BRASÍLIA - O senador Eduardo Braga (MDB-AM), relator da regulamentação da reforma tributária na Casa, afirma que há problemas na forma como foi estabelecida a tributação do Imposto Seletivo sobre alguns setores durante a tramitação do texto na Câmara dos Deputados. O parlamentar sugere que haverá mudanças no chamado “imposto do pecado”, um dos pontos mais controversos do novo sistema.
Ele diz não entender por que sobretaxar carros elétricos e as “bets” (apostas esportivas), e deixar de lado os alimentos ultraprocessados e as armas. Se o critério é tributar com uma alíquota extra os produtos que fazem mal à saúde e ao meio ambiente, não faz sentido justificar a isenção com argumentos como o consumo por famílias de baixa renda ou a tributação caso a fabricação do item seja feita no exterior.
“Eu acho que a gente não pode, no intuito de fazer a coisa certa, fazer da forma errada. Se tem um bem que eu quero taxar porque é importado, vamos ter coragem de criar um imposto de importação sobre esse bem. E não disfarçar o imposto de importação com Seletivo. Isso aconteceu no caso dos elétricos. Não tem lógica”, diz o senador em entrevista ao Estadão/Broadcast.
“Se tem problemas na carga tributária das apostas, vamos consertar essa carga, mas não tentar consertar usando o Seletivo. Era tudo que todo mundo sempre disse que não podia fazer com o Seletivo… Virar arrecadatório”, afirmou.
O debate sobre a inclusão de produtos no Seletivo é um dos que mais mobilizam o setor privado, que tenta escapar da sobretaxa. Apesar das críticas, Braga adianta que não poupará os carros elétricos do imposto, mas poderá criar gradações que os deixem em vantagem quando comparados a carros mais poluentes. Um escalonamento, porém, descasado com a política industrial desenvolvida pelo governo no Mover, o programa de estímulo ao setor automotivo desenvolvido pelo Ministério da Indústria e Comércio.
“O que isso tem a ver com o Mover? Nós estamos mudando a função do Imposto Seletivo. Ele não é um imposto arrecadatório, mas de impacto no meio ambiente e na saúde. O Mover é política industrial. Então, se ele fabrica no Brasil e emite 100% de gás carbônico, eu dou benefício para ele? Não é esse o critério do Imposto Seletivo”, afirmou.
O parlamentar também avalia que a solução para a cesta básica, com a inclusão das carnes na alíquota zero, ficou desequilibrada. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de quem Braga é aliado, foi um dos principais defensores da medida, que ganhou apoio da maioria dos deputados na reta final da votação da regulamentação na Câmara.
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Braga diz que não vê viabilidade política de se rediscutir o assunto, mas afirma que o agronegócio, o principal motor para a inclusão das carnes na cesta, quebrou um acordo feito com ele ainda na votação da proposta de emenda constitucional no ano passado, de que as carnes poderiam ser tributadas com um desconto de 60% da alíquota cheia.
Durante a tramitação na Câmara, deputados alegaram que a entrada das proteínas animais na tributação zero não deve pressionar a alíquota dos novos impostos sobre valor agregado para além de 26,5% (a média calculada pela Fazenda). A justificativa é de que haveria ganhos na arrecadação do Seletivo e também com a menor sonegação.
Braga deverá ter o primeiro encontro dessa fase da reforma com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, nesta quarta-feira, 14, e adiantou ao Estadão/Broadcast que pedirá novas estimativas de impacto à equipe econômica como um ponto de partida para a discussão no Senado.
O relator é cético sobre o teto criado pela Câmara, que determina que caso a alíquota supere o patamar de 26,5%, o governo tenha de encaminhar ao Congresso cortes de exceções para fazer com que o número de referência não seja ultrapassado.
“Tenho a convicção de que, com 26,5%, a conta não fecha. Você imagina o seguinte. Pega um reservatório de água, ele transborda e você coloca uma tampa em cima. O que vai acontecer? Ou você para de botar água ou transborda. Mas o que fizeram foi isso: encheram o tanque e meteram uma tampa”, afirma.
Ainda que esteja formando opinião sobre vários pontos da regulamentação, Braga ainda não foi designado oficialmente relator no Senado. Nesta mesma quarta-feira, diz ele, o presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), senador Davi Alcolumbre (União-AP), não deverá anunciá-lo, o que represará a tramitação na Casa.
