BRASÍLIA – Em meio à regulamentação da reforma tributária no Congresso Nacional, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vem sendo cobrado por ter prometido, na campanha eleitoral de 2022, que o brasileiro voltaria a consumir “picanha e cervejinha”.
Esses produtos fazem parte do debate dos pontos mais controversos da reforma: a definição dos itens da cesta básica com imposto zero e os alvos do Imposto Seletivo, o chamado “imposto do pecado”, que vai incidir sobre os produtos considerados nocivos à saúde e ao meio ambiente.
‘Cerveja não é pecado’?
A proposta enviada pela equipe econômica ao Congresso inclui as bebidas alcoólicas, como a cerveja, no “imposto do pecado”, com tributação proporcional à quantidade de álcool. Pela proposta do governo, haveria um modelo misto: uma taxação em reais, de acordo com o teor alcoólico e o tamanho do recipiente; e uma alíquota em porcentual, que incidiria sobre o preço do produto.
O relatório apresentado nesta quinta-feira, 4, pelo grupo de trabalho da regulamentação da reforma manteve a tributação das bebidas alcoólicas no Seletivo – o que, portanto, deixaria a cerveja mais cara. O imposto, porém, seria menor do que o cobrado de destilados, como vodka e cachaça.
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As cervejarias, contudo, se articulam para tentar garantir a manutenção da sua carga tributária – ou seja, não querem que o Seletivo onere o setor, e vão lutar por isso até a votação da proposta no plenário da Câmara. Elas pleiteiam, ainda, a isenção aos fabricantes enquadrados no Simples Nacional, o que beneficiaria os pequenos produtores de todas as bebidas alcoólicas.
No caso das cervejarias, eles são a maior parte do mercado: 83%, segundo dados do Sindicerv. Para dar fôlego ao movimento, a Associação Brasileira de Cerveja Artesanal (Abracerva) lançou uma petição contra o Seletivo. A iniciativa usa o slogan “Cerveja não é pecado” para recolher assinaturas de internautas.
Carnes dentro ou fora da cesta básica?
A proposta enviada pela equipe econômica ao Congresso não prevê nenhum tipo de carne na cesta básica zerada. Pelo projeto, as proteínas animais foram enquadradas na alíquota reduzida, com desconto de 60% do novo Imposto sobre Valor Agregado (o IVA, que vai unificar cinco tributos).
Já os itens considerados de luxo, como salmão, ovas e foie gras, pagarão a alíquota cheia, projetada pela Fazenda em 26,5%.
O presidente Lula, porém, vem dizendo nos últimos dias que é favorável à isenção de carnes. Nesta quarta-feira, 2, no lançamento do Plano Safra, 2024/2025, Lula afirmou que vai “ficar feliz se puder comprar carne sem imposto”.
Lula defende uma diferenciação entre cortes mais nobres e cortes mais populares. Na terça-feira, 2, disse que “carne chique pode pagar impostozinho” e carnes “do dia a dia”, não.
Os representantes do segmento de alimentos, que trabalham em conjunto na Câmara na defesa da ampliação da cesta básica, alegam, porém, que não é possível separar as proteínas animais, até por uma realidade de mercado.
Isso porque as grandes empresas do setor têm operações em mais de um ramo de atuação. É o caso da JBS, do Frigorífico Agra e do Zanchetta. A Copacol, que opera no ramo de aves e de tilápia, por exemplo, é sócia da Frimesa, que produz suínos.
Nos cálculos da equipe econômica e do Banco Mundial, a inclusão de todas as carnes na cesta básica com imposto zero, sem diferenciação, teria impacto de 0,57 ponto na alíquota padrão, que iria a 27,1%, como mostrou o Estadão.
Nesta quinta-feira, 4, o grupo de trabalho da Câmara responsável por regulamentar a reforma deixou as carnes de fora da cesta básica isenta. Eles sinalizaram, porém, que o texto ainda pode sofrer mudanças e que a decisão caberá aos partidos.
“Há ainda pontos de divergências no texto; esses pontos serão discutidos nas bancadas”, afirmou o deputado Luiz Gastão (PSD-CE), que compõe o grupo. “Qualquer situação diferenciada para algum setor vai impactar a alíquota de referência (do IVA), de 26,5%. Mas acreditamos que conseguimos reduzir essa alíquota pelas melhorias que fizemos no texto”, afirmou.
Ontem, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ponderou que isentar as carnes de tributos, pode deixar o “preço pesado”, em referência ao aumento da alíquota média do IVA para os demais bens e serviços. Lira disse que é preciso “entender quais são as prioridades” e que aumentar o cashback para pessoas de baixa renda seria mais efetivo do que isentar as proteínas animais.
Isso porque, ainda que a carne seja mantida na alíquota reduzida (com desconto de 60%), os mais pobres poderão usufruir do chamado cashback – sistema de devolução de parte dos tributos pagos.
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