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Reforma tributária gera disputa de números entre setor imobiliário e governo e leva embate ao Senado

Equipe econômica diz que concessões feitas na Câmara equilibram carga tributária do segmento, enquanto entidades apontam impacto nos preços que pode chegar a 12%

Foto do author Alvaro Gribel

BRASÍLIA – A proposta de regulamentação da reforma tributária, aprovada na Câmara, instaurou uma queda de braço entre a equipe econômica e o setor imobiliário – disputa essa que extrapolou os corredores do Congresso, ganhou as redes sociais e deve se intensificar durante a tramitação no Senado. Isso porque o diagnóstico e os números a respeito dos efeitos do novo modelo de Imposto de Valor Agregado (IVA) sobre o segmento e sobre o preço dos imóveis são muito divergentes.

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Enquanto o governo garante que não haverá aumento de carga tributária para o mercado imobiliário, entidades rebatem que há estudos independentes demonstrando o aumento – o que teria como consequência uma alta nos preços dos imóveis no País, com risco de agravamento do déficit habitacional.

Em entrevista ao Estadão, o secretário extraordinário da reforma tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, afirmou que as mudanças feitas pelos deputados – que permitiram uma redução de 40% da alíquota-padrão para o setor, contra 20% da proposta original da equipe econômica enviada ao Congresso – já deixaram a carga tributária em equilíbrio com o regime atual. Isso no caso de transações por empresas, uma vez que, segundo o texto, o IVA não vai incidir sobre compra, venda e aluguel por pessoas físicas.

Além disso, Appy afirma que há redutores automáticos da base de cálculo do imposto e créditos que serão acumulados ao longo da cadeia e poderão ser abatidos. Por isso, garante que o impacto nos preços chegará a, no máximo, 3,5% para imóveis acima de R$ 2 milhões; sendo que, nos imóveis populares, na faixa de R$ 200 mil, haverá queda da ordem de 3,5% nos preços.

Setor imobiliário teme que reforma tributária provoque aumento de carga, com reflexo nos preços; equipe econômica nega.  Foto: Hélvio Romero/Estadão

“A nossa relação com o setor imobiliário foi correta e houve uma discussão muito técnica sobre a carga atual; mas temos hipóteses diferentes. Pelas nossas contas, a redução da alíquota-padrão que mantém a carga tributária atual é próxima de 40%; pela conta deles, precisa ser próxima de 55%. Eles têm como universo as grandes incorporadoras; nós temos a base de dados da Receita (Federal), com todas as declarações de operações imobiliárias”, disse Appy.

Já o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), Renato Correia, e o presidente do Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação ou Administração de Imóveis Residenciais ou Comerciais de São Paulo (Secovi), Ely Wertheim, citam estudos feitos pela Tendências Consultoria e pela FM/Derraik que apontam a necessidade de a redução chegar a 60% da alíquota-padrão do novo IVA – estimada em 26,5% pela proposta da equipe econômica – para manter a carga tributária atual.

“O governo tem sua base de dados e nós temos a nossa, da vida real, que são as nossas contabilidades e valores praticados efetivamente – além de dois estudos de duas consultorias renomadas. Não vejo má-fé em nenhuma das partes; é um debate técnico para se encontrar um consenso neste impasse”, afirmou Wertheim.

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A conta sobre o impacto nos preços, contudo, também diverge dentro do próprio setor. Enquanto Wertheim estima algo entre 2% e 5%, mais próximo dos números da Fazenda, Correia teme que o aumento possa chegar a 12%.

“Se houver aumento de preço, o consumidor é que irá pagar. Os estudos apontam que a carga tributária do setor hoje está em torno de 8%. Mesmo com todas as mudanças na Câmara, ela iria para 16%, o dobro. Isso pode aumentar o preço dos imóveis na ponta em 12%”, afirmou.

Imposto sobre pessoa física

O setor promete mobilização e conta com as redes sociais para pressionar o governo e os senadores. Uma brecha foi apontada na redação do texto que poderia fazer com que aposentados que vivem da renda de imóveis paguem mais impostos – embora a equipe econômica refute essa ideia. Isso porque a proposta diz que está sujeito à cobrança de impostos quem tem imóvel como “forma preponderante em suas atividades econômicas”.

“Imagine um aposentado que recebe R$ 2 mil de aposentadoria, e de dois imóveis recebe R$ 10 mil de locação. Isso é mais do que a aposentadoria. E aí, é atividade preponderante? Não podemos ter essa incerteza”, questionou Wertheim.

