‘A reforma tributária é a única forma de o Brasil se aproximar do sonho de ficar rico’, diz Maílson

Ex-ministro da Fazenda defende a nova regra aprovada como a única política econômica na mesa capaz de trazer crescimento significativo para o Brasil, em momento de fim do bônus demográfico

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Por Carlos Eduardo Valim
Atualização:
Foto: Iara Morselli
Entrevista comMaílson da NóbregaEconomista e sócio da Tendências

O economista Maílson da Nóbrega tem sido um espectador privilegiado da economia e política brasileira das últimas décadas. Ex-ministro da Fazenda entre 1988 e 1990 e atual sócio da consultoria Tendências, ele se posiciona entre os principais defensores de reformas como a tributária e é um forte crítico das distorções econômicas brasileiras que se acentuaram desde os anos 1980, por meio de problemas fiscais e regras que concentram renda.

Por outro lado, algumas reformas e privatizações avançaram nos últimos anos. Mas, nenhuma, segundo ele, tem o potencial transformador da aprovação da reforma tributária, que passou na Câmara esta semana. “A importância desta reforma cresce se levarmos em conta que o bônus demográfico (o porcentual favorável de pessoas em idade economicamente ativa dentro do total da população) está desaparecendo. Então, ela é a única maneira de o Brasil crescer, e se aproximar do sonho de ficar rico”, afirma.

“Nenhuma ação em discussão no País traz produtividade em prazo relativamente tão curto quanto ela.” Apesar disso, uma nova batalha por sua aprovação deve acontecer no Senado, acredita.

Para o ex-ministro, oponentes da reforma vão tentar atacá-la mais uma vez durante a tramitação no Senado Foto: Iara Morselli/Estadão

Qual é a importância da aprovação da reforma no contexto histórico brasileiro?

No pós-Constituição de 1988, aconteceram muitas reformas e privatizações. Mas nenhuma com a repercussão que esta vai trazer. É, de longe, a mais relevante. Trata-se de uma reforma estrutural profunda, com repercussão importante. A Constituição de 1988 fez o contrário do que a reforma promove. Ela cometeu o pecado muito grande de autorizar os Estados a decidir alíquotas, regras, isenções tributárias e aí por diante. E isso criou muita complexidade. O Imposto sobre Valor Agregado (IVA), por sua vez, evita a incidência de tributos ao longo das cadeias produtivas. O contribuinte paga o imposto e desconta as taxas pagas em cada etapa da cadeia, trazendo o princípio da não cumulatividade.

Isso pode ser uma fonte de mais crescimento para o País?

Sim, e a importância desta reforma cresce se levarmos em conta que o bônus demográfico está desaparecendo. Então, ela é a única maneira de o Brasil crescer, e se aproximar do sonho de ficar rico. Nenhuma ação em discussão no País traz produtividade em prazo relativamente tão curto quanto ela. Todo mundo fala sobre investir em educação, o que é, de fato, muito importante. Mas uma melhora na educação levaria uns 20 anos para trazer efeitos. A reforma pode trazer resultados em dez anos.

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Vai ser grande também o impacto de evitar que cada parte do território tenha a sua própria regra?

Isso é uma coisa que não vem sendo devidamente valorizada no Brasil. É só observar outras federações que aprovaram o IVA. Duas muito fortes, a suíça e a alemã, nasceram de ducados e cidades-Estados. Elas surgiram de baixo para cima, diferentemente da federação brasileira, que foi de cima para baixo. Mesmo assim, quando essas federações foram adotar o IVA, elas abriram mão de preservar a soberania local no estabelecimento dos impostos, em favor de ganhar mais produtividade para toda a economia. Desde que o IVA foi implementado na França, em 1954, todos os países que o adotaram passaram a crescer mais, por conta da redução de incertezas e da diminuição dos custos de transação. Uma das funções mais nobres do Estado moderno é promover o crescimento, e esta deve ser a prioridade.

A vantagem de dar fim às guerras tributárias também pode ser alcançada?

A Constituição de 1988 derrubou o impedimento de cada Estado ter uma regra própria. Por outro lado, ela proibia estabelecer os incentivos fiscais sem passar pelo Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária). Mas os Estados desconsideraram esta regra. Eles perceberam que ninguém seria punido se fizessem isso. Goiás, em especial, e também São Paulo, aproveitaram. Isso acarretou em cada Estado tendo regras e alíquotas próprias, e um sistema que foi se tornando incompreensível. Para dirimir disputas, aumentou-se muito a recorrência ao Confaz. Eu vivi isso de perto. Fui presidente por seis anos da comissão técnica do ICMS e, por mais dois anos como ministro, fui presidente do Confaz.

Mesmo as empresas que tentam cumprir a regra acabam muitas vezes sendo contestadas?

Esta multiplicidade de regra causa um ambiente confuso. Uma empresa brasileira pode querer cumprir a regra fiscal, mas chega um técnico e diz que está tudo errado. Daí, ela precisa recorrer ao Carf (Conselho de Administração de Recursos Fiscais), gastar dinheiro no processo. Das grandes fontes de conflitos tributários que existem, o ICMS é o campeão. Mas existem outros. Então, as empresas recorrem ao Judiciário. O contencioso tributário no Brasil é 75% do PIB. No mundo, é menos de 1%. Por isso, todos aderiram ao IVA. Renunciaram à ideia de autonomia em favor disso.

Então, não é correto quem atribui essa concentração da arrecadação e distribuição de recursos a partir da União, prevista na reforma, a uma tentativa de projeto de poder do governo?

Quem fez este projeto foram alguns economistas abnegados, como o Bernard Appy, o Nelson Machado e o Isaias Coelho. Nenhum era do governo quando o texto começou a ser elaborado. Então, não é um projeto de poder. Tudo nasceu de um grande projeto dos deputados federais Baleia Rossi e Rodrigo Maia, que se juntaram ao Appy. O que está se aprovando agora poderia ter sido aprovado no governo de Jair Bolsonaro, se o ministro Paulo Guedes não tivesse sabotado a reforma, ao querer um tributo só da federação.

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Com a aprovação na Câmara, as resistências políticas vão diminuir e a vitória no Senado é provável?

Nos últimos dias, se desarmou o movimento contrário à reforma. Ficou apenas o Ronaldo Caiado (governador de Goiás) sozinho, e os prefeitos que defendem o ISS, que é o pior imposto, por ser cobrado totalmente em cascata. E eles tiveram o apoio de associações comerciais, que buscavam manter privilégios. Appy e o deputado Aguinaldo Ribeiro (relator da reforma) resistiram muito bem e fizeram um trabalho brilhante. Ainda mais numa reforma deste tipo, que gera tanta incompreensão. Mas acho que os opositores não vão desistir. Depois, vem a votação no Senado, e ali é a casa dos Estados, onde os governadores possuem maior influência.

Faltou algo?

O que faltou foi a presença do presidente de República. Não se pode deixar um negócio desses para o Appy ou mesmo para o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Mas Lula talvez estivesse com medo de desagradar alguém com a reforma. Porém, por ironia do destino, Lula foi substituído pelo Arthur Lira (presidente da Câmara), e ele sabia que venceria, quando colocou o projeto em votação.

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