Braga demonstrou desacordo em votar a regulamentação em regime de urgência, como fixado hoje, o que faria com que o texto tivesse de ser levado à apreciação do plenário até meados de setembro, sob pena de trancar a pauta do Senado. O próprio presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), já disse que pretende colocar o tema em pauta só após as eleições.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista:
Um dos pontos mais controversos da regulamentação da reforma é o Imposto Seletivo. Como o sr. avalia o teto criado pela Câmara, de 0,25%, para a cobrança desse tributo sobre a extração de recursos naturais não renováveis?
Posso até discordar do 0,25%, mas eles (deputados) podem graduar, porque o comando (constitucional) diz no máximo 1% (para a alíquota). Então não desrespeita o comando. Agora, vamos ver se o Senado concorda.
A Câmara também incluiu jogos de azar no ‘imposto do pecado’. O sr. pretende manter?
Eu acho que a gente não pode, no intuito de fazer a coisa certa, fazer da forma errada. Se tem um bem que eu quero taxar porque é importado, vamos ter coragem de criar um imposto de importação sobre esse bem. E não disfarçar o imposto de importação com o Seletivo. Isso aconteceu no caso dos (carros) elétricos. Não tem lógica, só tem essa lógica e esse argumento. Acho que, se tem problemas na carga tributária das apostas, vamos consertar essa carga, mas não tentar consertar usando o Seletivo. Era tudo que todo mundo sempre disse que não podia fazer com o Seletivo… Virar arrecadatório.
E armas e munição, podem ser incluídos nessa lista?
Sou contra subtaxar arma e munição.
Então há chance de esse tópico ser reavaliado para inclusão no Seletivo?
Se depender de mim, sim. Mas não sei o que o conjunto do Senado vai dizer.
A cobrança do Seletivo para carros elétricos será mantida?
Você tem que estabelecer um critério. Se o critério é combater o produto importado, vamos para o imposto de importação. Agora, se o critério é impacto no meio ambiente e à saúde, o elétrico tem emissão igual a zero.
Mesmo considerando a produção da bateria?
Por isso que não pode ter alíquota zero, tem que ter alíquota graduada pelo impacto ambiental.
Então o carro elétrico não sairá do Seletivo?
Sair do Seletivo, não vai sair, porque as baterias precisam ter engenharia reversa de utilização do lítio. Não é uma questão de sair ou não, mas de calibrar.
Quando o sr. fala em criar gradações para o Seletivo nos veículos será seguir o Mover (programa de estímulo ao setor automotivo desenvolvido pelo Mdic) ou criar uma regra própria?
Se o imposto é de impacto ambiental e na saúde, não é o fato de ser fabricado no Brasil ou fora que impacta o produto, mas o nível de emissão e de contribuição de poluição ao meio ambiente e à saúde. O que isso tem a ver com o Mover? Nós estamos mudando a função do Imposto Seletivo. Ele não é um imposto arrecadatório, mas de impacto no meio ambiente e na saúde. O Mover é política industrial. Então, se ele fabrica no Brasil e emite 100% de gás carbônico, eu dou benefício para ele? Não é esse o critério do Imposto Seletivo.
Os deputados decidiram liberar os caminhões dessa taxa extra. Como avalia?
Há dois critérios que precisam ser analisados aí. Uma coisa é motorização, outra é o combustível. Eles (os deputados) misturaram as duas coisas. O etanol emite menos do que a gasolina. O diesel emite mais do que o biodiesel. A tecnologia do motor do veículo é outra coisa. Então tem que tratar produtos distintos. Se eu quero fazer no nível de complexidade como esse, tenho que olhar o combustível e classificá-lo. Estou convencido, neste momento, de que temos que contextualizar as duas coisas: a tecnologia de motorização e o combustível. Como nós vamos combinar isso eu ainda não sei. O que acontece é que 100% do diesel é misturado ao biodiesel. É a única justificativa para tirar o caminhão do Seletivo. Não há outra.
Os deputados alegaram que haveria impacto no frete.
Mas daí voltamos ao começo: o imposto é arrecadatório ou de impacto ao meio ambiente e à saúde?
Mas, no ultraprocessado, esse foi o argumento da Fazenda, de que esse tipo de alimento é muito consumido entre os mais pobres e, por isso, ficaria fora do alcance do Seletivo.
A sua questão é válida. Qual é o critério para não ter incluído o ultraprocessado? Se esse critério vale, então vamos pegar todos os produtos populares independentemente do impacto. O carro 1.0 não é o carro popular? Ainda que não seja popular no Brasil, é chamado de popular. Pela mesma lógica, deveria estar fora (do Seletivo). Quando a gente quer ajustar a boca ao cachimbo, você começa a distorcer.
O Ministério da Fazenda passou uma estimativa atual da alíquota da nova tributação com o texto de regulamentação aprovado na Câmara?