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A consultora Melina Rocha, especialista no modelo de IVA dual, que será implementado no Brasil, avalia que não há esse risco, porque todo o direcionamento da reforma é para a tributação de atividades empresariais, e não de pessoas físicas.

“Só vai ser contribuinte do CBS (IVA do governo federal) e do IBS (IVA de Estados e municípios) se estiver desempenhando uma atividade econômica de forma empresarial. Tem de ser de forma habitual, relevante, profissional. Esses três critérios se aplicam ao regime de bens imóveis. Mas o regulamento (a ser feito depois, por normas infralegais) pode trazer critérios mais objetivos para definir o que ocorre nessa situação; não necessariamente precisa estar no projeto de lei (da regulamentação)”, pontuou.

Confusão e nota oficial

De um jeito ou de outro, a dúvida gerou ruídos que foram parar nas redes sociais. A confusão foi tão grande que obrigou o Ministério da Fazenda a soltar uma nota no último dia 12 de julho para rebater o que chamou de “notícias falsas”. “Ao contrário das notícias inverídicas que estão circulando, a reforma tributária será positiva para o setor imobiliário brasileiro e será justa, pois tributará menos os imóveis populares que os imóveis de alto padrão”, diz o texto.

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“A gente soltou nota porque começou a circular muita desinformação nas redes sociais, dizendo que ia pagar 26,5% em qualquer venda de imóvel”, disse Appy.

Appy afirma que o texto aprovado na Câmara garante a manutenção da carga tributária para o setor imobiliário em relação ao regime atual. Foto: Wilton Junior/Estadão

Ele considera o aumento sobre o valor dos imóveis como algo “marginal” e que pode ser compensado por ganhos de produtividade que o setor terá com os benefícios da reforma – e lembra que novos benefícios vão aumentar a alíquota-padrão para o restante da economia.

“O setor vai ser beneficiado com um aumento grande de produtividade, porque vai permitir a recuperação de 100% dos créditos – o que vai fazer as empresas optarem por métodos construtivos mais eficientes”, pontuou.

Demandas do setor

As demandas do setor por alterações no texto chegam a pelo menos oito. Além da aplicação do redutor do imposto em 60% para venda e 80% para locação, e da definição clara do que é contribuinte na locação, o segmento deseja que o pagamento do tributo siga o modelo de “caixa” – ou seja, apenas quando recebem o pagamento –, um novo cronograma de transição para que empreendimentos já iniciados mantenham o modelo tributário atual, entre outras.

Para a consultora em política tributária Vanessa Canado, ex-assessora especial para o tema do Ministério da Economia, há uma grande dificuldade para se calcular o resíduo tributário que hoje é pago pelo setor imobiliário. Mas ela tende a concordar com os números do Ministério da Fazenda.

“Concordo com Bernard (Appy). É uma questão de premissa e essa premissa é muito difícil de ser fixada. Não se pode considerar apenas o ISS (imposto municipal) e o PIS/Cofins (impostos federais) na construção e venda dos imóveis. Também deve se considerar o quanto desses e outros tributos estão embutidos nos insumos comprados (materiais de construção, máquinas alugadas, advogados contratados, terceirizados etc.). Esses tributos estão embutidos nos preços e são pagos pelo setor”, afirmou.


Jefferson Valentin, auditor do Estado de São Paulo e representante do Comitê Nacional de Secretários de Fazenda, Finanças, Receita ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz) no grupo de trabalho na Câmara que discutiu o setor imobiliário na reforma, entende que as concessões feitas já foram suficientes. Ele avalia que há interesses diversos dentro do próprio setor, que tem uma cadeia de produção longa – e isso aumenta a dificuldade para se atender todos os pleitos.

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“Acho que o setor está no papel deles de tentar a menor carga possível. Mas a gente tem um problema: cada real a menos cobrado de um significa aumento na alíquota de referência (do IVA), que será pago em outro lugar”, afirmou.

Depois da aprovação na Câmara, o primeiro projeto que regulamenta a reforma tributária será analisado pelo Senado, onde será relatado pelo senador Eduardo Braga (MDB-AM), que também foi o relator da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que tratou da reforma no ano passado. Por meio de sua assessoria, Braga afirmou que ainda vai analisar o conteúdo do projeto e só fará qualquer análise após assumir oficialmente a relatoria.

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