BRASÍLIA – A permissão para que Estados criem um novo tributo, incluída de última hora na votação da reforma tributária na Câmara dos Deputados, atinge em cheio os principais produtos da pauta de exportação brasileira e pode aumentar o chamado custo Brasil – na contramão de um dos objetivos centrais da proposta, de desonerar efetivamente o produto vendido para o mercado internacional.
A permissão para que os Estados criem uma nova contribuição sobre matérias-primas apareceu na reforma tributária após a votação do texto-base na Câmara. Uma emenda aglutinativa – que, como o próprio nome diz, juntou os pedidos de vários grupos de interesse – trouxe o trecho que abre a brecha para a taxação por iniciativa estadual.
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Ao Estadão, o presidente executivo da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, explica que o artigo funciona na prática com um “imposto de exportação” ao permitir que os Estados e o Distrito Federal possam taxar com uma contribuição os produtos primários e semielaborados até 2043.
“Minério e petróleo são os dois produtos que estão na linha de tiro”, disse Castro. As vendas da soja brasileira, principal produto da pauta de exportação do País, também seriam atingidas. São produtos nos quais o Brasil é mais competitivo no mercado internacional.
Na avaliação de Castro, essa brecha cria uma insegurança jurídica para os exportadores e também os importadores dos produtos nacionais. Outro problema é que não há limite para a nova tributação na PEC e os Estados poderão tributar no valor que quiserem.
O presidente da AEB lembra que a Argentina está tributando as exportações e que a medida não tem dado certo. Pelo contrário. “No fundo, no fundo, a reforma na Constituição nasce com uma insegurança jurídica. Como o exportador vai vender um produto sem saber se ele poderá ser tributado ou não?”, alerta Castro, que há 13 anos preside a AEB, entidade com 53 anos criada para incentivar as exportações, com redução dos custos e burocracia, inclusive nas operações de importação.
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Castro destaca que minério e petróleo são vendidos com contratos de longo prazo e que o importador não vai aceitar repassar para o preço caso a contribuição seja criada por algum Estado durante a sua vigência.
“É o típico custo Brasil que estaria sendo criado”, diz ele. Em reação, aponta ele, os exportadores teriam receio de firmar um novo contrato, elevando o preço do produto por conta de uma possível tributação no futuro, que não sabe qual será. “Os Estados, quando falam em cobrar, não têm limite. Eles querem cobrar, cobrar e cobrar à vontade – esse é o risco”, critica.
Representantes da área de comércio exterior elogiam o impacto positivo da reforma tributária, mas o ex-secretário de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Welber Barral, vê a possibilidade de a criação de um novo tributo nas exportações repetir o que acontece na Argentina – o que tira competitividade dos produtos. Para ele, considerando essa experiência internacional, não tem “lógica” Estados tributarem exportações. “Na Argentina, fizeram tudo errado. Inclusive o Estado argentino hoje é dependente desses impostos”, avalia Barral.
“Esse artigo é o oposto do que a reforma tributária propõe: onera as exportações e ainda permite a tributação na origem”, afirma Breno Vasconcelos, tributarista do Mannrich e Vasconcelos Advogados e pesquisador do Insper. “O artigo diz que Estados e Distrito Federal poderão instituir contribuição sobre produtos primários e semielaborados produzidos em seus territórios. Ou seja, a tributação ocorrendo onde o item é produzido, e não consumido.”
Demanda do Centro-Oeste
O próprio relator da reforma tributária, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), admitiu no plenário da Câmara que o artigo 20 foi um atendimento aos governadores do Centro-Oeste. “Foi um pedido, que foi aquiescido pelos governadores, para atender ao governador Caiado, que fez campanha contra reforma tributária. Nós estamos atendendo a isso”, disse Ribeiro.