Não, mas eu tenho a convicção de que, com 26,5% (porcentual da trava que foi criada pela Câmara), a conta não fecha. Você imagina o seguinte: pega um reservatório de água, ele transborda e você coloca uma tampa em cima. O que vai acontecer? Ou para de botar água ou transborda. Mas o que fizeram foi isso: encheram o tanque e meteram uma tampa. E não é o que a emenda constitucional diz. A regra constitucional é uma trava na carga tributária (e não na alíquota).
Os deputados alegaram que criaram esse limite para conter pedidos de mais setores em alíquotas reduzidas da nova tributação.
Eu tenho dúvidas da constitucionalidade disso, não pelo comando, mas por competência. Eu não posso travar a alíquota do IBS, a autonomia federativa foi preservada na Constituição. Por várias razões, você pode olhar e questionar: ‘Como é que se fixa isso?’.
Se em 26,5% a conta não fecha, qual a estimativa da alíquota com o novo texto? Há projeções?
Eu vou pedir que o Ministério da Fazenda faça que nem da outra vez (na discussão da PEC). Vou pedir amanhã (nesta quarta-feira). Me digam, afinal de contas, qual é a carga que foi aprovada na Câmara, porque eu não sei. Esse é o ponto de partida.
O sr. vai pedir ao ministro Haddad?
Vou pedir. Do mesmo jeito que pedi da outra vez. Vou usar uma expressão que ouvi e achei genial: a foto da floresta está linda, mas, quando você dá zoom, tem árvore que está muito boa e tem árvore que está doente. Portanto, nós não podemos fazer de conta que não temos de analisar isso. Porque, senão, a floresta como um todo, daqui a dez anos, pode estar comprometida. Sabe aquela história de que uma maçã pode contaminar o cesto? A floresta da reforma tributária é muito bonita: primeiro, tem que ter simplicidade; segundo, neutralidade; terceiro, transparência. Mas vocês já leram, por exemplo, como está a regulamentação da carga hoteleira?
Qual o problema?
Se você compreender, me explica. É tão complexo que, em vez de simplificar, complica.
Quais são as outras ‘árvores doentes’ da reforma? O sr. tem criticado as alterações na cesta básica. Esse seria um exemplo?
A minha opinião sobre cesta básica eu expressei no texto que relatei e aprovei no Senado. Eu ficaria muito mais confortável, e achava que era muito mais justo com as pessoas que mais precisam, e mais equilibrado do ponto de vista fiscal e tributário, se nós tivéssemos uma cesta de combate à fome com alíquota zero. E uma cesta estendida em regime diferenciado, com 60% de desconto e cashback, do que colocar da forma que colocaram, mas eu fui voto vencido. Democracia funciona assim. Agora, tem coisas que quando a gente vai para a árvore, a gente se assusta.
Como assim?
O óleo de cozinha está lá (na cesta), mas depende do tipo. Filé, eu gostaria que todo mundo pudesse comprar, mas botar alíquota zero em filé (mignon) para pagar cento e…. Quanto está o quilo do filé? Lá em Manaus deve estar uns R$ 120. Tu imagina quem vai comprar filé?
O sr. está dizendo que se trata de um benefício direcionado aos mais ricos...
O que eu estou dizendo é que está desequilibrado. Mas eu não vejo viabilidade no voto para mudar isso.
Não há viabilidade política?
Não vejo. Mas a minha opinião foi aquela que nós construímos e aprovamos no Senado. Que seria muito mais justa.
O Ministério da Fazenda também defende uma cesta básica zero mais enxuta, combinada com outra estendida somada ao cashback. O presidente Lula, no entanto, se manifestou de forma favorável à inclusão das carnes na lista zerada, o que trouxe o assunto para a arena política. Como o sr. viu esse movimento?
Você isentar a carne é uma coisa, isentar filé mignon é outra coisa. Então não dá para colocar isso no colo do Lula. Isso (inclusão das carnes na cesta zerada) foi uma decisão que aconteceu, no conjunto das forças que construíram um relatório na Câmara, a qual eu respeito.
Quando o sr. relatou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da reforma, no ano passado, houve um acordo com o agronegócio sobre o formato da cesta básica, certo?
Sim, aqui neste mesmo gabinete.
O sr. avalia que houve uma quebra de acordo?
Se eu acho? Foi tudo público, com fotografia, não foi nada reservado. O acordo era a cesta de combate à fome, com alíquota zero, e outra ampliada com 60% de desconto e cashback. Vocês testemunharam tudo, vocês não têm opinião? Ninguém tem opinião, só eu?
A opinião que importa, para esta reportagem, é a do senhor.
