negou que o objetivo da iniciativa seja confrontar o governo Lula, mas disse que é preciso antecipar a discussão. O parlamentar afirmou, como exemplo, que votou contra a PEC da reforma tributária ano passado justamente por não ter tido tempo de conhecer o texto com profundidade.

“Não é para afrontar o governo, que tem seus prazos. Mas serviu também para o governo não deixar para última hora. O governo está correndo para apresentar suas propostas”, afirmou Passarinho. A FPE organizou uma série de grupos de trabalho paralelos nas últimas semanas para ouvir as demandas dos setores econômicos com relação à regulamentação da reforma.

De acordo com o deputado do PL, representantes do governo participaram algumas vezes das discussões desses GTs, que funcionaram à margem do debate na Fazenda. Ele também afirmou que, nos momentos em que não estava presente, o Executivo ficou sabendo por meio de interlocutores o que foi debatido.

Fazenda sinaliza envio de dois projetos

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse nesta segunda-feira, 18, que a pasta estuda enviar ao Congresso dois projetos de leis complementares para regulamentar a reforma. A ideia é de que os textos sejam concluídos ainda em março.

O chefe da equipe econômica afirmou que já pediu audiência pública com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva para apresentar a ele os parâmetros e os princípios que regem a regulamentação.

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O governo instalou 19 grupos de trabalho para elaborar os anteprojetos da reforma tributária. As leis complementares vão definir, por exemplo, além da aplicação do seletivo, quais serão as regras do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência estadual e municipal, e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que é federal; bem como a atuação do Comitê Gestor do IBS, que distribuirá os recursos arrecadados para governadores e prefeitos; e a composição da cesta básica nacional.

Há um receio de que a agenda apertada deste ano no Congresso, com eleições municipais em outubro, possa comprometer o calendário da regulamentação. O relator da reforma na Câmara, o deputado Aguinaldo Ribeiro, já disse que seria “temerário” não regulamentar o Imposto Sobre Valor Agregado (IVA), que reúne o IBS e a CBS, este ano.

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