BRASÍLIA – O segundo projeto de regulamentação da reforma tributária abre caminho para municípios usarem uma contribuição embutida na conta luz para bancar câmeras, sensores, construção de centros de vigilância e outras obras relacionadas à iluminação pública e ao monitoramento para segurança e prevenção de desastres. Na prática, a proposta amplia o uso do recurso que originalmente era destinado apenas à iluminação das cidades.
A mudança foi incluída no texto a pedido dos gestores municipais. De acordo com a Frente Nacional de Prefeitos (FNP), a medida vai trazer qualidade de vida para a população. Já a Abrace, associação que representa os grandes consumidores de energia, aponta risco de aumento da conta de luz e diz que a contribuição pode virar a próxima CDE (Conta de Desenvolvimento Energético) – hoje o maior encargo do segmento, que deve ultrapassar R$ 37 bilhões neste ano.
O Estadão teve acesso à minuta do projeto de lei complementar, a ser enviado pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao Congresso Nacional. A proposta poderá sofrer ajustes antes do envio formal aos parlamentares, previsto para esta quarta-feira, 5. Esse segundo projeto da reforma tributária tem o objetivo de regulamentar o funcionamento do Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência de Estados e municípios, além de outras questões federativas.
A pedido dos prefeitos, o texto também mexe na Contribuição para o Custeio do Serviço de Iluminação Pública (Cosip), cobrada por municípios na conta de luz – e originalmente destinada apenas ao custeio da iluminação das cidades. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da reforma tributária, promulgada no ano passado, ampliou o uso para a expansão da rede e ainda para investimentos em sistemas de monitoramento voltados à segurança das ruas públicas.
O texto de regulamentação, a ser analisado pelos parlamentares, lista os serviços incluídos nessas categorias, e acaba ampliando o uso do recurso em relação à legislação atual.
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No capítulo sobre iluminação, por exemplo, o projeto permite que o dinheiro seja usado na compra de lâmpadas, iluminação LED, reatores, sistemas sustentáveis de iluminação, equipamentos com tecnologia LED e mão de obra para instalação e reparos. A rede pode ser fixa, aquela que fica permanente nas ruas, ou temporária, destinada a eventos. A elaboração de projetos nessa área também está dentro do escopo de financiamento.
Já na parte sobre segurança e monitoramento, o projeto autoriza o uso do dinheiro para serviços destinados a controle, administração, segurança, preservação e prevenção a desastres em vias públicas. Os prefeitos pediram essa alteração porque entendem que, hoje, estão limitados pela legislação sobre o uso do recurso. Ou seja, o objetivo é desengessar a destinação da despesa.
Dessa forma, qualquer projeto, obra ou serviço que estiver relacionado à iluminação pública ou ao monitoramento poderá ser custeado com a contribuição. Para a instalação de um sistema de iluminação ou segurança em uma rua ou bairro, por exemplo, a prefeitura pode entender ser necessário a construção de centros de monitoramento, que também poderiam ser bancados pela verba da contribuição.
“Hoje, a Constituição já traz quais são as possibilidades de uso da Cosip. O que está sendo feito é regulamentar essas possibilidades para evitar interpretações dúbias nos tribunais de contas”, afirmou o secretário-executivo da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), Gilberto Perre, durante coletiva de imprensa na quarta-feira, 4. “Não vale fazer asfalto ou tapar buraco.”
De acordo com a FPN, os municípios enfrentam dificuldades ao ter de separar a contratação de postes e lâmpadas da instalação de câmeras e outros equipamentos, problema que seria resolvido com a mudança. “Não é contribuição nova, não tem impacto para a população. Pelo contrário: vai trazer qualidade de vida para a população.”
Procurado, o Ministério da Fazenda não se posicionou sobre a proposta.
Associação aponta risco de aumento da conta de luz
De acordo com a Abrace, a ampliação do escopo da Cosip – ou seja, a permissão para usá-la em mais ações – abre margem para futuros aumentos da contribuição na conta de luz para bancar esses novos usos, o que elevaria os custos de pessoas físicas e empresas. No caso das indústrias, pontua a Abrace, isso se propagaria pela cadeia, sendo repassado aos preços de produtos e serviços.
A associação avalia que a alteração na Cosip pode abrir caminho para a contribuição se tornar a nova CDE, principal encargo do setor elétrico, que abarca diversos subsídios e banca, inclusive, programas que têm pouca ou nenhuma relação com os serviços de energia.
Esse risco seria agravado pelo fato de as cidades terem autonomia para definir o valor e o formato de cobrança da Cosip, sem um teto ou qualquer tipo de limitação.
Em São Paulo, por exemplo, a contribuição varia de R$ 0,89 a R$ 513,31 por mês para residências, dependendo da faixa de consumo, e de R$ 1,79 a R$ 1.025,41 para empresas.
“Aos poucos, isso faz com que as necessidades dos municípios e do Distrito Federal sejam incorporadas à conta de luz. O fato é que sempre vai se conseguir alguma justificativa para colocar o custo lá dentro. Isso é muito preocupante”, afirmou o diretor de Energia Elétrica da Abrace, Victor Iocca.
Um risco apontado pela associação é de que as prefeituras usem o dinheiro para pagar salário de funcionários contratados para o monitoramento do sistema. Ou seja, o recurso seria usado para bancar parte da folha de pagamento dos municípios, que tem crescido e agravado a situação das contas públicas das cidades.
Para Iocca, é inquestionável a necessidade de investimento em segurança e prevenção de desastres, mas o custeio, pontua ele, deveria vir do próprio Orçamento das prefeituras, e não da conta de luz. “Cobrar não só da indústria, mas de uma pessoa que sobrevive com um salário mínimo e que não vai deixar de pagar a tarifa, para não ficar sem luz, cria um distorção muito grande”, disse.
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