A aprovação da reforma tributária pelo Congresso pode ter um reflexo positivo na economia brasileira similar ao visto quando o País controlou a inflação, com o Plano Real, avalia o presidente da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), Isaac Sidney. “Os impactos da reforma tributária sobre o crescimento econômico devem ser expressivos. Me arrisco a dizer que quase do mesmo nível dos ganhos que tivemos quando controlamos a inflação. Só que, claro, num espaço de tempo maior, que decorre do próprio gradualismo da implementação da reforma tributária”, afirma Sidney, em entrevista ao Estadão.
Ele afirma que o momento é “emblemático para o País e a economia”. “Aprovar uma reforma tributária, ainda que não seja a ideal, demonstra maturidade e avanço institucional do País”, diz o representante dos bancos.
Não haverá impacto direto no mercado de crédito, mas benefício indireto, afirma Sidney. “O Brasil perdeu uma grande oportunidade de baratear o custo de crédito”, diz. “Mas, por outro lado, se pensarmos em impactos indiretos, como a melhora que se espera para a economia e para as empresas, com ganhos de produtividade e eficiência, que devem trazer mais crescimento econômico, com certeza, teremos impactos bastante positivos para o mercado de crédito, tanto para pessoas físicas, como para as empresas”, diz o presidente da Febraban.
O texto final da PEC da reforma tributária mantém o espírito da proposta original ou avalia que foi descaracterizado?
Penso que seria pouco realista e até injusto esperar mais do texto da reforma tributária, que sempre consideramos a mãe de todas as reformas que o País precisa. O pior cenário para a economia brasileira seria ficarmos reféns de uma reforma ideal que nunca chegaria, deixando o debate se eternizar.
E, na prática, o texto aprovado mantém a estrutura e a essência da proposta original. Na minha opinião, o Brasil passará a contar com um modelo que irá, gradualmente, romper com o sistema atual, que é um entrave para o crescimento, que afeta a produtividade das empresas e que é fonte de um contencioso descomunal, sem paralelo nos demais países. A aprovação da reforma tributária revela que tanto o Congresso como o governo responderam ao clamor por mudança do modelo de tributação do consumo, o que permitirá um ambiente de negócios mais favorável para as empresas e famílias.
Qual a avaliação do sr. sobre o texto aprovado pelo Congresso?
É bem positivo, é algo que deve ser comemorado pelo simbolismo que representa e pela mudança de perspectiva. Estamos diante de um momento emblemático para o País e a economia. Aprovar uma reforma tributária, ainda que não seja a ideal, demonstra maturidade e avanço institucional do País.
Temos de admitir que uma reforma dessa complexidade só seria aprovada por meio do diálogo e dos esforços do Congresso, governo e sociedade civil, para se alcançar algum consenso e virar uma página de mais de 30 anos de discussões, sinalizando um caminho para o futuro. A reforma é, certamente, um passo largo para o desenvolvimento estrutural da economia e trará ganhos no médio prazo para todos.
Qual será o impacto na economia?
Os impactos da reforma tributária sobre o crescimento econômico devem ser expressivos. Me arrisco a dizer que quase do mesmo nível dos ganhos que tivemos quando controlamos a inflação. Só que, claro, num espaço de tempo maior, que decorre do próprio gradualismo da implantação da reforma tributária, que ainda dependerá de toda uma legislação complementar e de uma fase de transição.
Queria citar alguns exemplos. Em primeiro lugar, o fim da guerra fiscal e a melhor distribuição da carga tributária vão permitir uma alocação mais eficiente dos recursos e, portanto, isso gera ganhos de produtividade para as empresas e para a economia. Segundo, enxergo a redução da complexidade do sistema, o que vai trazer ganhos pela redução dos chamados custos de observância e pela (esperamos) redução da litigiosidade tributária e jurídica de forma geral. Com isso, as empresas poderão dedicar mais tempo ao seu chamado core business, à criação de novos produtos e melhor atendimento aos seus clientes, otimizando o tempo, que hoje é demasiado, dedicado ao planejamento tributário e às disputas nos tribunais.
Por conta disso, estou muito confiante de que, com a reforma, poderemos crescer mais ao longo dos próximos anos.
E qual será o impacto no setor de crédito?
Se pensarmos em impacto direto, infelizmente nossa visão é que será neutro, já que foi mantida a tributação sobre a intermediação financeira, ou seja, sobre o spread bancário, na contramão de praticamente todos as demais economias. Continuaremos sendo umas das seis nações do mundo que tributam o crédito e, nesse ponto, o Brasil perdeu uma grande oportunidade de baratear o custo de crédito, não para os bancos, mas para quem precisa de crédito para consumir, investir e produzir. Basta ver que, na decomposição do spread bancário, cerca de 22% correspondem à carga tributária sobre o crédito e isto inclui os tributos indiretos. Assim, lamentavelmente, aqui perdemos uma oportunidade de nos alinharmos ao resto do mundo e reduzirmos o custo de intermediação financeira.
Mas, por outro lado, se pensarmos em impactos indiretos, como a melhora que se espera para a economia e para as empresas, com ganhos de produtividade e eficiência, que devem trazer mais crescimento econômico, com certeza, teremos impactos bastante positivos para o mercado de crédito, tanto para pessoas físicas, como para as empresas.
Há algum ponto de preocupação?
Sim, pois, vencida a primeira etapa de aprovação da reforma tributária, teremos o desafio de sua regulamentação, já em 2024. Pelo texto aprovado, o Governo tem 180 dias para enviar ao Congresso os projetos de leis que definirão, dentre outros aspectos, a base de cálculo e as alíquotas dos tributos. São pontos tão fundamentais quanto à própria reforma. Não dá pra errar a mão na regulamentação.
Dessa forma, será de extrema relevância a manutenção do diálogo para que seja obtido consenso nesses temas em um prazo adequado. Temos de aproveitar o atual ambiente político-institucional para avançamos rapidamente. Espero que consigamos.