O Estadão apurou que Ronaldo Caiado (União), governador de Goiás, recebeu uma ligação de Arthur Lira (PP-AL) na tarde de quinta-feira, horas antes da votação, para fechar um acordo pró-reforma. O governador do Mato Grosso, Mauro Mendes (União), que até então defendia que a votação fosse adiada para agosto, passou a apoiar o texto e pediu que os deputados do Estado votassem a favor.
Na negociação, os Estados do Centro-Oeste argumentaram que os recursos do novo tributo – permitido pela emenda – seriam usados para a manutenção de rodovias, pelas quais é escoada a produção de grãos, e outras obras de infraestrutura. Por isso, tanto para o Estado quanto para os produtores, a permanência da receita seria um bom negócio.
Hoje, esses investimentos são feitos por meio de fundos abastecidos por taxações que atingem, principalmente, o setor de commodities. Tecnicamente, essas contribuições são voluntárias; mas, caso as empresas não optem pelo modelo, ficam impedidas de ter benefício fiscal. A reforma, porém, inviabilizaria esses fundos, pois acaba com os incentivos fiscais.
O relator disse ao Estadão que está havendo uma interpretação equivocada do trecho. No entendimento dele, o texto só estica a validade desses fundos, já existentes hoje, até 2043 – e apenas para os que financiam investimentos em infraestrutura e habitação. Ele mencionou na Câmara quatro Estados nessas condições: MT, MS, GO e Pará. “São fundos que já existiam nos Estados e que são específicos, que eles já cobram, que estão atrelados à infraestrutura”, afirmou.
O fundo do Pará, no entanto, ainda não está em operação. Segundo o secretário da Fazenda do Estado, René Sousa, o fundo foi aprovado na assembleia legislativa e a avaliação é a de que ele poderá ser aplicado. “Ainda estamos analisando; temos já aprovado em lei, só não implementamos. Acho, à primeira vista, que vamos poder implementar”, afirma.
Mato Grosso do Sul tem o fundo mais antigo dos que estão em operação, criado em 1999. Juntos, os Estados do Centro-Oeste (MT, MS e GO), à exceção do DF, calculam que podem arrecadar neste ano pouco mais de R$ 3 bilhões com esses fundos.
Segundo a Abiove (Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais), a substituição dos atuais fundos por contribuição até 2043 implicará “na tributação das operações de exportação, bem como em aumento de custo para os contribuintes”.
“Não há qualquer justificativa plausível para uma reforma tributária que muda estruturalmente o sistema para aceitar a instituição de um novo tributo que tem fundamentos no sistema anterior, mesmo após o término do período de transição. Se há fundos estaduais em vigência, que eles sejam extintos, assim como ICMS e ISS, em 2032″, afirma a entidade, em nota.
O setor da mineração quer unir forças com outros segmentos produtivos para tentar retirar esse artigo no Senado. Nesta terça-feira, já está marcada uma reunião em Brasília com a Confederação da Agricultura e da Pecuária do Brasil (CNA). As empresas de óleo e gás e os ministérios da Fazenda, Indústria e Minas e Energia também serão procurados.
“Um artigo que cria a possibilidade de um tributo com alcance nacional (sobre matérias-primas) é um pandemônio para nós. É nosso dever tentar reverter isso”, diz Rinaldo Mancin, diretor de Relações Institucionais do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram).
Para Mancin, além da oneração das exportações e do mercado interno, o texto também peca pela falta de isonomia: “Por que tributar apenas produtos primários e semielaborados?”
Entidades já vinham alertando o Ministério da Fazenda sobre o risco de sobrevida dos fundos, em paralelo à tributação do novo IBS – novo impostos que vai unificar o ICMS (estadual) e o ISS (municipal). O texto inicial da reforma deixava uma porta aberta, ao sugerir que a arrecadação dos fundos fosse contabilizada no cálculo da fatia de cada ente no novo imposto. A redação do artigo 20 da emenda aglutinativa, no entanto, tirou a interpretação do campo das possibilidades e a tornou obrigatória.
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