BRASÍLIA – O governo federal arcará com a maior parcela da fatura da reforma tributária, em discussão no Senado, que muda a forma como é tributado o consumo. Ex-secretária de Fazenda de Goiás, a economista Cristiane Alkmin Schmidt, hoje consultora do Banco Mundial, calcula que o custo da implantação do novo modelo custará R$ 179 bilhões até o fim da década aos cofres da União.
A conta leva em consideração o quanto o governo federal está injetando na reforma tributária em recursos próprios, a preços de hoje. Ainda que a maior parte das queixas venha de empresas, preocupadas com aumento de tributação, e de Estados e municípios, receosos com perda de receita, é a União quem está abrindo o caixa para viabilizar a proposta, avalia Schmidt.
“Nessa reforma tributária, há pelo menos seis pontos dentro do texto em que são impostos custos financeiros para a União”, afirma ela. “A União está sendo generosa, porque sabe que a reforma é essencial para o aumento de produtividade e para o crescimento do País; mas ela precisa se planejar corretamente porque isso, tendo em vista a frágil situação fiscal, pode se complicar no futuro”, alerta a economista, referindo-se a pedidos por mais exceções tributárias e transferências da União para Estados e municípios.
Aprovada na Câmara em julho, a proposta de reforma está em discussão no Senado. O relator, o senador Eduardo Braga (MDB-AM), adiou a entrega do relatório para 20 de outubro. Enquanto isso, é grande o movimento de lobby entre senadores, em busca de tratamento diferenciado na legislação.
Schmidt calculou que, só no atual mandato de Lula, a previsão de gastos da União alcança R$ 29 bilhões. Os recursos federais começam a ser injetados em 2025, quando começa a extinção progressiva do ICMS (imposto recolhido pelos Estados), a ser concluída em 2032.
Serão R$ 8 bilhões em 2025 e R$ 16 bilhões em 2026. O arcabouço fiscal – nova regra para controle das contas públicas – retirou essas despesas do teto de gastos.
Essas despesas serão usadas para financiar o Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais, com o objetivo de compensar as empresas que hoje se beneficiam de incentivos tributários do ICMS e que, assim como o tributo, serão extintos em 2032. O objetivo é acabar com a chamada “guerra fiscal” entre os Estados.
Para evitar um movimento de judicialização em massa, uma vez que as empresas têm contratos que lhes asseguram o acesso ao benefício, a União se propôs a bancar este fundo, que vai durar até 2032 e aportará, ao todo, R$ 160 bilhões. O auge de despesas da União nesta finalidade ocorrerá no próximo mandato presidencial. Em 2028 e em 2029, os repasses para este fundo serão de R$ 32 bi por ano.
Os gastos com este fundo, no entanto, podem aumentar caso prospere uma emenda ao texto original defendida por alguns governadores de estender o benefício a empresas que ainda não têm o incentivo, mas poderiam conquistá-lo até 2032.
Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional
No próximo mandato presidencial (2027-2030), a previsão é de que os gastos totais da União com a reforma alcancem R$ 150 bilhões, nas contas de Schmidt. Além dos benefícios a empresas, passam a entrar na conta da União os repasses para o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional, a ser usado pelos Estados para investir em infraestrutura e em melhorias de condições locais para atrair empresas, uma vez que a atração por meio do desconto de impostos não deverá ser mais viável.
Os aportes do governo federal para este fundo começam com R$ 8 bilhões em 2029 e são crescentes até 2033, quando está prevista a extinção total dos cinco atuais tributos (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS) e a sua conversão para o novo IBS.
A partir daquele ano, o governo federal se comprometeu em bancar de forma perene, ou seja, sem data de validade, R$ 40 bilhões por ano para o FNDR. Em audiência pública no Senado, no fim de agosto, porém, os governadores expressaram contrariedade com o valor do fundo e defenderam que o montante suba para até R$ 120 bilhões por ano, de recursos exclusivamente federais.
