Reforma tributária antecipa cobrança de imposto na compra e venda de imóvel; Procuradoria vê risco

Projeto de lei prevê que taxação via ITBI, um tributo municipal, poderá ocorrer no momento da assinatura do contrato de compra e venda, e não apenas na transferência do bem; cobrança já é feita dessa forma em cidades como São Paulo

PUBLICIDADE

Publicidade
Foto do author Bianca Lima
Foto do author Daniel  Weterman
Atualização:

BRASÍLIA – A pedido dos prefeitos, o Ministério da Fazenda antecipou o momento da cobrança do Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), um tributo municipal e do Distrito Federal que é pago pelo comprador do bem. A alteração consta no segundo projeto de lei complementar da reforma tributária, que agora será analisado pelo Congresso Nacional.

PUBLICIDADE

Atualmente, essa taxação ocorre no momento da transferência da propriedade do imóvel – sendo que, pelo Código Civil, os direitos só são considerados transferidos por meio do registro no cartório de imóveis. O novo projeto, no entanto, abre a possibilidade de a prefeitura realizar a cobrança logo após a assinatura do contrato de compra e venda, que ocorre antes da transferência.

Essa cobrança já é feita por alguns municípios do País, como, por exemplo, a cidade de São Paulo. Há mais de 30 anos, a capital paulista prevê a taxação do ITBI com a mera cessão dos direitos decorrentes do compromisso de compra e venda – regra que é alvo de questionamento no Supremo Tribunal Federal (STF). Atualmente, a alíquota praticada em São Paulo é de 3%.

Atualmente, taxação ocorre no momento da transferência da propriedade do imóvel. Projeto abre a possibilidade de cobrança logo após a assinatura do contrato de compra e venda, que ocorre antes. Foto: Nilton Fukuda/Estadão

O pedido para a inclusão desse trecho no projeto de lei complementar da reforma tributária foi, inclusive, liderado pela capital paulista, segundo apurou a reportagem.

Na avaliação do pesquisador do Insper Breno Vasconcelos, trata-se de uma ampliação do âmbito de incidência do tributo. “A alteração prevista pelo PLP (projeto de lei complementar) amplia o âmbito de incidência do ITBI, ao incluir, entre as hipóteses para a sua cobrança, a mera celebração da cessão onerosa de direitos, independentemente de sua efetiva transmissão com o registro no cartório competente”, pontua o tributarista do Mannrich e Vasconcelos Advogados.

Publicidade

A mudança na regra foi inserida no projeto apesar de alertas formais emitidos pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN). Em parecer anexado à minuta do projeto de lei, obtido pelo Estadão, o órgão aponta risco jurídico nesse artigo específico.

No documento, a PGFN destaca que há pronunciamentos do STF apontando a impossibilidade de se cobrar o ITBI após a mera formalização da compra e venda, sob pena de se considerar constituído o crédito antes da ocorrência do fato.

“O tema ainda está pendente de apreciação (no STF), circunstância que endossa o cenário de risco jurídico da proposição ora analisada”, diz o parecer, que é assinado eletronicamente pela procuradora-geral da PGFN, Anelize de Almeida.

Para Vasconcelos, a alteração não vai na contramão apenas das manifestações mais recentes da Suprema Corte, como também diverge do texto da Constituição.

“Embora a alteração prevista pelo PLP resolva a controvérsia sob a perspectiva da legislação complementar, ao nosso ver, a questão ainda deve ser analisada a partir do artigo 156 da Constituição, que vincula o ITBI à transmissão do imóvel ou dos respectivos direitos reais, o que demanda o efetivo registro imobiliário”, afirma o tributarista.

Publicidade

O secretario-executivo da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), Gilberto Perre, afirmou em entrevista coletiva que o objetivo da mudança foi exatamente reduzir os questionamentos sobre esse tema. “Temos a expectativa de que o texto vá na direção de diminuir esse debate”, afirmou. Segundo ele, não se trata de tributo novo nem mais imposto para o contribuinte.

Perre também ponderou que essa antecipação da cobrança teria o objetivo de uniformizar o momento de taxação do ITBI e do IBS, o novo imposto estadual e municipal que substituirá o ISS e o ICMS, existentes atualmente.

Nos bastidores, os municípios citam a possibilidade de pleitear a não incidência do IBS na compra e venda de imóveis caso não consigam aprovar a proposta de antecipação do ITBI. O objetivo seria o IBS não “concorrer” com o ITBI – o que, na visão de parte dos gestores locais, poderia ocorrer caso eles tenham momentos distintos de cobrança.

A reforma tributária prevê que o IBS não incidirá em compra e venda de imóveis entre pessoas físicas, mas será cobrado quando a aquisição for, por exemplo, diretamente da construtora. Ainda assim, Perre nega que isso configure dupla taxação. “Não é bitributação, são fatos geradores bastante distintos”, afirmou.