Não, a opinião que importa é a publicada. E quem publica são vocês. Então não é possível que vocês não consigam fazer um juízo de valor.
Durante a tramitação na Câmara, os deputados do Amazonas disseram que a Zona Franca foi prejudicada. O sr. pretende alterar o texto?
Eles concluíram que os pleitos que estavam no comando da emenda constitucional não estavam atendidos pela Câmara, por isso eles votaram contra. No caso da indústria, há duas questões pontuais que precisam ser ajustadas, uma com relação ao crédito presumido (nas operações de venda de produtos fabricados na Zona Franca para o resto do País) e outra a uma subordinação indevida que fizeram (ao comitê gestor do IBS). Há uma questão preocupante em relação ao comércio. Os benefícios hoje da Zona Franca para o comércio não estão mantidos na regulamentação. Isso impacta o preço final do comércio em Manaus e nas áreas de livre comércio. Para se ter uma ideia, isso significa um aumento de carga tributária de quase 10% no comércio da região. Isso está causando grande preocupação num setor que emprega milhares de pessoas.
O sr. pretende ajustar o prazo para a adesão dos projetos aos benefícios da Zona Franca? Os deputados do Amazonas defenderam que o prazo limite fosse estendido de 2023 para 2027.
Vocês querem congelar a Zona Franca de Manaus? Ela não será congelada, porque, se ela for congelada, está desrespeitando um mandamento constitucional, que trata da manutenção e dos benefícios da Zona Franca até 2073. Então, não pode haver, numa matéria infraconstitucional, uma limitação temporal, a não ser que seja 2073. É inconstitucional.
Na semana passada, o CEO da Latam, Jerome Cadier, afirmou que a reforma tributária poderá encarecer o preço das passagens aéreas entre 15% e 20%. O sr. avalia mudar a tributação das empresas aéreas?
O setor aéreo está com problemas estruturais graves. Na PEC, nós no Senado demos um tratamento para a aviação civil em regime diferenciado; a Câmara entendeu que não. Agora, não dá para querer transformar a aviação São Paulo-Brasília, São Paulo-Rio de Janeiro em aviação regional. Em função de um problema, não podemos criar outro ainda mais grave. Há um problema estrutural, e não basta dar incentivo fiscal para a aviação. Mas o que está acontecendo (com o texto que foi aprovado na Câmara) é que a aviação está deixando de ter neutralidade, que é um princípio que está na PEC aprovada.
A construção civil também está pedindo novos redutores de tributação.
O setor está com uma argumentação legítima, vai aumentar a carga tributária. Esse aumento vai impactar o programa Minha Casa, Minha Vida de baixa renda. Não é que o setor queira entrar num programa (ou seja, tratamento diferenciado). Para entrar ou sair, já está decidido, agora a questão é de calibragem, é o ajuste fino da máquina. O que vamos discutir são outras coisas, porque já está decidido quem entrou e saiu no comando constitucional.
Em relação à tramitação do texto no Senado, gostaríamos de saber por que o sr. ainda não foi designado relator.
Boa pergunta para o Davi (Alcolumbre, presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, primeira etapa da tramitação). Estou escolhido relator, anunciado como relator, mas ainda não estou designado, porque o Davi (Alcolumbre) não me designou.
Há informações de que ele não o designou devido à contrariedade com a tramitação em regime de urgência.
O Rodrigo (Pacheco) já anunciou que nós só vamos deliberar depois das eleições e há um convencimento dos senadores de que não dá para fazer o trâmite da regulamentação da reforma com o Senado esvaziado, porque é um tema que tem relevância e que precisa da participação presencial dos senadores. Portanto, nós estamos conversando hoje, na véspera da reunião na CCJ, e o Davi, eu acho, não vai me designar relator. Enquanto isso, eu não posso apresentar plano de trabalho, não posso fazer nada.
Então isso significa que, na prática, já não está em vigor o regime de urgência, na sua avaliação?
Na minha opinião, o Senado já anunciou que se não retirar o regime de urgência a pauta vai ser trancada. A consequência é essa.
Como vai ser o diálogo com a Câmara, uma vez que o projeto voltará para a Casa após a votação no Senado?
Na hora em que eu for relator e tiver que falar em nome da relatoria, vou procurar o presidente da Câmara e o relator, tal qual fizemos da outra vez. Na PEC, a gente podia ter comando e controle, porque o Senado podia não concordar, agora é diferente, temos que construir um consenso, por isso é muito mais delicado do que na construção da emenda constitucional (a regulamentação ocorre por meio de projeto de lei complementar, o que dá vantagem à Câmara como Casa revisora do texto que vai à sanção presidencial).
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