Zona Franca
Por pressão de parlamentares da Região Norte, será criado ainda um terceiro fundo, chamado de Fundo de Sustentabilidade e Diversificação Econômica do Estado do Amazonas, bancado pela União. Dessa vez, os parlamentares não incluíram a previsão de despesas. Também não fizeram previsão sobre a sua vigência, no que leva a interpretação de que será perene.
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Neste caso, Schmidt aplicou o mesmo período de vigência do FNDR e atribuiu a despesa a cerca de 15% da arrecadação anual do Estado do Amazonas – que, em 2022, foi de R$ 14 bilhões. O objetivo deste fundo é fomentar a diversificação de atividades econômicas no Estado, ainda que a reforma prometa manter a vantagem tributária para as empresas instaladas na Zona Franca.
Isso só será efetivado em regulamentação, quando o Congresso passar a discutir o novo Imposto Seletivo, que vai incidir sobre produtos danosos à saúde e ao meio ambiente. A reforma prevê que concorrentes de produtos fabricados na Zona Franca sejam sobretaxados com uma alíquota do imposto, mas esse percentual só entra na discussão posterior.
Até lá, o governo federal se comprometeu a garantir que a arrecadação atual do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), tributo que é dividido com Estados e municípios, não desaparecerá. A origem dessa arrecadação passará a ser do Seletivo.
Caso não haja a equivalência, a diferença será bancada pela União. Em seus cálculos, Schmidt optou por não atribuir valores a essa despesa em potencial, pois prevê que o Ministério da Fazenda tratará de ajustar o Imposto Seletivo à atual arrecadação do IPI, justamente para evitar o custo fiscal extra.
“Quando eu vejo muitos dos governadores falando que R$ 40 bilhões é pouco vis a vis as renúncias fiscais que existem hoje, eles estão corretos. O problema é que o Brasil não aguenta dar mais; a União não consegue dar mais. Não é porque o Haddad é ruim, é porque o Brasil está numa situação fiscal muito frágil. A gente já fez uma reforma da Previdência, daqui a pouco vamos ter que fazer outra”, afirma a economista.
Conselho Federativo
Caberá ao governo federal financiar ainda a constituição do Conselho Federativo, órgão a ser criado para gerenciar a centralização da arrecadação do novo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) – que será a junção do ICMS (estadual) e do ISS (municipal) – e a posterior divisão dos recursos.
Embora a governança deste conselho seja alvo de discussão entre governadores, o texto da reforma dá como certo que o Conselho será custeado pela União, com um montante anual equivalente a 0,1% da arrecadação do novo IBS.
A obrigação consta no artigo 14 do texto aprovado na Câmara. Esse porcentual, segundo Schmidt, seria de R$ 5 bilhões por ano, a preços de hoje, considerando a arrecadação do futuro IBS, tendo como base dados tributários coletados pelo IBGE.
A previsão é de que esses recursos sejam aportados por três anos pelo governo federal, de 2026 a 2028, segundo a economista. Caso o valor seja insuficiente, o texto prevê que o governo injete recursos de seu próprio caixa.
Debate fiscal
A soma dessas despesas, mais a pressão por mais expensas às custas do governo federal, deixou Schmidt “assustada” com a baixa preocupação com o problema fiscal no debate sobre a reforma tributária. Ela avalia que despesas inseridas hoje como obrigações da União serão pagas nos próximos mandatos e décadas. Por isso, recomenda prudência a parlamentares, governadores e setores interessados.
“A gente tem de olhar com cuidado. Se eu sou um Estado, se eu começar a querer muito, vou acabar gerando um problema fiscal para a União. Se eu sou parlamentar, tenho que analisar antes de colocar mais custo para União nas leis complementares”, diz ela.
“O cenário internacional não está fácil, a inflação no mundo está resiliente e a China está crescendo bem menos do que no passado. A perspectiva futura é delicada. Então, é preciso muito cuidado, porque muito embora o curto prazo possa estar dando uma sensação de melhora, o cenário futuro é muito desafiador.”
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